As lições de O Palhaço*

Duas coisas me chamam a atenção na indicação do filme O Palhaço como o representante brasileiro na disputa pelo Oscar.

A primeira é a convicção de que cinema bom não precisa ser, necessariamente, apenas aquele que denuncia mazelas, pobreza e injustiça, e que tantas vezes trata isso de forma muito mais sensacionalista do que como missão social. Não precisa ser só aquele cinema que, pretensamente, pretende discutir a condição humana, deixando-nos, ao cabo do filme, sem esperança na vida e no mundo.

Esse cinema é necessário, mas não é o único que pode ser bom e ser premiado.

Também pode ser bom aquele que nos deixa leve, que faz rir e chorar de alegria alternadamente, quando não ao mesmo tempo. Pode ser aquele cinema que nos dê vontade de amar e viver, e que desse modo vá até além: inocule em nós a vontade de mudar a própria vida.

Num segundo momento, O Palhaço parece nos aconselhar a seguir na contra mão do pensamento de hoje. Por isso é programa obrigatório para quem trabalha com recursos humanos, formação de líderes, orientação vocacional e atividades afins.

Usando a magia do circo como ferramenta, estala os dedos em frente aos nossos olhos nos mostrando que estamos nos matando mais e mais a cada dia ao buscarmos ser não o que somos e o que queremos, mas o que a sociedade e sua exigência por imagem e posição determina que sejamos.

Quem entender o filme, certamente ainda poderá ser salvo.

Que venha o Oscar! Será merecido.

Publicado também nos sites Brasil 247 e Só notícia boa.

Brasília, capital do ser e do ter*

A jornalista Cláudia Guerreiro posta em sua página na rede social seu espanto com a quantidade de estudantes de direito que cursam a faculdade apenas e tão somente por imposição dos pais.

No elenco de frases como “se não fizer Direito, vai sair de casa”, “onde você pensa que vai chegar fazendo História?” ou “Artes Cênicas não dá futuro para ninguém!” há realmente um espanto de que elas ainda possam ser ditas por algum pai nos dias de hoje. Paira algo de muito retrô em todas elas, e é como se estivéssemos assistindo a uma minissérie de TV passada nos anos 60. Como se Anos Rebeldes estivesse novamente sendo reprisada.

É claro que o apego ao status quo não é exclusividade de Brasília, mas me parece que por essas bandas planaltinas o ser e o possuir carregam importância maior do que em outros lugares.

Direito é uma profissão que pode abrir as portas do sucesso e da riqueza, ou, ao menos, de uma vida estabilizada de conforto e boa imagem social. Das carreiras universitárias tem sido a que mais permite acesso ao serviço público, conhecido nos últimos anos por suas benesses, regalias e altos salários em certos cargos.

Em Brasília, o novo fica velho rápido; o espaçoso em pouco tempo torna-se apertado, e mal acabamos de comprar o mais moderno, ele já está obsoleto. Daí a eterna busca angustiante e ansiosa pelo novo modelo do automóvel, pelo lançamento imobiliário, pela última novidade de telas e teclados. E o mais sempre ficando menos. E cada vez mais rápido.

De certa forma, isso explica a recente greve de algumas categorias do serviço público. Funcionários que ganham R$ 12 mil em início de carreira cruzaram os braços. Precisavam de aumento, exigiam reajuste salarial. É compreensível. Afinal, precisam pagar as prestações daquilo que compraram para substituir aquele outro que já estava ultrapassado e que, provavelmente, ainda nem acabaram de pagar.

*Publicado no Brasil 247 em 12.9.2012

Rolar para cima