Futebol doente e o título do Palmeiras

Na disputa pelo 3º lugar na Copa do Mundo deste ano, em determinado lance a Inglaterra chegou com perigo ao gol da Bélgica. Com perícia, o defensor tomou a bola na pequena área e deu início a um contra-ataque. Em apenas cinco toques o time belga chegou na cara do gol adversário, obrigando o goleiro inglês a um milagre.

Lembrei disso por que outro dia assisti à reprise de alguns lances dos amistosos da seleção de Neymar e demais mascarados. Parecia a reprise de todos os jogos dos últimos anos dessa camisa que um dia encantou o mundo: passes pro lado, pra trás, cruzamentos nas mãos do goleiro, carrinhos. Uma burocracia parecida com a que o cidadão comum enfrenta no serviço público para conseguir determinadas certidões.

Almanaque Cultural Brasileiro
Almanaque Cultural Brasileiro

E, agora, o Palmeiras é campeão. Ou deca, como se orgulham seus torcedores, que põem nessa conta, com a estranha chancela da mesma CBF que organiza a supracitada seleção burocrática, títulos de uma época em que o campeonato brasileiro só era disputado por clubes do Rio e São Paulo.

Antes de mais nada, parabéns ao Palmeiras pelo título deste ano. O time foi o mais eficaz em momentos decisivos e merece a conquista, mas – e agora me chamarão de flamenguista recalcado – penso que há algo realmente muito errado com nosso futebol quando o técnico do time campeão nacional – e, portanto, em tese o melhor time do país – é o mesmo técnico do maior vexame pelo qual uma seleção já passou na história das copas do mundo.

Os torcedores do Palmeiras (com o qual simpatizo, diga-se de passagem, por causa da origem italiana) têm todo o direito de comemorar.

Mas nosso futebol é um doente que pode estar se encaminhando pro estágio terminal.

Sobre pessoas interessantes, mas não importantes (ou vice-versa)*

Malabares

É difícil determinar o que faz uma pessoa ser interessante, aquela que esconde e ao mesmo tempo deixa à mostra algum aspecto que nos cativa, mas que não conseguimos explicar exatamente o que é.

Ser cátedra, ter pós-doutorado na França, ser executivo de multinacional, líder reconhecido no mercado ou político influente faz o sujeito importante, mas não necessariamente interessante.

Também não é passaporte para ser interessante saber dos últimos lançamentos da Apple, da Samsung ou ter sido um dos primeiros a ir ao restaurante da moda, que forma dois quilômetros de fila na porta.

A bem da verdade é mais provável que pessoas assim despertem sonolência em vez de interesse.

Dessa forma, eliminando esses tipos, você se surpreende verificando que com quem gostaria de conversar por mais de 15 minutos é o uruguaio que veio para o Brasil cursar a escola de circo. Ele joga malabares no sinal em que você para todos os dias, e hoje a apresentação dele estava tão boa, mas tão boa, que você, batendo palmas dentro do carro, se desculpou sinceramente por não ter nenhum trocado, ao que ele, em bom portunhol, respondeu “não tem problema, seu aplauso foi meu melhor cachê do dia”.

Há também a balconista da farmácia, que certamente foi trabalhar enlatada num ônibus, mas que vende um antigripal com atenção e sorriso largo, e de quebra deseja de coração que você fique bem, que amanhã acorde melhor. E no dia seguinte, quando você passa, ela coincidentemente está na porta da loja e pergunta: O senhor se sente melhor?

Sem falar na loura tingida da casa lotérica, aquela em que você entrou aproveitando que não havia fila, para jogar, sem qualquer esperança, na mega sena. Ela apanha a nota que você pegou na carteira e diz que com o troco dá pra jogar na quina que corre à noite e, quem sabe, ganhar um milhão. “Aí, o senhor volta aqui e me dá um presente”, e pisca o olho, divertida, misturando malícia e pureza. E ela faz isso de um jeito tão alegre que você promete a você mesmo que se ficar milionário vai comprar um mimo pra ela.

E pra balconista.

E dar um belo cachê pro uruguaio.

Porque cada um, a seu modo, fez ao menos cinco minutos da sua vida serem um pouco melhores e mais divertidos.
*
Do livro As Estranhas Réguas do Tempo, de André Giusti, crônicas (Editora Multifoco, 2014)
À venda neste link https://bit.ly/2PMyAQg ou comigo no inbox

Publicado originalmente neste blog em 22/8/2013

A escassez da beleza e afins

Caravan moderna 1

O designer Eduardo Oliveira redesenhou um dos grandes sucessos da indústria automobilística brasileira.

Se fosse fabricada atualmente, seria assim, como aparece nas fotos, a boa e velha Caravan, a preferida das famílias, funerárias e equipes de reportagem de TV nos anos 70 e 80.

Em minha opinião – e isso é apenas a minha opinião – a repaginação da Caravan (Eduardo Oliveira fez também a do Opala, procure e veja que espetáculo) é um oásis de beleza no deserto do horroroso mundo preto e prata das SUVs japonesas e coreanas, que com suas lanternas e faróis pontiagudos me parecem mais super-heróis orientais do tempo da TV Tupi.

Mostrei as fotos a Sergio Maciel, outro aficionado por automóveis e, feito eu, saudosista dos carros que dirigimos (ou sonhávamos dirigir) quando éramos moleques.

Ele me respondeu que não haveria mercado para a Caravan hoje em dia, por mais bela que fosse, pois está longe de derreter no mercado a consolidação da ditadura das SUVs/ tanques de guerra que ocupam duas vagas.

Triste, concordo, e com o perdão do pessimismo, parto do pueril exemplo de um automóvel e acabo considerando que a beleza é elemento relegado a 2º, 3º, 4º planos nos sombrios dias atuais. Na música, na dramaturgia, nas artes plásticas, literatura, roupas, arquitetura. Nos automóveis.

Caravan moderna 2

No geral, o tal custo benefício reina, para fortalecimento da aridez dos espíritos e das emoções.

Meu velho amigo se estende, e me lembra que além da beleza também foram para debaixo do tapete a inteligência, a cultura, a compaixão. A liberdade de expressão está indo igualmente, acrescento, ainda mais triste, porque, afinal, esses quatro últimos elementos não dizem qualquer respeito aos automóveis.

A confirmação da certeza amarga

Silvia Izquierdo/AP
Silvia Izquierdo/AP

Nunca me arrisquei a defender a inocência de Lula.

Muito menos cravar sua culpa.

Até hoje é algo sobre o qual não me decidi (e acho que nem preciso mais).

Mas, levando-se em conta a divulgação de apenas certos trechos da delação de Pallocci na semana do 1o. turno e agora a aceitação de Moro ao convite do presidente eleito, cujo principal adversário foi julgado e condenado pelo futuro superministro, eu confirmo de uma vez por todas, para mim mesmo, a única certeza que tenho disso tudo: o julgamento foi político.

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