Pequeno conto das reminiscências

Vinha devagar com o carro, por isso percebeu logo o casal na esquina. Tendo a lua como abajur, o rapaz, encostado ao poste, enlaçava com decisão a moça pela cintura. O vigor dos beijos era o mesmo dos braços dele em torno dos quadris modelados dela.

Pouco antes do primeiro retorno, resolveu voltar. Da outra pista, via mais distante os apaixonados. Retornou de novo para a pista junto à calçada onde os dois derretiam na solidão perigosa da noite na cidade. Reduziu ainda mais a velocidade em relação à primeira vez, e também aproximou o carro do meio-fio. Ao mesmo tempo, abaixou o vidro do carona.

Há quanto tempo não fazia aquilo, desde as noites de bolso vazio na metade dos anos 80, quando seis ou sete adolescentes, medíocres conquistadores sem talento, voltavam das festas sem beijos ou amassos, empilhados no chevette velho do otário mais velho da turma. Era por inveja e molecagem, às vezes uma pesando mais do que a outra, que infernizavam a vida dos apaixonados madrugada adentro.

Então, quase parando, esticando o corpo para a direita e tentando manter o carro em linha reta, berrou de pulmões cheios:

Aperta que ela peeeeeeidaaaaaaa!!!!!!

E acelerou para sumir na escuridão da avenida.

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