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1. Mais uma vez a esperança de que enfim renasceremos no ano que vem.

2. Na verdade o ano novo pode muito bem começar no dia 19 de julho, às 3 da tarde de uma segunda-feira, pouco depois de voltarmos do almoço.

champagne

Alguma coisa além de Robinson Crusoé

Entro na livraria do Centro Cultural Banco do Brasil, lugar que, em tese, é frequentado pela inteligentzia das cidades onde há CCBB. Brasília é uma delas.

Pergunto se há algum exemplar de Robinson Crusoé, e a menina que me atende pede, teclando com agilidade no terminal de consulta, que eu repita o nome do autor. Fiquei sem entender, pois eu não havia dito o nome do autor.

Ela insiste: o nome do autor, senhor, é Robinson de quê mesmo?

Sinto um aperto no peito tão grande, uma imensa pena daquela menina que veste o uniforme bem transadinho da livraria moderninha e chiquezinha, pretensamente cult, onde, se a coisa funcionasse bem mesmo, a vendedora deveria olhar nos olhos do cliente e com o mínimo de segurança discorrer  sobre clássicos, lançamentos e autores.

Ao mesmo tempo, sou tomado mais uma vez por uma imensa vontade de mandar o Brasil ir se foder, com seus faustões, lucianos hucks e Brunos & Marrones e afins.

Mas engulo a seco, explicando à menina que Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, é um dos principais livros escritos em todos os tempos para o público infanto-juvenil.

É importante que nos últimos dez anos um Brasil historicamente alijado do ensino, do conhecimento e da formação profissional esteja tendo oportunidades de entrar numa universidade e vislumbrar um futuro melhor do que o que antes lhe era reservado apenas em casas de famílias ou canteiros de obra. Da mesma forma é inegável o valor de termos quase 100% das crianças de sete a 14 anos na escola. Mas é preciso ir além de números em salas de aula e alcançarmos, finalmente, a consciência de que tão importante quanto é o conteúdo passado a esses alunos,  pois mais do que estatísticas, o que realmente  melhora uma sociedade é a capacidade de pensar e agir com base no conhecimento.

Robinson Crusoé passou 28 anos numa ilha
Robinson Crusoé passou 28 anos numa ilha

Onde estavam as bailarinas negras?

Minha filha do meio estuda balé em uma das academias mais conceituadas de Brasília.

A apresentação de fim de ano foi neste fim de semana e reuniu, no teatro de um conceituado hotel da cidade, algumas boas centenas de pais, mães e avós, ótima oportunidade para que as afetações exageradas de classe média virassem disputa de quem tirava mais fotos ou armazenava mais horas de vídeos nos smartphones.

Acho que pelo menos umas 50 meninas subiram ao palco, quem sabe até mais. Fiquei até quase o final e saí sem ver sequer uma menina negra se apresentar no meio de tanta criança branquinha, lourinha (como minha filha é) e de cabelo lisinho bem padrão encantado de um espetáculo de balé.

A única moça negra que vi estava no balcão do café do hotel. Servindo.

Tudo bem que se discuta e não se concorde com políticas de promoção da igualdade, mas não é possível que entre uma foto e outra no aparelho de última geração, ou entre um e outro gritinho exagerado por causa da pupila que está no palco, a classe média não arranje um tempinho para pensar que uma situação como essa – a de não haver uma menina negra dançando balé na boa academia de elite de Brasília – não é normal, não é justa e precisa ser mudada.

Não é possível que mesmo quem não concorde com quotas ou qualquer outro sistema não ache que algo precise ser feito o quanto antes.

Antes que chegue o tempo de eu assistir às minhas netas dançando balé.

Preciosa Adams - Bailarina da Academia Bolshoi - Moscou. Fonte: http://arquivo.geledes.org.br/
Preciosa Adams – Bailarina da Academia Bolshoi – Moscou. Fonte: http://arquivo.geledes.org.br/

Sobre cafezinho e elevadores privativos

Qualquer senso crítico mais aguçado perceberá que algumas práticas corriqueiras e históricas no serviço público são absurdas.

Isoladamente podem até não ser, mas repetidas automaticamente, dia a dia, ao longo de décadas, tornam-se absurdas devido justamente ao montante considerável de tempo.

Na inciativa privada, quem quiser tomar o cafezinho que move melhor a roda do expediente tem que pegar na copa. Em alguns casos, a própria pessoa precisa fazer.

No serviço público, uma copeira uniformizada prepara o café para que um garçom vestido de pinguim percorra todas as salas de uma repartição servindo cada um, de mesa em mesa.

Ao longo dos anos, o salário de cada copeira e cada garçom nas repartições públicas saiu do bolso contributivo do trabalhador.

O Brasil tem uma vocação nata de servir – com tons de bajulação – a quem na verdade é pago para servi-lo.

No Congresso Nacional há elevadores privativos destinados aos deputados e senadores, como se eles fossem pessoas de casta superior que não pudessem se misturar a quem, de forma direta, os colocou lá e trabalhando paga os impostos que lá os mantém.

Mas, claro, privilégio não é privilégio do Legislativo. Dia desses, no Ministério da Saúde, um dos elevadores esperava há quase meia hora com a porta aberta e ascensorista lá dentro, com cara de paisagem. É que a qualquer momento o ministro sairia do gabinete com destino a algum compromisso.

O servilismo tupiniquim a deputados e senadores é o mesmo que parece achar que a saúde no país para ficar melhor ou pior depende de o ministro esperar ou não o elevador chegar.

paulo-portas-ascensorista

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