Auto consulta sentimental (versão express)

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Ele se perguntou se realmente gostava dela. Estava calado, dirigindo, cruzando a cidade à noite, voltando cansado.

Ouvia BB King. Para começar a responder a si mesmo, fez outra pergunta:

– Se ela hoje batesse de surpresa na porta, dizendo que veio passar a noite e que só vai embora de manhã, como você reagiria?

Ele sorriu, acelerou na curva e passou a quinta. Uma alegria, uma euforia desceram-lhe pelas costas como alguma coisa que treme lá dentro. Enxergou o próprio rosto se inclinando , os olhos alegres, a boca se contraindo risonha, marota.

– Então, está dada a resposta… – e encerrou aquela história, agora em voz alta.

Homens que lavam louça = mulheres que falam menos

deliciasedelicias.wordpress.com
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Criado sob os ditames machistas, o rapaz de 20 anos, filho único, é incapaz de executar tarefas banais na rotina de casa, como, por exemplo, levar o prato da mesa para a pia da cozinha.

Lavá-lo é impensável e dar um jeito na louça toda pra quebrar o galho da mãe divorciada, com que ele vive, é fora de cogitação.

A mãe, em que pese talvez uma certa falha dela mesma por não ter incutido na criança, anos antes, o senso de colaboração, agora, acertadamente, pede e repete que ele coopere.

Em seguida ao pedido, sempre vem a profecia, e ela prega que desse jeito o rapaz não terá casamento que se sustente, pois as mulheres, já de algum tempo, não admitem arcar sozinhas com as tarefas domésticas. No que, aliás, estão cobertas de razão.

Não sei se é um caso isolado, mas me parece um exemplo de cegueira retrógrada dos homens da chamada geração Y: nascem sabendo manejar toda a tecnologia disponível no mundo, mas não abandonaram a cabeça de seus avós, que viveram nos anos 1940.

Acho que cabe às novas mamães postura firme desde quando a criaturinha começa a se entender como gente: lave seu prato, faça sua cama, recolha sua roupa. Aos papais, se também mantêm a cabeça nos idos de antigas gerações, que acordem para o real: se empregada doméstica é classe fadada à extinção, a esposa lava passa cozinha encera é cada vez mais rara de se encontrar. Pro bem dos homens e do mundo, diga-se de passagem.

Tenho vontade de sentar com o garoto e explicar tudo isso a ele, dizer que ele precisa mesmo colaborar com a mãe, mas ir além na explicação, mostrando que haverá nisso uma vantagem que ele poderá tirar para proveito próprio, inclusive quando for casado: é que quando mulheres pedem que façamos uma coisa, o melhor é fazer logo, pois quanto antes fizermos, menos elas falarão em nossos ouvidos.

Pela imediata devolução dos cadeados de bicicleta

blogs.estadao.com.br
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Acho que um dos males da vida moderna é fazer uma coisa pensando em outras duas ou três.

É assim que se perde carteira, óculos. No meu caso, dancei no cadeado que prendia minha bicicleta na garagem do prédio.

Tirei e não pus de imediato onde costumo pôr. Suponho que tenha deixado no chão, pois já revirei os cinco continentes e não encontrei.

Como ainda tenho um resto de fé na humanidade, logo que dei por falta dele, fui à portaria perguntar se alguém encontrou e devolveu. Fiz isso duas vezes e já me convenci de que terei mesmo que comprar outro.

Imagino quem achou repetindo a velha rima de quando eu era criança: “achado não é roubado, quem perdeu foi descuidado”. Parece uma frase bonitinha e inocente dita por criança, mas é um péssimo indício de formação de caráter.

Não, achado não é roubado, mas também não deve ser, em boa parte dos casos, de quem acha. Ainda mais se foi achado no prédio em que você mora ou no ambiente de trabalho. O “descuidado” é provavelmente seu vizinho ou seu colega.

Domingo agora, dia 16, anunciam novos protestos contra a corrupção. Vou sugerir que protestem também pela devolução de todos os cadeados de bicicletas que foram achados e dos quais os donos nunca mais tiveram notícias.

Vou pedir também que protestem pela devolução das carteiras e dos óculos. Que protestem sim contra qualquer forma de corrupção, inclusive esta, que é se apropriar do que não é nosso, vestindo a capa da desculpa do descuido do outro.

Do contrário, acho inócuo pedir a renúncia da presidente ou de qualquer outro político.

Até lá, me aperto ainda mais no apartamento, dividindo o pouco espaço com minha magrela, porque se levaram um cadeado tão besta, que dirá o que ele prendia.

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