Mais pesado que delação

Moro e Aécio

Esta foto, que se tornou um dos clássicos do fotojornalismo brasileiro, trouxe os primeiros sinais inequívocos de que Sérgio Moro conduzia seus processos com finalidade político partidária (no caso dele, uma variação da hipocrisia).

A comprovação veio quando aceitou ser ministro do governo cujo maior adversário ele próprio condenou à prisão meses antes.

Agora deixa este mesmo governo com os mesmos propósitos com os quais conduziu sua carreira de juiz, ao menos nos anos de estrelato.

E sai depois de ter feito ouvido de mercador para todo aquele papo de milícia, Queiróz e rachadinha.

Também fingiu que não viu o então chefe indo a manifestação que pedia fechamento do Congresso e do Supremo.

Mas nada disso, absolutamente nada, invalida o que disse serem os motivos pelos quais pediu demissão.

Da mesma forma que sempre pesaram as delações premiadas, pesam até mais as revelações do ex-ministro.

Espantos e absurdos possíveis

Livro Baggio

Espantos para Uso Diário, livro de contos do escritor paranaense Mário Baggio, publicado ano passado pela Editora Coralina, bem poderia se chamar Absurdos para Uso Diário.

Estaria bem batizado.

É que os espantos de Baggio parecem absurdos, deliciosos absurdos a debochar do mundo atual, do pais atual.

Mas não é deboche sem propósito.

É de denúncia em boa parte dos casos.

Baggio cria fatos delirantes e desse modo, bastante original, trata, por exemplo, da violência doméstica, falando do homem ciumento que arranca os olhos, as pernas e os braços da mulher para que ninguém a tome dele.

Acaba perdendo-a para um circo que a quer como atração bizarra.

Em outro momento, a esposa exemplar coloca os filhos no forno (ligado) para ter em sossego um jantar romântico com o marido.

Mas, calma.

Em tempo de tanta aflição e angústia, o livro de Baggio traz também – e em boa quantidade – lirismo e doçura, como em dois belíssimos contos: Elizete e a Vitrola e Solidão para Uso Diário, uma variação do título da coletânea.

Portanto, para fazer passar mais rápido a quarentena, recomendo a obra de Mário Baggio com seus espantos e seus absurdos.

O único problema pode ser, quando depararmos com o noticiário, chegarmos à conclusão de que as histórias de Baggio nem são tão absurdas assim.

J’avoue que j’ai vécu (Confesso que vivi)

Reprodução FB A.Marino
Reprodução FB A.Marino

Do nada me cai no colo deliciosa lembrança trazida pelo poeta Alexandre Marino.

Na foto, página do (saudoso) Jornal do Brasil com a matéria assinada por ele, que também é jornalista.

Je Vou Salue Marie acho que foi o primeiro grande desafio de um país que saía da censura como um todo, inclusive na cultura.

O filme de Jean Luc Godard mostrava Maria – mãe de Jesus – como uma garota normal, que engravida de uma maneira normal (como Maria engravidou, diga-se de passagem).

O conservadorismo caiu de pau em cima, querendo proibir o filme no cinema.

E conseguiu.

Sarney era o presidente e cedeu à pressão: a censura estrebuchava, mas ainda dava uns gritos.

O Marino conta bem tudo isso na página dele, veja lá.

Eu era um moleque de primeiro período de faculdade de comunicação, um tanto longe ainda de uma redação, e vivi, justamente como estudante, toda essa polêmica.

O DCE da minha faculdade conseguiu uma cópia clandestina do filme e a exibição foi feita num cantão meio escondido do campus, porque, pelo que me lembro, a direção da faculdade (Estácio de Sá, no Rio) também não via com bons olhos aquela coisa da mãe de Jesus ter tido relação sexual.

Eu fui na exibição, um pouco por ideologia política, à época ainda incipiente, e muito mais pela bagunça.

Por isso achei o filme chato pra cacete, e dormi na sessão.

Embora já universitário, minha pobre cabecinha ‘tava ainda mais para Spielberg do que para Godard.

Mas essa lembrança que o Marino me trouxe, nessa tarde isolada de quarentena, é aquele conforto que a gente sente quando percebe que a vida passou, e que a gente viveu.

Tipo aquela bala que a gente tirou o papel todo, bem devagar, e chupou toda, até o fim.

Corona notes 2

Página  Faxineira (FB)
Página Faxineira (FB)

Trancados em casa, percebemos que essa situação serve também para darmos valor a pessoas e coisas que ou nos passam despercebidas ou das quais reclamamos.

Falo das faxineiras/diaristas e das donas de casa.

Não há academia mais pesada do que banheiro e cozinha pra limpar, casa pra passar pano (e sem o glamour de uma academia, sem gente bonita e sarada passando de um lado pro outro).

E cozinhar?

Uma coisa é fazer num domingo ou noutro aquela receitinha descolada que zanza pelos sites bacaninhas.

Outra é conjugar criatividade com o que tem na geladeira e partir pra cima do fogão todo santo dia.

E no meio disso tudo, vamos nos lembrando e nos perguntando, com uma saudade até então impensável, quando voltaremos a, por exemplo, encarar aquele buzum cheio ou a fila da praça de alimentação do shopping em que já conhecemos todos os vendedores.

Ps: No 2o. turno, em 2018, alguém que pregava o voto nulo postava sempre “vocês escolheram o pior 2o. turno da história”. E ele e milhões escolheram o pior 2o. turno da história para pregar o voto nulo. Deu no que deu.

Ps2: Não aguento mais ver kkkkk nos grupos de zap.

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