A Brasília real de João Almino

Ideias para onde passar o fim do mundo

Estive com João Almino uma única vez, em uma bienal do livro de Brasília, exatamente dez anos atrás.

Aliás, esta bienal candanga ocorreu mais uns dois anos, se não me falha a memória, sendo que a última edição parecia mais uma feira de papelaria do que um evento literário.

Nesta primeira mediei um debate do qual Almino tomou parte.

Foi extremamente simpático e gentil comigo (acho que me escutava/assistia em meus tempos de âncora de rádio e TV) e, desde então, me prometi conhecer sua obra.

Levei uma década para pagar a promessa, e comecei com Ideias Para Onde Passar o Fim do Mundo.

A elegância no trato João Almino levou para estas páginas, ambientadas em um lugar que o autor conhece bem: a capital do país.

A partir de uma fotografia, o autor dá vida a personagens que aparecem nela e cria uma narrativa envolvente e lisérgica, descrevendo tipos de uma Brasília histórica que nem sei se existe mais, uma cidade bem mais cosmopolita do que a atual provinciana.

É uma cidade real, de pessoas reais com seus traumas, seus dramas, seus desejos e desenganos, descrita em um livro que é uma ótima oportunidade para que o resto do Brasil saiba que existe uma Brasília para além dos escândalos e desmandos.

A inflação do oportunismo

Dragão da inflação

Ontem comprei um produto cujo quilo, há duas semanas, custava pouco mais de R$ 49.

Agora passa de R$ 58.

A maquininha aqui me diz que são 20% de aumento.

Por pior que seja a inflação da pandemia, do Putin ou do facismo neoliberal tupinimquim ela não chega a esse percentual em 15 dias.

Já ouvi de um político com experiência em governos que o pior da inflação é sua cultura, ou seja, é um tal de “tá tudo aumentando, eu vou aumentar também” estipulando parâmetros um tanto aleatórios na cadeia produtiva.

Nela, cada peça (produtor/intermediário/vendedor) dessa engrenagem parece criar sua própria inflação, com base em índices particulares e em cálculos engendrados pelo caráter, de modo geral duvidoso, de nossos empresários e comerciantes.

O homem que não quis ser padre

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Passando por aqui para falar, rapidamente, de um dos últimos livros que li.

Trata-se dessa raridade chamada Drama de um Padre, escrito nos anos 1950.

Esse exemplar, o único, foi encontrado em um único sebo, que nem cadastrado na Estante Virtual está.

O autor, Isócrates de Oliveira, foi diplomata, filósofo, teólogo e, claro, escritor.

Mas antes de tudo isso, tentou ser padre.

E não conseguiu.

Então escreveu essa cacetada na forma como a igreja católica ordena seus sacerdotes, na base da repressão medieval, de acordo com o autor.

Isócrates descreve uma preparação que em tudo agride e oprime a natureza humana, começando pela sexualidade.

Não é de se admirar que o livro tenha causado escândalo à época.

Drama de um Padre mostra o jogo de poder, vaidade, mesquinhez e interesses do clero, mas, acima de tudo, a conduta de bispos e arcebispos, em nada condizentes com o ensinamentos do Cristo, o que, justiça seja feita, não é privilégio dos católicos entre as religiões cristãs, pois basta frequentar uma igreja evangélica ou um centro espírita para detectar também nesses templos a hipocrisia e o desvirtuamento das palavras do messias.

Isócrates nasceu em Pirenópolis, essa joia histórica cravada junto à Serra dos Pireneus, em Goiás.

Sua casa é hoje uma pousada, que manteve, por exigência da família, parte de sua biblioteca e escritório exatamente do jeito que o autor deixou (ele morreu em 1999).

Como é realmente difícil encontrar um exemplar de Drama de um Padre, sugiro a quem puder um pulo em Piri e uma visita rápida ao local, ao menos para sentir a essência da alma do escritor.

Mas já aviso de antemão: não espere encontrar o livro lá, pois levaram e não devolveram o único exemplar que havia na biblioteca.

Uma conduta nada cristã, diga-se de passagem.

Aceita uma aldravia?

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Eu já havia lido algumas aldravias por aí, mas não sabia que se chamavam assim.

Era mais ou menos como aquelas pessoas que a gente conhece, esbarra todo dia, mas não sabe o nome.

O Gilbson Alencar é quem me apresentou formalmente a esse formato poético em que a palavra é mais importante do que nunca e que pode até mesmo, dependendo do caso, sobreviver sem um verbo.

Ele não inventou a aldravia, mas pescou direitinho o desafio e consegue explicar em duas ou três palavras – às vezes em apenas uma – o que em outros casos requereria uma frase bem encorpada, e tudo isso com o necessário impacto poético.
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Mas a qualidade do recém-lançado Brutos e Flores não se resume às aldravias (não lembra nome de doce português?).

Há poemas fortes, bem estruturados, com imagens relevantes e passeios pelo eu lírico, interiorano ou urbano.

Há também uma parte em prosa, mas essa eu ainda não li.

Vou petiscar mais algumas aldravias do Gilbson antes de chegar lá.

Depois volto para contar.
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A responsabilidade de quem tem filho homem

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O combate à violência e ao desrespeito contra a mulher pode começar nas casas de quem tem filho homem pequeno.

Um simples “em menina não se bate” dito desde que o garotinho comece a se entender como gente pode formar um adulto ciente desse respeito que é mote de homenagem em oito de março, mas que tanto falta nos outros dias do ano.

No bojo, terá que vir, certamente, a cultura de que mulher não é objeto, de que mulher não nasceu para usufruto do prazer masculino e nem para dar conta sozinha das tarefas domésticas.

Aliás, que tal, desde pequenino, colocar seu mocinho para pôr/tirar a mesa e ajudar a lavar os pratos?

E por aí vai.

Artur do Val, o tal do Mamãe Falei (sugiro que mude para Mamãe Falei Merda), certamente nunca escutou em casa um “e se fosse com a sua mãe? E se fosse com a sua irmã?”

Machismo, misoginia e discriminação são fatores culturais, e entendo a família como a fonte primária de formação da cultura, ou, de modo mais direto, onde se pode e deve cortar o mal pela raíz.

Se você tem filho homem, pense no que tem feito para que oito de março não seja apenas um dia de florzinhas e bombons fofos.

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