Judite

Ela não nos esperava chegar em casa, seu limite não alcançava a alta madrugada, quando não o próprio amanhecer. Mas quando acordávamos, vinha com uma chícara de café preto fumegante, muito embora já fosse quase hora do almoço. Ficava da mesa da sala espiando divertida nossas caras amassadas de ressaca, sentados no sofá, acordados sem termos extamente despertado, tentando entender o que se passava já no meio do dia. E aí, quando afinal engrenávamos nossas histórias de sucessos e fracassos pelos bares da cidade, ela pousava em nós olhos risonhos e fazia um jeito de quem sabia de algumas coisas e desconfiava de outras.

Sempre que eu ia visitá-los, recebia dela um abraço tão apertado que tornava a viagem bem menos longa. Então, o cansaço da estrada, feito lagarta feia e amarronzada, se transformava em borboleta feliz e eufórica despejando novidades e notícias de todos. Logo em seguida, ela me mostrava meu lugar na casa e a cama em harmonia com lençóis esticados, obra perfeita de seu carinho de mãe emprestada.

No jantar, antes de buscarmos outra vez aventuras na noite gelada de Curitiba, ela contava casos da vizinhança de tantos anos da Tijuca, desencavava outros ainda mais antigos da infância em Minas. E ríamos tanto, que se não fosse nossa busca desenfreada pelas ilusões dos vinte e poucos anos, ficaríamos ali em meio a tigelas vazias de sopa e farelos de pão na toalha.

Os anos passaram e guardei essas lembranças em enormes caixas de gratidão. Agora, lendo na tela fria do computador o e-mail curto que não comporta a extensão da tristeza do aviso que me traz, eu choro lágrimas sinceras do filho que dela fui em algum momento da vida.

3 comentários em “Judite”

  1. tenha certeza que voce foi filho em varios momentos, alias, eramos uma familia que tinham varios filhos free lance, e que juntos nos divertimos bastante.

  2. Obrigada André, pelo carinho… tantos de nós fomos filhos emprestados, por tantos anos, e tantos endereços…. as saudades dela e daqueles tempos são enormes.
    Beijo, Denise

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