A bola murcha do rádio e do futebol

Minha paixão pelo rádio certamente nasceu quando comecei a acompanhar as transmissões das partidas de futebol por volta de 1975.

Meus locutores favoritos eram José Carlos Araújo (até hoje é) e os falecidos Jorge Cury, cujo um dos bordões era “Anotem teeeeeeeeeeeeeeeempo e placar no Maracaaaaaaaaaaaaaaa!; e Waldir Amaral: “Você, ouvinte, é a nossa meta! Pensando em você é que procuramos fazer o melhor!”.

Mas a bola do rádio esportivo parece que murchou. José Carlos ainda reina sozinho e não vejo – ou melhor, ouço – ninguém com muita pinta de que vá assumir o trono. Os locutores esportivos de hoje em dia não nos deixam mais com os nervos à flor da pele, com aquele modo de narrar que nos fazia achar que a bola já estava entrando, quando ainda nem passara da linha do meio campo. Ou , no caso de Waldir Amaral, justamente o contrário: a pelota já estava na rede e ele ainda narrava o passe pro gol. O que dava nos nervos do mesmo jeito.

Talvez a culpa não seja de meus ouvidos, muito menos dos narradores. É possível que venha de um certo desencanto que já há alguns anos nutro pelo futebol.

O que era uma espontânea expressão da identidade de um povo, cada vez mais se torna refém de uma sofisticada engrenagem financeira. Quase não se entrevista mais jogadores à beira do campo, então, não há mais um Dadá Maravilha para dizer que era um prazer jogar em Belém, “a terra onde Jesus nasceu”, segundo ele. Hoje as entrevistas têm que ser após o treino, de banho tomado, na frente de um painel lotado de marcas de patrocinadores.

É claro, o chato sou eu que não entendo que futebol é um negócio, como música, indústria de automóveis e fábrica de macarrão.

Mas quem suporta o Neymar 24 horas por dia na nossa frente, em todos as TVs que ligamos, em todos os lugares por onde passamos? E essa campanha para que a gente acredite que ele é mesmo esse gênio da bola e que vai salvar nossa medíocre seleção de um vexame em casa?

Tudo bem. Se pegarmos dez exemplares das antigas revistas Cruzeiro e Manchete, em pelo menos oito estarão ou Pelé ou Garrincha. Ou seja, a massificação não é de agora.

Mas hoje é muito maior, até porque existem muito mais formas de se massificar um produto, uma pessoa, um candidato a ídolo e a Deus.

E a vantagem de antigamente é que não tinha o Galvão Bueno.

1 comentário em “A bola murcha do rádio e do futebol”

  1. Thiago Fidélis

    André, eu gosto muito do Edson Mauro. Acho que ele é o cara que consegue reunir essas características que você, muito sabiamente, citou.

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