A ilusão do brahmeiro

Cerca de dois anos atrás eu estava no caixa de um supermercado no Lago Sul, bairro chique de Brasília, e a minha frente três moças de no máximo 20 anos. Cada uma levava duas pequenas garrafas de vodka mais quatro latinhas de cerveja. Outros 20 anos separavam aquela cena dos meus tempos de ir ao supermercado comprar uma garrafa de run para misturar com coca-cola em alguma festa. Mas a diferença não era somente de época. Até passar no caixa, eu procurava esconder a bebida e depois ia embora, tudo para não topar com algum vizinho ou conhecido. Naquelas três não havia qualquer pudor em ao menos disfarçar as garrafas e as latas, mas ao contrário, empenho em agir com naturalidade, como se a intenção fosse demonstrar que eram vivas e alegres porque bebiam ou vice-versa.

Lembro desta cena porque saiu nos jornais pesquisa do Ministério da Saúde mostrando os números do consumo de bebida no país. No Distrito Federal, entre as mulheres, o número mais do que dobou em relação à última pesquisa, em 2008. Fora as baianas, aqui estão as mulheres que mais entornam no Brasil.

O exemplo das mulheres do DF talvez sirva para refletir se não há atualmente em torno da bebida alguma coisa que possui tanto apelo quanto o glamour que acompanhava o cigarro nas propagandas até os anos 80.  Diferentemente do que fazia com o fumo, a propaganda não diz que seremos belos e bem sucedidos se bebermos, mas dá a entender que seremos mais felizes socialmente e arrumaremos mais amigos. Existe até mesmo algo que disfarça uma tentativa de associar o hábito a uma qualidade de caráter, a uma forma elogiável de conduta. Se prestarmos atenção no texto e na forma como ele é lido no comercial da Brahma, por exemplo, é de se supor que ser brahmeiro é o mesmo que enfrentar com coragem os percalços da vida, ser persistente, não se abater com as derrotas. Substituíram a exploração erótica da imagem das louras por uma imagem forjada de pessoas conscientes da vida. 

Terreno fértil para o plantio da propaganda, o jovem vai bebendo mais e mais a cada ano, e não apenas para descontrair – o que é normal e saudável – mas para cair, passar mal, não lembrar de nada no dia seguinte e ainda pôr, em muitos casos, em risco a vida dos outros.

Se hoje em dia fumar é brega, de quanto tempo precisaremos para descobrir que ficar bêbado não faz de ninguém belo, charmoso e muito menos capaz de fazer bons amigos ou resolver seus problemas?

1 comentário em “A ilusão do brahmeiro”

  1. É. Se gastam tanto dinheiro para nos convencer que é bom, e ainda associam imagens, encobrindo o produto em si. Pior que nossos filhos, sem condiçoes de análise assistem junto com seus programas infantis.

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