A trajetória experimentalista de Wilson Bueno

Por Alexandre Pilati*

A morte trágica do escritor Wilson Bueno, assassinado há pouco mais de um mês, deixou a literatura brasileira contemporânea sem uma de suas mais originais vozes. Wilson Bueno era um autor reconhecido pela crítica e que começava a alcançar um público mais significativo a partir de publicações recentes pela Editora Planeta, de maior expressividade editorial. Se podemos falar de uma característica marcante de Bueno, esta é a sua competência para experimentar linguagens. Isso o integrar um seleto grupo de autores curitibanos, entre os quais podemos citar Paulo Leminski, Jamil Snege, Valêncio Xavier. É marcante, na obra desses autores, que certamente inspiraram muito Wilson Bueno, a inquietação diante dos limites da palavra literária, o que os leva a testar novos horizontes a cada novo texto. Esse era exatamente o caso de Bueno, um autor inovador e inquieto, que levava o trabalho com a palavra ao limite da exaustão. Seus livros não ficarão conhecidos pelos enredos mirabolantes, mas sim pela experiência com a linguagem que propõem. Cumpre lembrar ainda que, ativista cultural, Bueno foi o editor do premiado jornal de cultura Nicolau, que fez muito sucesso nos anos 90 em Curitiba e em outras partes do país.

A estreia de Bueno como grande narrador

Bueno começou a ficar conhecido pela publicação, em 1992, de uma narrativa experimental chamada Mar paraguayo. O texto tem enredo simples: trata-se apenas de uma história que relata a vida sofrida de uma mulher e do personagem que é conhecido como “El viejo”. Entretanto, o livro que, que saiu pela editora Iluminuras e está esgotado, configura-se como uma experiência de linguagem que junta português e espanhol e os soma ainda ao idioma guarani, criando uma espécie de língua literária da fronteira do Brasil com o Paraguai. Mar paraguayo apresentou a verve experimentalista de Bueno ao Brasil e ao mundo, abrindo portas nos meios acadêmicos e editoriais para o autor.

Depois de produzir até mesmo livros infantis, Wilson Bueno conseguiu um bom contrato com a editora Planeta, que fez com que seu nome se tornasse cada vez mais familiar aos leitores que acompanham literatura contemporânea no Brasil e em outros países, tais como o Chile, o México e a Argentina, nações onde seus textos chegaram depois de traduzidos.

O amadurecimento literário

Nessa leva da Planeta, podemos verificar que Bueno amadurece o método de absorver um estilo literário alheio para depois tentar recriá-lo em novas histórias. Foi assim com o seu livro de estréia na editora, de 2004, intitulado Amar-te a ti, nem sei se com carícias. Nessa narrativa, Bueno absorve o estilo de nossos escritores do século XIX, especialmente Machado de Assis, para contar uma história ambientada no Rio de Janeiro daquele século. O enredo, também retoma as clássicas histórias do romance brasileiro novecentista. Trata-se de uma intriga narrada em um manuscrito encontrado num palacete prestes a ser demolido, no bairro de Botafogo, de autoria de um certo Leocádio Prata. Como não poderia deixar de ser, apresenta-se no romance um verdadeiro triângulo amoroso à Machado de Assis. Mas o destaque mesmo é para a linguagem literária do passado que é magistralmente recriada por Bueno.

Outro livro de Bueno que teve uma grande repercussão, também editado pela Planeta, é A copista de Kafka. A obra é composta por 27 contos que imitam o estilo kafkiano e que vão se alternando à apresentação de trechos do diário fictício de Felice Bauer, que trabalhava como copista para Franz Kafka. Mesmo contendo bons momentos, de grande criatividade, este livro parece mostrar um autor mais saturado desse mecanismo de experimentação que visa aprofundar-se em influências alheias.

Uma literatura sempre precisa de autores que puxem o carro da vanguarda, da inovação e da pesquisa linguística. Essa é um dos vetores a partir dos quais ela evolui. Wilson Bueno era um desses grandes experimentalistas, cuja imagem, certamente, nunca combinava com o conformismo que é marca do nosso mercado editorial. Segundo informações que circularam na imprensa na última semana, Bueno deixou pronto um livro, intitulado Mano, a noite está velha, que ainda não tem data prevista para publicação. Esperemos que ele saia em breve para coroar o projeto de experimentação do autor e também que o seu Mar paraguayo possa ganhar nova edição, para conhecimento dos jovens que, agora, infelizmente, assistiram ao seu cruel assassinato.

*Alexandre Pilati participa comigo do bate-papo literário na BandNews FM – 90,5 – Brasília  às 2ªs feiras às 16h51, com reprise às 11h31.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima