Hífen, esse imbecil

A língua pode ser espelho de um país. Acho que é o nosso caso. Linda. Rica em absurdos. E burocrática. Muito burocrática.

Entre as imbecilidades cometidas pela última reforma ortográfica, sem dúvida é destaque o que fizeram – e deixaram de fazer – com a imbecilidade-mor da língua portuguesa: o hífen. Formas absurdas, mas ao menos consagradas, de usá-lo desapareceram sem explicação. Outras ainda mais sem sentido brotaram da cabeça sabe-se lá de que gênio linguístico para perpetrar o inferno que é a vida de quem escreve em português.

Se o hífen fosse uma pessoa, seria o burocrata que, trancado e embolorado em seu gabinete em Brasília, se recusa a liberar dinheiro para quem morre numa catástrofe natural, por exemplo, tão somente porque o carimbinho que deveria constar às folhas tais do requerimento não tem o tamanho estipulado no parágrafo tal da portaria tal.

Antigamente, ainda enxergava alguma razão de ser nesse maldito tracinho. Era o caso de palavras com sentido próprio, que juntas formavam uma terceira. Hoje, o exemplo também me parece mais uma imbecilidade. Alguém deixará de entender que uma camisa é azul-escuro se não houver o infeliz do risquinho?

Por isso desisti de usar hífen, ou melhor, de me descabelar em dicionários e no google toda vez que deparo com a obrigação tortuosa de enfiá-lo no meu texto. Mas não vou fugir dele, esse bostinha empertigado. Usarei nos casos em que tenho certeza (ou acho que tenho). Nos que não tenho, deixarei pra lá. As duas palavras que se entendam sozinhas.

Quem achar por bem me corrigir, que o faça. Se eu tiver saco pra mudar, eu mudo.

Eu, minhas filhas e o direito das mulheres

Homem branco, de classe média, criado sob os ditames machistas, nunca me preocupei com os direitos das mulheres.

Até ser pai de três meninas.

Não me agrada pagar a educação delas e saber que no futuro elas poderão ganhar menos do que os colegas homens por causa de uma estupidez cultural que é quase uma cláusula trabalhista.

A tal meritocracia, defendida por quem é contra as cotas raciais nas universidades, deveria ser instrumento para igualar os sexos no mercado de trabalho. Pena que os homens que a defendem no primeiro caso se omitem no segundo.

Mas minha preocupação de pai com a questão dos direitos das mulheres não fica, claro, restrito ao campo do trabalho. Porque temo que uma delas seja vítima de violência de marido ou namorado, preparo-as para entender que a dignidade é a mãe do direito.

Desde já cultivo naquelas cabecinhas que não aceitem, de forma alguma, gritos e xingamentos de algum homem, seja ele quem for, tenham por ele amor, paixão ou qualquer outra espécie de atração ou sentimento. A mulher que admite isso abre a porta para a violência física, e será, possivelmente, presa fácil do cínico arrependimento do homem.

A dignidade da mulher no casamento, namoro, noivado e afins certamente é um de seus principais direitos, e talvez passe pelo conceito que ela terá dessa relação. Procuro ser claro com minhas filhas: a felicidade de vocês não dependerá de marido ou espécies semelhantes. A mulher que tem essa consciência fica menos vulnerável à agressão física e psicológica, e não aceitará como normal toda sorte de humilhação.

Essa coisa de se preocupar com direito das mulheres me faz prepará-las para não serem ‘mulherzinhas’. Quero minhas filhas ‘mulher-macho’, aquela que enfrenta a vida de frente sem homem de escudo, pronta a mandar às favas qualquer um que lhe ultraje a dignidade, seja nos campos material, sentimental ou psicológico.

Alguns podem chamar isso de consciência. E até é. Mas é, antes de tudo, amor de pai.

Consumidor e cidadão

A punição imposta pela Agência Nacional de Saúde aos planos de saúde tem um aspecto positivo que ficou, sem muita atenção, nas entrelinhas da notícia: a participação da sociedade na tomada da decisão pelo Estado.

Este ano, foram mais de oito mil reclamações contra os descalabros promovidos por quem, pra efeito de marketing, anuncia que presta medicina de primeiro mundo.

Com exceção das marchas da Maconha e das Vadias, qual mobilização que consegue, nos dias de hoje, colocar mais de oito mil pessoas nas ruas do país?

Há claramente uma diferença entre a mobilização do brasileiro como consumidor e como cidadão. Desde que amparado pelo Código de Defesa e por alguns institutos que mal ou bem agem a seu favor, o primeiro reclama seus direitos, até porque esses dizem respeito à parte mais sensível de todos nós: o bolso.

Já o segundo patina no eterno discurso contra ladroagem em palavras que se limitam às rodas de bar e, ultimamente, às redes sociais, como se o voto dele não possuísse parte da responsabilidade pela bandalheira.

Não deixa de ser também, numa análise um pouco menos superficial, a importância do individual e do coletivo: pelo o que é meu, eu brigo; pelo o que é nosso, eu digo que deveríamos brigar.

Sheik, pronto para a idolatria

A mídia precisa fabricar ídolos. É uma das maneiras de se cativar a audiência, elemento imprescindível para chamar anunciantes, razão maior do faturamento de emissoras, jornais e revistas.

Se o possível ídolo não tem talento, capricha-se na produção focando uma característica que possa tornar-se marcante para as grandes plateias e arrastar multidões.

Se possui algum talento, tanto melhor: mostra-se esse talento bem maior do que realmente é. Se for possível, torna-se esse ídolo uma espécie de semideus infalível.

Parece-me, no entanto, que às vezes o departamento de seleção de ídolos dos meios de comunicação é acometido por certa miopia.

Há cerca de dois anos, e com maior intensidade de um ano para cá, somos massacrados com a obrigação de acharmos que Neymar é – ou será – o maior jogador do mundo. O problema é que a enfraquecer o bombardeio midiático liderado pela TV Globo estão os próprios fatos. Anulado ou anulando-se na hora em que precisou justificar todo o alarde em torno do seu nome, no conceito da audiência, Neymar só consolida mesmo a teima pelo penteado exótico.

Ao passo que o jovem santista não foi este ano para o Santos e muito menos para a Seleção o que a mídia assegurava que ele seria, outro jogador, que  a mesma mídia não cogita como ídolo, mostra-se o herói que o futebol fabrica naturalmente, sem produção ou marketing.

Emerson, o Sheik, apareceu quando seu time precisou dele, uma delas, inclusive, contra o Santos de Neymar. Aliás, ontem, Emerson fez o que havia feito pelo Fluminense em 2010: colocou a bola nas redes e deu o título ao time.

Pode ser que até a Copa Neymar acabe se tornando o que a TV Globo precisa que ele seja, trazendo a reboque Paulo Henrique Ganso, candidato a coadjuvante nessa pretensa dupla de super-heróis, mas que, da mesma forma, até aqui não passou de expectativa.

Porque hoje o produto acabado e pronto para a idolatria chama-se Emerson.

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