A piada melhor que a palavra de Deus

Púlpito Cristão
Púlpito Cristão

Na calçada entre o Conjunto Nacional e o Conic, dois dos centros comerciais mais importantes de Brasília, você vê o que quer e o que não quer.

Há lá um senhor de seus 70 anos, que não tem uma das pernas, mas tem um dos assovios mais afinados que já ouvi. Não é exagero dizer que parece uma flauta. Para acompanhá-lo, ele tocava um padeiro com uma pegada de percussionista.

Divertido, sempre tinha uma piada para quem passava. Coisa leve, nada impróprio, do tipo “a vida de casado é boa… mas a de solteiro é melhor”.

Quando eu ia pro almoço, me aproximava dizendo “a vida de casado é boa…” e ele completava “…mas a de solteiro é melhor”, para soltar em seguida uma risada ainda mais engraçada.

Na volta, eu deixava uma moedinha pra ele e soltava uma outra frase do seu próprio repertório: “vamu trabalhar, se não a mulher vai embora”. E ele repetia. E ria em seguida. E voltava a assobiar e a bater com ritmo seu pandeiro.

Sumi uns tempos da rota Conic-Conjunto Nacional.

Reapareci outro dia e dei com o sinhozinho de uma perna só, assovio de flauta e pandeiro de mestre. “A vida de casado é boa…”, brinquei, mas ele não completou. Até sorriu, mas, com um livro preto na mão, me devolveu a brincadeira com uma pergunta, estranhamente austero: “vamos ouvir a palavra de Deus, irmão?”

Desconcertado, segui meu caminho. Na volta do almoço, nada de assobio nem pandeiro, muito menos piada. Apenas “vamos ouvir a palavra de Deus, irmão?”.

Nada contra suas escolhas, seus novos caminhos.

É que tantas vezes passei por ali amargurado, triste, e as brincadeiras dele, sempre de bem com a vida, não obstante a perna que lhe falta e a esmola que pedia, me deixavam um pouco melhor.

Ele pode ter se encontrado espiritualmente, mas pra mim, tornou-se uma pessoa sem graça.

Eu precisava mais de suas piadas do que da palavra de Deus.

A necessidade de se assistir a O Vendedor de Sonhos

Só vim pra dançar Cast
Só vim pra dançar Cast

A crítica desceu o pau, mas acho que O Vendedor de Sonhos, do diretor Jayme Bom Jardim, é um filme necessário.

Como cinema, deixa realmente a desejar. Há buracos no roteiro e saltos na história, mas que acabam relevados por causa da mensagem.

Porque, lá pelo meio do filme, você enxerga que o que vale ali é a mensagem, e não o cinema.

Na história – realmente fantasiosa, como pregam os críticos – os personagens de Dan Stulbach e César Troncoso chamam a atenção para o que nos separa de quem amamos, para o que nos mata todos os dias, nos deixando hipocritamente vivos.

É um filme que denuncia o sistema de uma forma até óbvia, mas acho que precisa ser assim mesmo, porque o sistema está alimentando em nós mazelas, que embora nítidas, nós não estamos conseguindo detectar.

Aliás, desconfio que parte do desprezo da crítica (que está inserida na mídia, é sempre bom lembrar) vem justamente dessa cutucada forte que o filme dá no sistema capitalista.

Vá ao cinema assistir a O Vendedor de Sonhos. Releve o filme, preste atenção na mensagem.

 

Como acreditar nos supermercados (e na Justiça)?

andradetalis - WordPress.com
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Passando pela seção de vinhos do Carrefour Bairros, na 312 norte, em Brasília, me chama a atenção o preço do chileno chamado Travessia, um cabernet que se não é nada do outro mundo, também não nos faz passar vergonha.

Na etiqueta amarela da promoção está escrito, bem claro: R$ 25,99. Aproveito, ponho no carrinho.

Depois de passar no caixa, confiro a nota: R$ 30,99.

Tenho o trabalho de ir novamente à gôndola, e me certifico de que não enxerguei mal: R$ 25,99.

Volto ao caixa. A gerente olha a garrafa, vai lá dentro, volta, pega R$ 5 e me dá de troco, sem dizer nada, sem pedir desculpa.

Seu comportamento me sugere que aquilo é rotina, e logo imagino que de cada cinco clientes, talvez apenas dois confiram a nota e peçam a diferença. Então, já são R$ 15 a mais no faturamento da empresa às custas da (não) promoção.

Claro, claro, pode ter havido um erro técnico, uma falha operacional, nenhuma má fé.

Mas em um país em que não se pode confiar no principal tribunal de Justiça, como acreditar no supermercado?

Sobre um velho assunto

G1 - Globo.com
G1 – Globo.com

Já me ocupei muito de falar sobre gente que com o shopping lotado não recolhe a bandeja com o prato em que comeu. Deixa em cima da mesa mesmo, pouco se importando com quem vem atrás equilibrando outra bandeja, com o prato cheio.

Há muito não falo, mas o assunto continua aqui, entalado.

E hoje me lembrei de alguns que, se justificando, dizem que não tiram a bandeja porque assim ajudam a manter o emprego dos funcionários da limpeza, que fazem por ofício o que todos nós podemos fazer por gentileza e senso de viver em comunidade.

É que hoje reparei em algo óbvio.

Quando recolhemos a bandeja da mesa da praça de alimentação, não a devolvemos diretamente ao restaurante. Colocamos em cima daquelas lixeiras grandes, que lembram grandes armários de cozinha, que geralmente ficam junto a pilastras.

E quem as leva dali de volta aos restaurantes? Os funcionários da limpeza.

Ou seja, empregos garantidos.

E hipocrisia e falta de educação e senso coletivo definitivamente desmascarados.

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