A infelicidade de quem não dá a descarga

G1 - Globo.com
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De uns tempos para cá, comecei a tentar entender pessoas que usam o banheiro de onde trabalham e não dão a descarga, especialmente naquela situação que todos podem imaginar.

A primeira hipótese que me ocorre é que são extremamente infelizes no local onde ganham o pão de cada dia. Odeiam tudo ali – o salário, o serviço, o chefe, as pessoas – e quando vão ao banheiro devem imaginar a privada como a sala, a seção ou o departamento, e que lá dentro estão os chefes e os colegas. Penso que devem mesmo imaginar, naquele exato instante, que são imensos gigantes sentados sobre o prédio.

Essa infelicidade talvez venha desde a formação profissional, dos anos de faculdade. Quem sabe o autor do quadro repugnante com o qual você depara no banheiro queria ser médico, ator, arqueólogo. Não conseguiu ser por alguma razão e pá: “o mundo que veja projetado nessa privada o que eu acho da minha vida”.

Casamento infeliz, pais e sogros insuportáveis, filhos com problemas, dívidas impagáveis do cartão.

Todas essas possibilidades me vêm à cabeça quando vou usar o banheiro e vejo que não há condição.

Sentido-me mais afortunado que os funcionários da limpeza que terão que dar um jeito naquilo, procuro achar que a pessoa que usa o banheiro e não dá a descarga é alguém infeliz sem coragem para mudar a própria vida e correr atrás da felicidade.

Medroso, acomodado, agride o mundo de forma escatológica extravasando suas frustrações.

Não pensa que há saídas mais higiênicas de trabalhar nossos complexos.

Sobre elevadores e cafezinho

Foto OAB - BA
Foto OAB – BA

Rodrigo Leitão me contou recentemente que quando entrevistou a ministra da Cultura da França, anos atrás, precisou subir quatro andares de escada. O prédio, onde ao menos à época ficava o ministério, era antigo, não possuía elevador, e a ministra cansava todos os dias as canelas e os joelhos nos degraus.

No mesmo papo, outro colega de profissão, Ivan Godoy, lembra-se da entrevista que fez com o ministro das Relações Exteriores de um país que não me lembro qual, mas era um desses em que há escola ótima e hospital perfeito para todo mundo e ninguém fica na rua pedindo esmola.

Assim que o Ivan aceitou o café que o ministro ofereceu, o próprio figurão levantou-se, foi no canto da sala e voltou com um copinho de café de garrafa térmica.

No Brasil, não apenas ministros, mas secretários de estado, que muitas vezes nem sabem direito o que estão fazendo no cargo, sobem e descem em elevador privativo, apartados de quem banca seus salários.

Qualquer chefete de repartição pública mequetrefe tem direito a garçom vestido de pinguim trazendo cafezinho e água gelada na bandeja.

Nem me estenderei aos carros oficiais e verbas de gabinete. Ficarei apenas nesses dois exemplos de mordomia rastaquera, a partir da qual vislumbramos um estado cimentado nos privilégios e nas distorções.

Revoltados e perplexos, assistimos todos os dias à consolidação do imenso descalabro que é a vida nacional.

O problema também é este: num país de grandes escândalos, acabamos por não nos dar conta das pequenas indecências diárias.

Mas nos insurgirmos também contra elas, seu costume e sua historicidade arraigada em nossa cultura, é um bom começo para combatermos as grandes patifarias nacionais.

Podemos começar subindo com todo mundo no elevador e pegarmos café da garrafa térmica em caso de virarmos secretário, ministro ou nada além de chefete.

Respeito a Mírians e Letícias

O Dia
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Veja
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Tenho me abstido de escrever sobre o momento político.

Confesso que me abateu o ânimo o nítido conluio entre os três poderes a favor da manutenção do descalabro.

Mas é que também têm me causado enfado, como nas últimas horas, tentativas como as de provar que não existiram as agressões verbais dos chefetes do PT contra a Míriam Leitão, que, tendo a projeção que possui, deveria ser internada caso criasse uma história fantasiosa de desrespeito.

Esse esforço de desmerecer a afronta sofrida pela jornalista me arranca tantos bocejos quanto os comentários que ela própria faz na TV.

Da mesma forma me entendia (na verdade, me enoja) o procedimento igual quando o alvo é personalidade alinhada com o chamado “outro lado”. Tenhamos como exemplo os insultos que já foram dirigidos à atriz Letícia Sabatella.

O pior é a pobreza argumentativa de ambos os polos: “ah, mas quando xingaram fulano vocês não disseram nada!” ou ” Quero ver agora o que vai falar aquelazinha que defende os direitos desse, daquele e daquele outro”.

Esse embate raso, calcado no ódio e na ausência de diálogo, pode alimentar ainda mais a despolitização das pessoas, porque chega uma hora em que não há mais saco para Fla-Flu, para Piquet ou Senna, para Marlene ou Emilinha (atenção, mais novos, pesquisem este último).

Discussão política virou sinônimo de barraco nesse país, quando precisa ser cadeira gentilmente puxada para que o adversário sente e converse, pois do contrário haverá o império dos conluios prevalecendo sempre sobre nossas necessidades.

Que tal substituirmos o desmerecimento pela respeito à opinião contrária como primeiro passo para uma sociedade saudavelmente politizada?

Ser pai de meninas (versão escrita)

espingarda

Pai: …aí ela me apareceu com o namorado mês passado lá em casa…

Amigo do pai: e como é o rapaz?

Pai: educado, inteligente, simpático, gosta dela, trata com carinho e respeito, foi gentil e respeitoso com todos lá em casa também…

Amigo do pai: que bom!

Pai: bom porra nenhuma!!!!

Amigo do pai: ué, você não gostou dele?

Pai: nããããããão!!!! Claro que não!!!!

Amigo do pai: por quê, cara?

Pai: porque ele tá pegando a minha filha, ora! Por isso: ele tá pegando a minha filha! Eu odeio esse moleque!!!! O-dei-o!!!!

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