Compare você mesmo

Na entrevista que concedeu à BBC – reproduzida pela Folha de São Paulo desta 5ª feira, 29/8 ( https://bit.ly/2LgiMRl ), o ex-presidente Lula é pressionado diversas vezes pelo repórter britânico Will Grant e pela brasileira Mariana Schreiber.

Will e Mariana chegam a encurralar o ex-presidente, rebatendo com números e dados oficiais, e também fatos documentados, respostas que não consideraram satisfatórias (aliás, a entrevista é uma pequena aula de como se entrevistar. Confiram, jornalistas, também por isso).

Em momento algum, Lula, um dos políticos que mais apanhou da imprensa, perde a tranquilidade, se nega a responder ou ameaça encerrar a entrevista.

Vai até o final e ainda pede, brincando, que o guarda da cela na Polícia Federal dê mais algum tempo aos jornalistas.

Fiquem à vontade para fazer comparações.

Pedreira

Jornada Literária do DF Foto de Cícero Bezerra

– Você gostou do livro?

– Gostei.

– Por quê?

– Porque ele é bom.

– Mas por que ele é bom?

– Porque ele é legal.

– Mas o que é que legal nele?

– A história.

– E por que a história é boa?

– Porque ela é legal.

– Além da história, o que você mais gostou no livro?

– Foi só a história mesmo…

Para quem não imagina, entrevistar crianças é uma das coisas mais difíceis do jornalismo.

Ódio ou mira ruim?

Leio no site G1 que o sniper (atiradores de elite, tão venerados pela sociedade armamentista) que matou o sequestrador do ônibus na Ponte Rio-Niterói deu ao menos seis tiros até alcançar o objetivo: matar o criminoso, que até agora não se conseguiu provar se estava mesmo armado.

Uma dúvida me acossa.

Ele não é pago e treinado para acabar com a confusão toda com apenas um disparo?

Por que precisou de (ao menos) seis?

Talvez a mira não ande lá essas coisas.

Ou é mais uma manifestação estatal e fardada do ódio que cada vez mais é motor de nossa sociedade.

Fabiano Rocha/Agência O Globo
Fabiano Rocha/Agência O Globo

Farinha pouca, meu liberalismo 1º

Foto Sputinik Brasil
Foto Sputinik Brasil

Macri, o presidente argentino queridinho do mercado financeiro e dos colunistas da Globonews, elegeu-se com a cantilhena do equilíbrio fiscal e do não intervencionismo do Estado.

Equilíbrio e intervencionismo que a gente bem conhece: equilibrar as contas do país passando a faca em conquistas sociais e em programas que mal ou bem encurtam os abismos da desigualdade (mas nunca cortando privilégios dos poderosos, como os bancos e algumas categorias do funcionalismo).

O segundo, o intervencionismo do Estado, fica na geladeira enquanto o mercado estiver ganhando dinheiro, mas entra em campo imediatamente caso os “investidores” estejam em apuros.

Ou quando o próprio governo estiver passando aperto nas urnas, perdendo votos da classe média que empobrece com a “eficiência” do liberalismo.

Aí, amigo, abre aí o cofre e tasca um populismozinho de esquerda para aumentar o salário mínimo e dar uma congeladinha na gasolina, que nenhum liberal é de ferro e a vaca tá indo pro brejo.

As filhas moravam com ele

Em época de dias dos pais, uma crônica que não é inédita, mas que fala dessa coisa de pai que ama muito as filhas…
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As filhas moravam com ele
*
Quando abriu a porta e acendeu a luz, o apartamento de apenas 30 metros quadrados lhe pareceu maior do que uma mansão de vinte quartos sem mobília e sem gente morando.

Naquela noite, foi dormir cedo, muito mais por solidão do que por cansaço.

Até hoje não sabe se sonhou ou se tudo não passou de imaginação disfarçada de sonho naquele limiar do sono, quando já estamos quase dormindo, mas ainda restam algumas tomadas plugadas ao mundo concreto do dia que termina.

O que sabe é que estava em uma casa bem maior que seu apartamento, uma casa térrea, que chamava a atenção pela simplicidade e pelo acabamento desleixado.

O piso era de cimento queimado e lembra-se de que duas ou três paredes estavam ainda no reboco. Não sendo antiga, também não era recém-construída. Percebia-se que estar pronta sendo inacabada era traço característico incorporado pelo tempo e por iniciativas proteladas, daquelas “tem que fazer, mas esse mês, não dá, deixa para o próximo”. Era bem clara também, de uma claridade que permeava a sala espaçosa, os três grandes quartos e a cozinha, onde cabia mesa de seis lugares, feita de madeira rústica.

Em seu dorme não dorme, sonha não sonha, não tinha certeza se a luz do dia era a da manhã ou a da tarde. Era luz, e isso era o mais importante. Ali, pelo jeito, ele pensou quase dormindo (ou sonhando?) que o luar também deveria fazer visitas e se hospedar feito primo que vem sempre.

Já o vento, este mais que se hospedava. O vento morava.

Aproveitava as grandes janelas sempre abertas, sem grades e cortinas, e circulava pelo ambiente de poucos móveis e imensos clarões entre mesa e sofá, camas e guarda-roupas. O vento entrava e saía, esperava alguns instantes, voltava. O vento parecia um cachorro de casa: do quintal para dentro, de dentro para o quintal, até que alguém o notasse e fizesse festa pela sua presença.

Quando naquele túnel irreal ainda percorria os cômodos e vislumbrava do janelão da cozinha uma varanda imensa, coberta por telhas e sem laje, ouviu vozes de meninas, meninas entre a infância e a pré-adolescência.

– Pai! ‘Cê tá em casa, pai? – Era a voz da filha mais velha, entrando esbaforida, jogando a mochila no primeiro espaço vazio.

– Pai! Tirei nove em matemática! – Avisou a do meio, vindo junto à primeira.

– Pai, cadê o Dique? – E logo surgiu a caçula, passando por ele e voltando instantes depois, seguida pelo cachorro labrador imenso e carinhoso. Ele sorriu no sonho, ou no que quer que fosse aquilo que embalava seu adormecer: havia também um cachorro, para também entrar e sair quando quisesse.

Eram suas filhas, e moravam com ele no sonho, no limiar do sono ou na imaginação meio acordada, outra metade adormecida. Não precisava pegá-las de quinze em quinze dias, pois era ele quem cuidava delas todos os dias, do que haveria para almoço e para a janta, era ele quem recolhia suas presilhas de cabelos, suas fitinhas e laços esquecidos pelos cômodos. Era ele quem as ouvia contar histórias do recreio na escola e entregarem, cada uma, segredos inocentes das irmãs sobre namoradinhos.

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Depois que almoçavam, nas tardes de sábado, iam para a varanda terminar de rir das tolas piadas que contaram à mesa. Lá pelo meio das três horas, esticado em uma encorpada cadeira também de madeira rústica, ele perdia os olhos em um horizonte baixo que havia para ser medido do alto da colina onde ficava a casa. A paisagem sumia num cochilo bom e profundo, mas reaparecia quando ele acordava com o vento mais forte derrubando mangas no fundo do quintal e anunciando chuva grossa no fim da tarde.

Espreguiçava-se em paz, com a certeza do cheiro da terra e grama molhadas. Era a mesma certeza de que mais tarde, quando já fosse noite, as nuvens descarregadas do temporal dariam lugar no céu às estrelas, e que ainda mais tarde uma lua amarela, pela metade, subiria o muro do mesmo horizonte baixo.

Terminando de esticar os braços e dar os últimos bocejos, levantava-se e ia inspecionar os quartos, onde as encontrava enfiadas nos livros, nas mensagens dos celulares e quase sempre no apronto sem fim dos cabelos.
Do corredor, perguntava alto:

– Quem vai querer pizza de noite?

– Eu!

– Eu!

– Eu!

E as vozes felizes tomavam a casa, carregadas pela expectativa do sabor.

Eram suas filhas, moravam com ele, e ele, quando chegava em casa, não encontrava solidão. Ouvia no sonho, ou no galope da imaginação, a chuva chegando, sentia o cheiro da terra molhada invadindo a sala. As janelas batendo com o vento e a copa da mangueira sacudida lá fora avisavam que ele era feliz e que aquela era uma casa simples e em paz.

Um dia, o curso normal da vida levaria as três, uma a uma, mas logo logo o recompensaria com netos e netas, e a casa, sempre inacabada, estaria cada vez mais firme em sua simplicidade e em sua paz.

As filhas moravam com ele.

E se realmente sonhara, fora o sonho mais lindo que tivera em toda a sua vida.

A ressureição de um soneto

A Nova Poesia Brasileira (Crisális Editora, Rio de Janeiro, 1985)
A Nova Poesia Brasileira (Crisális Editora, Rio de Janeiro, 1985)

Meus primeiros poemas são cópia descarada dos poetas românticos.

Aos 15, 16 anos eu escrevia sonetos, imaginem, formato poético em extinção, creio eu.

Ouvia Rock o dia inteiro e à noite, na calada do quarto, rabiscava rimas e tentava as tais métricas, na busca do verso perfeito, o que, claro, jamais alcancei.

Achava legal morrer tísico, aos 21 anos, feito Álvarez de Azevedo, meu poeta preferido entre os românticos, embora de verdade nunca tenha querido isso para mim.

Outro dia, um desse sonetos reapareceu do fundo bem fundo do tempo.

Escrevi para uma de minhas primeiras namoradas, e dela realmente devo dizer que nem sei mais se anda por esse mundo. Espero que sim, e que esteja bem.

O soneto reapareceu em uma mensagem via inbox.

Amiga de amigo meu que não vejo há anos me perguntou se eu era autor de tais e tais e tais versos, e digitou alguns trechos.

Ela disse que o leu em algum lugar, em algum momento perdido no passado.

Guardou-o apenas na memória, juntamente com a lembrança duvidosa do nome do autor.

Confesso que, de cara, não reconheci o que escrevi 35 anos atrás, o mesmo que aconteceria certamente caso topasse com quem me inspirou na adolescência distante, quando ainda assinava André Luis (hoje, na maioria das vezes, esqueço que me chamo André Luis).

A página na foto é de uma daquelas coletâneas de “novos autores brasileiros”, que existem até hoje, e que se bobear já existiam até mesmo na época do romantismo como estilo literário.

Era o velho sistema de pagar pra participar, e a gente quando é novo tem a ilusão de que nosso poema foi selecionado porque ele é realmente muito bom como a gente imagina. Ou queria que ele fosse.

A dona da editora era Cristina Oiticica, mulher de ninguém menos do que Paulo Coelho (nem sei se ainda é, não tenho curiosidade).

O soneto é bem rimadinho até, mas derrapa feio nas curvas da pieguice.

De quebra, reparem bem, assassina a pontuação com vírgulas postas nos lugares mais proibidos pela gramática.

Meu álibi é que eu tinha 16 anos quando escrevi, era dado a exageros sentimentais, mas não ao estudo da língua.

Segundo a Emmy Matias, que o ressuscitou, o soneto vai virar música.

E isso é o suficiente para que me envaideça outra vez (a 1ª foi a ilusória premiação de participar da coletânea, lembram?), 35 anos depois, meu sonetinho apaixonado e fora de moda.

Celeiro?

Senadora Soraya Tronicke (PSL-SP) hoje, 7/8, na Comissão de Agricultura do Senado: “O Brasil é o celeiro do mundo”.

Estranho celeiro esse, em que 13 milhões de pessoas morrem de fome (nºs da Cáritas Brasileiras).

Celeiro para alguns, que sempre viveram de barriga cheia.

Observatório do Terceiro Setor
Observatório do Terceiro Setor
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