Amigos, parentes e leitores nem sempre são as mesmas pessoas*

Após vinte e sete anos publicando livros, aprendi algumas pequenas coisas.

Duas delas reparto aqui, porque talvez sejam úteis para uma meia dúzia de três ou quatro que começam a se arriscar no mesmo caminho.

A primeira é sobre a noite de autógrafos.

Aprenda que aquela pessoa que não foi ao lançamento dificilmente comprará seu livro depois.

Não nutra esperanças no caso da velha promessa: “Ah, eu não vou poder ir, mas quero comprar depois, e autografado”.

Esse tipo de pessoa até existe, mas não lota um fiat mille. E se o livro for de poesia, elas cabem numa moto.

Laurentino Gomes, autor da trilogia Escravidão

A outra coisa é pensar em ter leitores, e não compradores de livros.

Portanto, dispense do desembolso aquele seu grande parceiro, que te adora, que você adora, mas que o último livro que ele leu foi no segundo ano da faculdade. E mesmo assim no resumo.

Então, não espere que ele diga que gostou ou detestou, simplesmente porque ele não vai ler, porque ele não é leitor, nem seu nem de ninguém.

Não queira vender livros por amizade, isso não terá o efeito que você esperava quando abdicou parte de sua vida para ficar na frente de um computador. O único efeito será o numérico.

Tenho grandes amigos, e mesmo parentes que considero, que jamais leram uma única linha que escrevi nesses mais de quarenta anos de ofício.

Não deixaram de ser meus amigos, e jamais deixarão. Não por isso.

Agora, tenho leitores com quem provavelmente nunca me sentarei numa mesa de bar.

Mas que são uma das razões do meu trabalho.

*Publicado em Simbiose – Revista de Literatura – Edição de Wilson Guanais

3 comentários em “Amigos, parentes e leitores nem sempre são as mesmas pessoas*”

  1. Rosana Xavier

    Me disseram outro dia que a maior coragem que podemos ter é a de ser sinceros conosco e com o outro, e não criar expectativas que só existam na sua mente. André, você escreve dilacerando essas falsas “promessas” que fazemos a nós mesmos, e de uma forma tão precisa e bacana quanto doída. Dói sim, ás vezes, ler-te. Ahhhh, mas como é gostoso lembrar de como éramos há alguns anos.
    Mas o mais gostoso mesmo é ter na minha biografia a honra de ter quebrado várias das suas observações no texto acima.
    Faltei a dois de seus lançamentos, não somos parentes e nem amigos (ainda, quem sabe?). Mas tive o IMENSO prazer de ter adquirido quase todas as tuas obras, cada uma delas autografadas tão gentilmente, pasmem…Em uma mesa de bar!
    Aaahhhhhhhhh! Que delícia! 🤟🏼

  2. André muito bom meu amigo concreto e reto – me preocupo hoje depois de 50 anos publicando livros de poesia, que o mais importante é exatamente isso ter leitores e não compradores de livros – forte abraço

  3. André, você sempre direto. Isto me encanta. Estou aprendendo com você. A verdade, só é aquilo e pronto, não precisa doer, só precisa entender que o outro pode ser, ter predileções e hábitos diferentes dos seus e pronto. Não tem nada com o sentimento ou administração que ele tem por você. E se um dia ele mudar, bom pra ele ou não 😂😂

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