As amarras do ineditismo.

Certa vez enviei um conto para ser publicado no saudoso site Bestiário. Perguntei se havia a necessidade de o texto ser inédito. O editor, Roberto Prynn, foi direto: meu amigo, nesse país onde quase não se lê, até Os Lusíadas é inédito.

O ineditismo da obra, seja de qual gênero literário for, é exigência inegociável de qualquer concurso literário, desde os mais importantes, que concedem prêmios bastante razoáveis, até os desconhecidos, cujo reconhecimento não vai além da publicação em uma antologia, da qual quase nunca se ouve falar posteriormente.

Numa época em que a internet desengavetou poemas, contos e até romances, me parece anacrônico que o ineditismo total seja ainda condição instransponível para que um texto participe de um concurso literário. A exigência cabe quando diz respeito às publicações em meio impresso, incluindo, claro, livros. Do contrário, certamente, nada impediria que obras já consagradas de nossa literatura pudessem concorrer. Mas não deveria abranger textos publicados na grande rede.

A internet – e ai de quem é metido com literatura e não tenha ainda se dado conta disso – representou a oportunidade de publicação para um mundo de escritores sem oportunidade nas editoras e nos grandes cadernos literários. Além disso – e este é o cerne da questão – devido a seu formato, a web torna volátil a literatura que através dela é levada à sociedade. Ou seja, publique-se hoje e ainda ficará visível mais alguns dias. Depois, será certamente engolida pelo o que a sucedeu na urgência permanente desse mundo conectado. E voltará a ser inédita.

Mas há muita porcaria publicada na internet, dirão os que ainda enxergam com preconceito a oportunidade que a rede dá aos escritores. Sim, claro, como se fosse diferente no mundo dos livros e suplementos, como se o selo de uma editora, mesmo renomada, garantisse qualidade em cem por cento do que é publicado.

É bom lembrar que muitos desses concursos, principalmente no âmbito das pequenas prefeituras, são organizados às pressas para que, ao final do ano, as Secretarias de Cultura não tenham que devolver ao Tesouro Municipal o dinheiro que elas passaram o ano inteiro sem gastar, porque não têm criatividade para levar cultura à população. Então, em cima da hora, organizam um concurso a toque de caixa para dar uma satisfação à sociedade. E querem que nós, escritores, fiquemos com nossos textos engavetados à espera dessas disputas, cujos critérios de avaliação, e mesmo a capacidade de quem julga os trabalhos, são quase sempre desconhecidos.

Há um concurso literário com inscrição aberta, cujo regulamento talvez demonstre um pouco do quão precisam de mudanças as cabeças que organizam esses eventos. Além do ineditismo total dos trabalhos, pede também firma reconhecida do autor. Ou seja, como se não bastasse o duro parto que é escrever, o pobre do escritor ainda precisa enfrentar a fila do cartório. Temo que no caso desse concurso os organizadores entendam bem de burocracia e pouco de literatura.

3 comentários em “As amarras do ineditismo.”

  1. Perfeito! Eu que mantenho um blog dedicado a publicar os editais de concursos vejo a angústia de quem participa, diante de tantas regras frequentemente mal redigidas ou excessivamente burocráticas.

    Algo que gostaria que mudasse nesse processo é a transparência do julgamento. Eles deveriam publicar a lista de trabalhos, com pseudônimo, título e sua respectiva classificação. Isso faria muita diferença para o escritor iniciante.

  2. domingos pellegrini

    Pois é, André, só mesmo os órgãos públicos ainda pedem reconhecimento de firma, coisa que o novo Código Civil, em vigor há vários anos já, tornou dispensável, a menos para os burocratas dos serviços públicos, que, como tem pouco o que fazer, querem dar trabalho para os outros…
    Concordo com você que textos publicados na internet deveriam ser encarados como inéditos em relação à editoração impressa, aí incluindo o e-books.
    Abraço.

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