Enfim, adeus JB.

Sou provavelmente da última geração de jornalistas que sonhou  trabalhar no Jornal do Brasil. Quando nos formamos, na virada dos 80 para os 90, foi comunicado que o jornal sofria de um câncer irreversível – o da má administração -, cujos sintomas vinham aparecendo nos últimos anos, embora tratados somente com aspirina.

O que nos encantava ainda no JB naqueles idos de 85, 86 era a postura do jornal em relação à ditadura militar. Mesmo que não tenha sido sempre um órgão extremado no combate ao regime de exceção, me pareceu sempre ter deixado claro que não era simpático aos generais, muito ao contrário do que fez seu concorrente direto no Rio de Janeiro. É bom lembrar que na relação da grande imprensa com a ditadura, não adular as fardas já era algo louvável, e isso cativava aqueles embriões de focas que escolheram a profissão bem nos anos de abertura política, quando o país estava, ele próprio, começando a se passar a limpo.

Outro vértice do nosso encantamento eram o status de se trabalhar no JB e a oportunidade de cursar, na prática, uma verdadeira escola profissional, tão diversa do (até hoje) alienado currículo das faculdades de comunicação. Nos víamos naquelas grandes salas do prédio da Avenida Brasil, 500 (nossa geração não pegou o lendário prédio da Avenida Rio Branco), sentados ao lado, quem sabe, de João Saldanha, Oldemário Touguinhó, Carlos Castelo Branco, Villas-Boas Corrêa, atendendo talvez um telefonema do Afonso Romano de Sant’anna, lendo no original, antes que fossem para a oficina, a coluna do Drummond, uma charge do Ique.

O Jornal do Brasil trazia o nome do país, mas era verdadeiramente a cara do Rio de Janeiro. É certo que sua preocupação maior era traduzir a vida de Ipanema e Leblon, mas eu que sou do subúrbio posso atestar a forma lírica com que o jornal olhava para os bairros da linha do trem, ao contrário dos concorrentes, preocupados com o outro lado do Túnel Rebouças apenas quando havia tiroteio ou era carnaval.

O JB que agora encerra as atividades era como uma pessoa que tomou para si a identidade de um defunto famoso em vida, como se dissesse – e tentasse fazer o mundo acreditar – que o outro não bateu a cassuleta. Embora até conservasse uma certa dignidade – foi o JB que primeiro falou em mensalão, uns seis meses antes do escândalo estourar – , só era possível ler o JB se sobrasse tempo, porque o resto das horas dedicadas à leitura dos jornais se consumia com O Globo, Estadão, Folha e, no meu caso aqui em Brasília, o Correio Braziliense.

O JB acaba numa época em que os repórteres voltam das reportagens sem, muitas vezes, perguntarem o óbvio aos entrevistados. Num tempo em que a pobreza vocabular devasta o texto jornalístico tanto nos veículos impressos quanto eletrônicos, e que ser espirituoso, divertido nas reportagens, vale mais do que informar. O jornal que primava pelo bom gosto, morre justamente quando, em nome da audiência, mas com o discurso cínico de que a intenção é informar a sociedade, as grandes redes devem estar disputando os pedaços do corpo da ex-amante do goleiro para mostrarem no horário nobre.

Minha maior tristeza com o fim do JB, é sentir que ele se vai justamente quando a imprensa precisava que ele se reiventasse, mas com o espírito que o fez, certamete, o jornal mais importante do país no século 20, e ajudar essa mesma imprensa a encontrar outra vez o seu sentido de existir na sociedade brasileira.

8 comentários em “Enfim, adeus JB.”

  1. Denise Giusti

    Não concordo com o Sr. Carlos Oliveira, falam isso também do livro, e não concordo pois nada substiui o livro como também os jornais impressos, pois alcançam várias camadas sociais e financeiras. O jornal e o livro impressos são os grandes amigos e companheiros de quem apreciam a boa leitura.

  2. Carlos Oliveira

    André, você abordou inúmeros temas num texto muito cativante, tendo como gancho o fim do JB impresso. Sinto dizer-lhe, amigo, mas acho que os jornais impressos, mais anos menos anos, vão todos virarem on-lines ou estarão em equipamentos como o Ipad. Penso que o que deveria ser feito é aproveitar o centenário legado do JB e transportá-lo com muita capacidade à grande rede mesmo. Grande abraço.

  3. HUGO GIUSTI

    Que pena, o Jornal do Brasil era o melhor jornal do Brasil… . Ele antigamente era um jornal gordo cheio de folhas, tinha muito classificado, era escrito de forma mais intelectual, as folhas eram grandes, dava para passar o dia todo lendo o Jornal, pois havia muitos artigos, reportagens, dicas, bem interessante. Lamentável… Boa Lembrança André!

  4. Denise Giusti

    Muito bom , belo texto! Senti-me agora como se tivesse perdido alguém querido, sempre gostei de comprar o Jornal do Brasil, ultimamente o fazia mais às sextas-feiras por causa da Revista Programa, se bem que há algum tempo não conseguia, pois quando chegava na banca para comprá-lo já tinha acabado, diziam os jornaleiros que entregavam poucos e às vezes nem entregavam.

  5. Meu pai lia o JB. Tínhamos assinatura. Lembro meu pai dizendo para eu ler o João Saldanha.” Ele não sabe escrever. Então ele não complica. Períodos curtos, períodos curtos.” Repetia meu pai. E a revista de Domingo com o Veríssimo no final? Lembro do Caso Baumgarten. O JB saiu sem nenhuma diagramção, derramando dossieis e informações por todo o primeiro caderno. E o Elefantinho com guarda-chuva ou óculos de sol. E, por favor, não esqueçam do José Carlos de Oliveira e do Paulo Mendes Campos.

  6. Você disse tudo!
    “O JB acaba numa época em que os repórteres voltam das reportagens sem, muitas vezes, perguntarem o óbvio aos entrevistados. Num tempo em que a pobreza vocabular devasta o texto jornalístico tanto nos veículos impressos quanto eletrônicos, e que ser espirituoso, divertido nas reportagens, vale mais do que informar.”

  7. uau, andré! excelente texto! não sabia que era tão intensa sua relação com esse onírico JB de outrora. posso lhe assegurar que você não foi da última geração que quis trabalhar no Jornal do Brasil. Quinze anos depois, Patrícia Resende era a sensação do momento, entre os colegas da UnB, porque tinha entrado lá por estágio. Da mesma forma que você mencionou em sua narrativa, Jornal DO BRASIL parecia mais forte que Correio Braziliense e Jornal de Brasília. Portanto, um local de estágio melhor. Obviamente, éramos alienados do sentido que tinha o veículo na luta contra a ditadura. Era mais a grife. E assim as coisas têm ficado. Cada vez mais gripe, marca, conteúdo de menos, zero significado. Mas acho que temos de ser mais otimistas! É possível, sim, repensar a comunicação, o jornalismo, aproveitar os potenciais dos new media, o celular, a tela de cinema, as redes sociais. Precisamos, jornalistas de todas as gerações, repensar a forma de fazer jornalismo. Estou contando imensamente com isso na minha jornada vindoura. Espero contribuir para novos jornais do Brasil, ainda que sem papel, mas com todo o sentido possível.

  8. angela giorgio

    Parabéns André, pelo lirismo e até pelo carinho com que se refere ao JB como a cara do Rio, ainda que mais da zona sul, o que era verdade. Sou do tempo do prédio da Rio Branco e quando ainda fazia cursinho para cursar jornalismo, cultivava o sonho de circular por aquela redação e ver de perto, quem sabe conviver, c/meus ídolos das letras! Td mudou, fiz vestibular p/ Direito e errei na escolha! Esse não foi o único erro mas, talvez o mais grave! Assim sendo, compartilho de sua tristeza, acima de td por ser carioca, da zona sul do Rio e ter vivido um tempo em que ler o JB era uma questão de cultura, de engajamento e de liberdade, ainda que precária!
    Abs,
    Angela

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