Homenagem a Ariosto Teixeira

O poeta e jornalista Ariosto Teixeira foi homenageado nesta terça-feira à noite em Brasília. O grupo de leitura do qual ele participava se reuniu para a homenagem ao amigo, lendo, é claro, poemas de Ariosto.

Ele morreu no último sábado, depois de muita luta contra a hepatite C.

Não conheci esse gaúcho que partiu para a verdadeira vida aos 56 anos. Soube, pela nota de um jornal, que, como meu colega de profissão, trabalhou em grandes publicações.

Também não conhecia a obra poética de Ariosto. A ela fui apresentado pelo blog de outro poeta, Alexandre Marino. Copiei da página do Marino e aqui reproduzo o poema abaixo, que me pegou pelo pé, que me deu um soco no estômago, ao mesmo tempo em que me consolou ao mostrar que não sou o único que entra em desespero de vez em quando

Não é apenas belo. É também um rosário de sentimentos de todos nós oprimidos por esse diacho chamado vida moderna.

Curtam a poesia de Ariosto Teixeira.

O niilista medroso

Ariosto Teixeira

Às vezes você se pergunta
Olhando o rosto no espelho
Se o reflexo é verdadeiro
Ou se a verdade é o corpo
Parado no meio do banheiro

Você acha que sabe bem o que é
Você acha que sabe bem o que quer
Você acha que sabe quem você é

Mas você sente medo
Medo de não ser você no espelho
Medo de ser mero reflexo
Do outro que consigo parece

Você não tem medo de sexo
Você gosta de sexo
Você sonha com sexo
Você procura fazer muito sexo

Sexo à distância
Sem beijo sem fluido
Higiênico e sem lirismo
Seguro como sexo com prostituta
Você de frente ela de costas
Ela por cima de costas
Você por baixo de costas deitado

É que você tem medo
Do ataque de um vírus complexo
Medo de gravidez
Medo de se apaixonar irremediavelmente
Medo de perder o controle
Medo de assumir o controle
Medo de que tudo enfim faça nexo

Você acende e apaga o cigarro
Com medo de pegar câncer de pulmão
Medo de apagar a luz
Medo de acender a luz
Medo de desligar o alarme
Medo de abrir o portão
Medo de ladrão policial pivete
Medo de colisão
De atropelamento
De ataque do coração

Medo de padre
Da certeza cristã absoluta
Da democracia liberal
Da esquerda latina
Medo da nova direita francesa
Medo do presidente americano
Medo da falta de medo do terrorista muçulmano
Medo de ser fragmentado por um raio da Al Qaeda

Medo da China capitalista
De milho transgênico
De buraco negro
De carne vermelha
Medo da falta de limite da física quântica
Do aquecimento global
Da inteligência artificial
De velocidade acima do permitido
De remédio de quinta geração
Da globalização
Do fim da globalização
Da falta de sentido

Medo de que Deus provavelmente não exista
De não haver outra vida
Você tem medo de ficar sozinho
Sem ninguém nem final feliz

Ah mas você confia no amor
O terno e doce amor
Do homem pela mulher
Do homem por outro homem
Da mulher por outra mulher
Do homem pelos animais
Da humanidade pela natureza
Você confia no amor das criancinhas

Você pensa nessas coisas
E por um instante
Acha que nada está perdido
Que o amor salvará o mundo
O amor romântico como no cinema
Como em um soneto de Shakespeare
Apesar da podridão no reino terrestre
Mas quanto tempo dura o amor
Antes de se dissolver em tédio
15 minutos uma tarde inteira uma noitada?

Você odeia sentir isso assim tão sentimentalmente
Mas é impossível ser de outro modo
É preciso agarrar-se a algo
Não ter medo de que o vazio
Tenha se espalhado em todos os quadrantes

O fato indiscutível é que você tem medo
Medo muito medo
De ficar vivo durante o inverno nuclear

Você principalmente tem medo
Do que um dia vai fazer
Quando ao anoitecer
O seu rosto tiver desaparecido do espelho do banheiro

4 comentários em “Homenagem a Ariosto Teixeira”

  1. Sandra Ney

    Poetas servem pra muita coisa, pra te embalar em sonhos, pra te dar socos no estômago, pra te fazer sentir e pensar.
    Por isso adoro poetas.

  2. Denise Giusti

    É André, belo poema! traduz muito o que sentimos nós pobres mortais e que não conseguimos colocar no papel nem sair por aí gritando. Realmente é um consolo. Que Deus abençõe este poeta que se foi e deixou suas palavras, sua linguagem poética. É bom conhecer um pouquinho do que escrevia.

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