O mundo é a casa de madame

Em um dos meus livros de contos (A Liberdade é Amarela e Conversível, 7Letras, 2009) há um personagem chamado Zedias.

Ele é uma espécie de justiceiro do respeito ao próximo, do direito do outro, do convívio harmonioso em sociedade.

Para dar um jeito no baile do clube que todo fim de semana não deixa ninguém dormir até cinco da manhã ou na pessoa que coloca a bolsa para marcar lugar na praça de alimentação na hora do almoço, com o shopping lotado, Zedias toma atitudes pouco convencionais, violentas em certa medida, mas que eu diria que, mesmo assim, são imbuídas de um radicalismo relativamente pacífico (e bem intencionado).

Coca cola

Digo relativamente porque em uma das situações da história, Zedias compra um caminhão da Coca-Cola caindo aos pedaços e sai pela cidade para dar um jeito em quem não usa seta ou se recusa a ceder a vez no trânsito, por exemplo.

Nessa empreitada, manda uns três para o hospital.

Zedias é uma das válvulas de escape que como escritor lanço mão para trabalhar minhas mazelas de vivente nesse mundo de imperfeição.

Ele é o que a civilidade tem me impedido de ser.

E hoje me lembrei de Zedias porque em pleno tráfego das 9h uma madame chique com sua SUV coreana novinha em folha andava a menos de 30 por hora – na pista do meio – porque estava falando ao celular.

Atrás, o mundo que esperasse, porque na cabeça de madame, o mundo é só uma extensão da bela sala em que ela recebe as ‘migas para um chá ou um drinque.

Por um momento quis muito, mas muito mesmo ter a coragem de ser o Zedias.

A vontade passou e a possibilidade de que o escritor se transforme em seu personagem é menor que 00000,1%.

Em todo o caso, se você mora em Brasília e vir um caminhão da Coca-Cola bem velho, caindo aos pedaços, é prudente manter uma distância.

Pode ser que eu tenha mudado de ideia.

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