O nariz torcido (e empinado) do escritor

O escritor participa da mesa de debate sem tirar por um minuto sequer os óculos escuros. A desculpa – educada, até – são os refletores de luzes fortes que iluminam a mesa de discussão. Fotofobia, ele explica, mas compará-lo em imagem a um astro do Rock é inevitável, ainda mais com o ar blasê de que ali alguma coisa inferior o incomoda. Inferior a seu talento, é possível que pense.

Anuncia, lá pelas tantas, que saiu do feici búqui, e com ar triunfante, de quem se libertou da vulgaridade virtual, conta que no início a rede de Zukemberg o interessava, mas agora não.

Talvez nem todos notem, mas seu discurso disfarça o conceito de “É que no início quase ninguém tinha, quase ninguém sabia do que se tratava”, afinal eram ainda aqueles tempos de fotos da salada de maionese do churrasco postadas no Orkut.

Enquanto o escuto, lembro-me de umas figuras dos anos 80, que, enquanto todos ouviam Queen, Police, U2 e Dire Straits, eles, com uma pretensa pinta de gueto underground, cultuavam bandas que ninguém conhecia. Se a banda estourasse nas paradas, pronto: eles abandonavam a tietagem, pois jamais poderiam se sujar de farofa.

A discussão sobre fazer/veicular/divulgar literatura na rede é nova, até porque a rede é nova, embora, sob certos aspectos, pareça mesmo envelhecida.

Há lixo de toda espécie, preconceitos, julgamentos precipitados e futilidades incontáveis. Arrisco mesmo dizer que são a maioria do conteúdo. Nada de muito diferente da vida carnal. Mas há o que se aproveite, o que encante, o que construa, o que nos faça melhores em vários níveis. Exatamente como na vida que levamos da hora em que acordamos até a hora de dormir.

Noel+Gallagher+NG+6

Desprezar, como autor, esse tipo de possibilidade – salvo um julgamento precipitado meu – parece-me ser fruto de duas certezas. A primeira é a de que só vale a pena ser lido por quem, neste exato momento, está dentro de uma rede social que não junta nem 500 pessoas no país inteiro, porque isso sinaliza status de vanguarda intelectual e cultural; e a segunda é a de que a obra que se produz é tão aquilatada, tão profunda em seus conceitos e concepções que – sinto muito – não poderá ser captada por qualquer um que fique postando protestos contra o governo ou comentando os erros do juiz no jogo de domingo.

Como se a missão da literatura, e de todo tipo de arte, não fosse chegar, indiscriminadamente, a todo e qualquer ser humano.

1 comentário em “O nariz torcido (e empinado) do escritor”

  1. Oi André, eu estou acompanhando a Bienal do Livro de Brasília, na TV Brasil. Eu vi esses dias um dos convidados do programa, não vou citar o nome por uma questão de ética, mas ele falou mais ou menos o que você escreveu; meio que destratando essas mídias sociais.

    Parabéns, por seu trabalho!

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