Resenha: Alexandre Marino sobre As Filhas Moravam com Ele

As Filhas Moravam com Ele”, mais recente livro de André Giusti, reúne 20 contos sob um título que pode enganar os desavisados. Não há neste volume (Ed.Caos&Letras, de Minas Gerais) historinhas familiares de final feliz, dentro dos limites de uma literatura bem comportada.

A leitura de seus textos deixa um amargor na boca, nos olhos e na consciência, porque ele revira as feridas e desmascara a podridão das relações humanas, a hipocrisia dos puros, o lado pecador dos falsos inocentes.

Às vezes sarcástico, às vezes irônico, sempre contundente, André Giusti cria histórias que abordam relacionamentos amorosos, familiares ou de amizade, sempre travados, pela incomunicação ou pela impossibilidade de interseção entre mundos que não se encaixam ou não se suportam.

Os contos de André levam o leitor por caminhos acidentados.

Uma história sobre a compra de uma garrafa de vinho numa adega de bairro ganha densidade inesperada.

O choque de classes entre um trabalhador rural e jovens de elite de Brasília revela que todo encontro é também um desencontro. Tragédias históricas, como a ditadura militar, deixam feridas jamais cicatrizadas.

E até a conquista de uma Copa do Mundo deixa de ser motivo de festa para se tornar angustiante descrição de um mundo feito de solidões.

Giusti, contista e poeta, é carioca e vive em Brasília desde o final dos anos 90. Jornalista, faz do meio profissional tema para histórias impiedosas, como a do antigo chefe que perde sua arrogância numa cama de hospital de subúrbio.

De lá também vem a soberba dos que se iludem com falsas glórias.

Há um lirismo rascante em alguns contos, em contraponto ao ambiente de violência, latente ou explícita, que envolve seus personagens.

A literatura de André é de um realismo impactante, e se em seus contos ele abre espaço para o sonho, também não permite esquecer que a realidade pode ser pior que o imaginável.

Mas, em gesto de benevolência, André Giusti fecha o livro com o conto título, que, depois desse passeio por algumas repartições do inferno, oferece um alívio ao leitor com uma narrativa terna e doce.

“As filhas moravam com ele” é um belíssimo livro, instigante e necessário.

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