Rock in Rio 1 faz 25 anos. Eu fui.

Eu vou.

Não há quem tenha mais de 35 anos que não se lembre desta frase curta e direta formando o logotipo em que o mapa da América do Sul nascia do braço de uma guitarra. Decorou milhares de camisetas e vidros de automóveis naquele verão de 1985. Além de propaganda do festival, era uma espécie de senha identificando quem havia comprado o ingresso. Não me lembro se tive camiseta ou adesivo, mas me lembro exatamente daquele 11 de janeiro, 25 anos atrás.

Era uma sexta-feira, calor igual ao que está fazendo hoje no Rio. Camiseta da Pier, bermudão de surfista, tênis all star e a mochila cheia de uns biscoitos que deveriam ser o cheetos da época. O ponto da Praça Sãens Peña lotado de fedelhos iguais a mim, que iriam encarar duas lentas horas apinhados num 233 (Rodoviária – Novo Leblon) até chegar a nosso destino histórico dentro de nossa geração: a Cidade do Rock, em Jacarepaguá.

Eu ainda não tinha 17 anos e é bom lembrar que, naqueles idos oitentistas, havia controle mais rígido dos pais em cima de um moleque dessa idade. Não vagávamos pela cidade como hoje, sem hora para chegar em casa e também não estávamos liberados para ir a qualquer canto quando bem entendêssemos com quem bem entendêssemos. Mas, naquele dia, o pirralho que não podia chegar em casa depois de duas da manhã cruzou os muros da Cidade do Rock liberado para voltar só depois que o último show acabasse. E quando deparei com aquela imensidão de gente já ficando doida e com o palco gigantesco, 1500 vezes maior que os “tablados” em que Barão, Paralamas e Lulu tocavam nos clubes da zona norte, fui tomado por uma sensação de maioridade. Esta, na verdade, chegava para o Brasil no campo das turnês dos grandes astros do Rock e da música pop. O Rock in Rio abriu as portas para que as grandes bandas colocassem o país na rota de suas andanças pelo mundo. As gerações de hoje, acostumadas a terem os Stones, U2, Madonna e etc toda hora por aqui, não sabem o que é tratar um show do Kiss no Maracanã (1983) como o evento do século. Antes do Rock in Rio, essa gente achava que o Brasil era um reino no meio da selva, onde só se ouvia bongô e atabaque.

O Rock in Rio ocorreu no primeiro dos três anos de glória do chamado Rock Brasil. O ano anterior foi o da explosão, e os dois seguintes (86 e 87) os que consagraram o gênero preferido da geração coca-cola (em 88 os ventos começaram a soprar mais fracos). E ocorreu também em um dos meses mais marcantes da vida nacional. No dia 15, no final da tarde, Cazuza anunciou durante o show do Barão que Tancredo Neves fora eleito Presidente da República pelo Congresso Nacional. Hoje, o fato é histórico. No dia, provavelmente passou sem a devida importância pelos filhos da revolução, que se esbaldavam ao som de Pro dia nascer feliz.

Não lembro bem das atrações nacionais do dia 11, acho que nenhuma das grandes bandas nacionais (que, aliás, nem eram tão grandes ainda) subiu ao palco. Whitesnake, Iran Maiden e Queen formavam a programação internacional. Como nunca gostei do Iran, assisti ao show como um flamenguista que vê um 0X0 entre Vasco e Fluminense. Ao Whitesnake, assisti com o queixo caindo aos poucos. A banda de David Coverdale era pouquíssimo conhecida no Brasil. Pelo que me lembro, veio no lugar do Pretenders, vedete das pistas de dança da época com Middle of the road, porque a vocalista Cris Hind estava grávida. Pois bem. O Whitesnake subiu ao palco e nunca mais saiu do gosto dos rockeiros que vivem abaixo da linha do Equador. Depois que assisti ao Coverdale girando no alto o microfone de pedestal, e mesmo assim cantando com extrema afinação e vigor, comprei o vinil duplo Live…in the heart of the city, que junta shows da banda em 1978 e 80. Até hoje, esse disco mora nos cantos privilegiados de minhas memórias afetivas e musicais.

Já era madrugada quando começou o primeiro dos três maiores shows que vi na vida – os outros foram Paul MaCartney em 90 e U2 em 97. Poderia parecer irreal, mas eu estava a cerca de 200 metros do Queen, numa época em que a banda não era um revival, mas atual, que tocava nas rádios e lançava discos com músicas inéditas. E que tinha Freddy Mercury. Em carne e osso. Não apenas a memória de alguém que um dia foi um dos maiores vocalistas do Rock. E tinha Bryan May. E Roger Taylor. E John Deacon. E para ouvir, Bohemian Rapsody, Love of my life e We will rock you, canções que apresentaram o Rock’n Roll a muita gente. No encerramento da apoteose, We are the champions, com a sacação do momento político brasileiro. Mercury entrou no palco vestindo a bandeira do Reino Unido, e quando virou de costas, desfraldou uma imensa bandeira brasileira para o delírio de um nacionalismo atabalhoado e recém-nascido, esperançoso de que algo no país iria mesmo mudar.

Voltei para casa de manhã, sentado na roleta e dormindo em cima da mesa do trocador do mesmo 233 que devolvia aos pais aquele bando de pirralhos sonados. Nos ouvidos, ecos de uma noite que viverá até mesmo quando forem vovôs decrépitos aqueles mesmos fedelhos que já se achavam grandes pessoas. Na cabeça, o êxtase e a leve desconfiança de que presenciamos um marco de nossa geração.

Eu fui.

13 comentários em “Rock in Rio 1 faz 25 anos. Eu fui.”

  1. Herivelto Gabriel

    Eu não Fui.(que pena !) Eu tinha apenas 12anos e fiquei apenas acompanhando pela TV. Sempre ouvi muita música e fiquei chapado em ver banda brasileiras como Paralamas e Barão (Banda que sou fã incondicional e toco em bandas Couver deles). Lendo seu texto fiquei com vontade de voltar no tempo e está lá, aproveitei a inspiração do seu texto para a assistir aos DVD’s de Paralamas e Barão no Rock in Rio. Vale a pena para matar a saudade até de quem não foi.

  2. Acredite, é show esse seu texto, você nos traz essa lembrança inesquecível do “Rock in Rio”, “Eu Fui” he he he. Eu morava em São PAulo na época e era empresário da Banda do Brejo de Valinhos-SPe Banda Placa Luminosa de São PAulo. Reunimos todos os músicos da Banda e pegamos o ônibus, (da Banda) e fomos para o Templo do Rock que era o Bairro de Jacarepaguá. Quero parabenizá-lo pelo seu trabalho como Âncora do Band News gente Brasília, Só quero lhe pedi que bata menos no Governador Arruda, transmita os fatos com isenção, sem ser tendencioso, como é o Sr. Alexandre Garcia e reconheça o trabalho administrativo que ele tá fazendo pela cidade.Um grande abraço. Ednewton Viana (Sou seu ouvinte diário)

  3. Raquel Madeira

    Você devia ser cronista também. Quem sabe não separa alguns destes textos do blog para publicar outro livro? Como sempre, seu texto é leve, envolvente e cheio de emoção. Adoro te ler.

  4. É Irmão, ao ler o que você ecreveu a emoção tomou conta de mim, talvez por ter saudade do tempo que eras adolescente e estavas sempre perto de mim. Te sentir vibrar como tivesses 17 anos é muito bom, tendo a certeza que lá no fundo da tua alma ainda és adolescente! Belo texto!

  5. josé lima

    É, prezado André, bons tempos aqueles, não forma memos? Não fui mas acompanhava pela imprensa e sentia como um rebuliço cultural diferente! Não era tão jovem como vc, mas sentia que ali estava a presença de um novo marco na vida do rock do País.
    Parabéns pela sensibilidade demonstrada pelos relatos de tempos que lhe são indeléveis!

  6. Ao 2 eu fui já como jornalista. Era recém-formado e o que sobrou foi a cobertura dos arredores do Maracanã, chegada e saída do público, confusões, etc. Ao 3, já morando em Brasília, fui com dois amigos meus para celebrarmos longos anos de amizade.

  7. Michelle Mattos

    Agora conheci um pouco do André adolescente. Muito bom. Assim como a Roberta, eu me lembro do Rock`n Rio 91. MAs nem passei perto de ir aos shows. Assisti às apresentações até tarde, mas pela TV. Aliás, mAis para ficar ao lado dos irmãos mais velhos do que para assistir aos shows.

  8. Roberta Paz

    Eu lembro do Rock’n’Rio de 1991 e todo o “rebuliço” que causou na época. Era pré-adolescente, morava no interior do Paraná e mesmo longe, foi um evento que me marcou muito. Imagino a tua emoção de ter vivido o primeiro! Obrigada por compartilhar a bela experiência.

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