Há alguns anos aprendi que nem tudo que é novo é bonito.
E que nem toda mudança é pra melhor.
Recentemente, eu vivia uma das mais felizes experiências de minha vida profissional.
Ia pro trabalho cantando, planejando coisas, pensando, alegre, em como trabalhar melhor e fazer melhor o trabalho da equipe.
Não queria, não precisava mudar.
Estava feliz e ponto.
Até que veio um convite. Do tipo desafiador.
Titubeante – totalmente – em aceitar, ouvi logo “Mas é um baita desafio, você vai fugir?”, e também a mais óbvia das frases do tal mundo corporativo: “Isso é pra você abandonar a sua zona de conforto”.
Abandonei a tal “zona de conforto”, que não existia, pois cada dia era um dia diferente, e fui atrás do novo desafio, sendo que onde eu estava era desafiado diariamente a ser melhor.
Fui e só colhi frustração, e, claro, ensinamentos, como em tudo que nos acontece.
Entre estes, o de que se você está feliz, não é zona de conforto. É o lugar certo, o seu lugar, não há nada de errado.
Me considero de esquerda, mas não refuto a inciativa privada.
Ela deve e precisa existir, é justo que haja, mas a cada ano mais que envelheço e adquiro experiência como homem e profissional, me convenço de que a tal zona de conforto – embora exista realmente em sua concepção original – é uma grande desculpa do capitalismo devorador de vísceras para sugar mais e mais o sangue e chupar os ossos do trabalhador, seja ele o funcionário da limpeza ou o grande executivo.
“Abandone sua zona de conforto! E venha produzir mais e mais e mais para engordar ainda mais meu bolso e os de mais três ou quatro que acumulam mais da metade das riquezas do planeta”.
Juro que consigo enxergar isto nos discursos dos livros sobre liderança, gerenciamento e outras chatices afins.
Te fazem se sentir um acomodado, uma vitória-régia boiando em água parada para que você se levante e vá lá dar um pouquinho mais do seu sangue e da sua carne para eles.
Você não é obrigado a aceitar desafios. Aceitá-los não te fará necessariamente feliz. Rejeitá-los, não é sinal de que você é acomodado. Ou covarde.
Na hora de aceitar um convite profissional, se você estiver feliz onde está, pense bem se você vai deixar a sua “zona de conforto” para sustentar a zona de conforto (e cobiça e exploração) de todo um sistema nefasto.
Se ser feliz é estar satisfeito onde se está e com o que se está fazendo é zona de conforto, que possamos ficar confortavelmente felizes no nosso canto, com os desafios que ele nos propõe todos os dias.