Torcer contra. Às vezes dá vontade.

Dizem que na Copa de 70 o pessoal que peitava a ditadura torceu contra a seleção para que o caneco não servisse à propaganda do regime da tirania. Sobre isso, há uma cena que é uma das mais hilárias do cinema nacional. O excelente Caio Blat interpreta um integrante dos movimentos de esquerda em O ano em que meus pais saíram de férias. Em dado momento do filme, ele assiste a um jogo do Brasil bancando sua ideoologia no meio de um grupo ensandecido pela seleção. Mas toda convicção política vai por água abaixo quando Pelé guarda um nas redes dos gringos, e o “comuna” vai à loucura com os bailes de bola daquele time.

Hoje em dia não há qualquer razão política para se torcer contra o Brasil numa Copa do Mundo. É grande balela dizer que o evento interfere nas eleições. Ora, nossa democracia pode não ter ainda a maturidade das européias, mas já não é nem um bebê que se deixe seduzir pela paixão de um evento que ocorre quatro meses antes. Se ainda não aprendemos a votar, certamente não é por causa da Copa do Mundo.

Confesso que a seleção não me empolga tanto mais. Fui testemunha da tragédia do Sarriá, em 82, quando a Itália nos despachou e fez daquele jogo o maracanazzo de minha geração, essa mesma nascida quando os milicos botavam pra quebrar. Doze anos depois me vinguei da mesma Itália. Tudo bem que foi nos pênaltis, mas os filhos da revolução jamais haviam visto o Brasil ser campeão do mundo. Então, me desculpem, mas a Copa do time do Parreira, que tinha o Dunga de chicote em campo pondo todo mundo pra jogar e show da dupla Bebeto-Romário, valeu demais para nós. Em 2002, consolidei minha carreira de torcedor canarinho. Não sei se me aposentei desse papel, mas me confesso satisfeito com o que já vi do nosso escrete.

Também por isso, mas muito pela seleção insossa que está na África do Sul, e mais ainda pela histeria sem qualquer senso do ridículo de alguns (ou será apenas um?) narradores da TV Brasileira, me dá uma vontade doida de torcer contra, de ver tudo se acabar ainda na primeira fase, levando um deprimente chocolate com gosto de bacalhoada à Cristiano Ronaldo.

Os gritos desprovidos de qualquer racionalidade no primeiro gol do Brasil contra o inexistente time da Tanzânia nos dão a dimensão do que nossos ouvidos precisarão aturar se o adversário for uma seleção de porte, algum de nossos adversários tradicionais.

A cada Copa, a cada campeonato de Fórmula 1, mais se acura a receita de transformar qualquer evento em megaespetáculo, qualquer time em aglomerado de astros e, mais do que tudo, qualquer um que seja mais ou menos em ser humano com poderes especiais. Foi assim com Ronaldo na Copa de 98, com Daiane dos Santos nas Olimpíadas de 2004, foi assim a vida toda com Ayrton Senna, alçado do posto de piloto excepcional à categoria de divindade, de ser humano perfeito.

É claro que na hora H não vou torcer contra, mas para que a vontade não ameace, será necessário assistir aos jogos em outro canal (Na Band, não há tantos exageros, mas sim o pecado do bairrismo), ou ainda melhor: deixar a TV sem som e ficar ouvindo o rádio (A BandNews FM promete belas transmissões e a CBN também cumpre bem o seu papel). Até porque, se a seleção voltar com o rabo entre as pernas, teremos que ouvir o discurso do eu sabia que isso iria acontecer, bem típico dos que fazem a comunicação servir sempre ao interesse da ocasião.

4 comentários em “Torcer contra. Às vezes dá vontade.”

  1. Teresa Madeira

    Levando as meninas pra escola hoje, presenciei o espanto e comentário delas com tantas bandeirolas enfeitando a rua comercial: “TÃO ANTES ASSIM DA COPA” !?.
    Quando perguntei o que aquelas cores
    representavam, a mais velha gritou: Brasiiil Zil Zil !

  2. Estar à parte do que não é importante,como o futebol, causa estranheza ao comum. A saúde do Kaká causa maior apreensão do que as notas dos filhos na escola. A importância da vida é conduzida na forma de como está o desempenho dos atletas. E nós torcemos pelo momento de um lance bonito virar um gol. E a vida mude, e a paz se faça no ser humano, e quem venham as oitavas.

  3. Denise Giusti

    Muito bom André, você diz tudo que penso. Quem viveu a Copa de 70 nunca mais esqueceu, é díferente de que tudo que se vê, os milhões que esses jogadores ganham, não havia alguns craques, todos eram estrelas. Bem, felizes nós que vimos aquele SHOW de Copa.

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