Violência e histeria.

Possivelmente vivi hoje a meia hora mais angustiante de minha vida, ao menos dos últimos anos. Era hora do almoço, eu aguardava em casa minha mulher com minhas três filhas e minha irmã, que passa o fim-de-ano conosco. Minha irmã entrou no apartamento com minha filha do meio dizendo que o resto da tropa estava subindo. Cinco, dez minutos, nada. Desci. Certamente minha mulher precisava de ajuda na portaria, está época é mesmo época de pacotes, embrulhos e, lá em casa, sempre todas as épocas são de criança fazendo pirraça, contrariando ordens. Abri a portaria, olhei no pátio dos pilotis do prédio. Nada. Apenas o vento e o silêncio do início da tarde. Espetou-me qualquer agulha de angústia lá por dentro, mas me contive. De início, não me deixei levar por nervosismo, presságio. “Deve estar na vizinha”, tratei de recorrer logo ao mais provável e manter tudo sobre controle. Não estava. “Na outra vizinha, é claro”. Não estava. Desci outra vez à portaria, o carro estacionado não tinha qualquer anormalidade. Minha irmã na janela já franzia o cenho. “Ela deixou o celular na bolsa que eu trouxe”, me avisou, a voz já levada pela preocupação. A essa altura, a agulha da angústia já entrara um pouco mais na carne, e enquanto isso meus olhos aflitos corriam todo o espaço em torno do prédio. Meio a esmo, sem rumo certo, apressei o passo até o comércio, mesmo sabendo da improbabilidade de qualquer compra de última hora. A carteira com dinheiro e cartões estava na bolsa que minha irmã levou, e tendo acabado de estacionar o carro, por que diabos minha mulher iria comprar alguma coisa a pé e levando duas crianças a tiracolo? Nada, nem sinal. Pelo talento que o ser humano tem para pensar no pior, é claro que uma tragédia já se desenhava na minha aflição, mesmo que o cenário não fosse o tradicional de um sequestro – relâmpago. O carro estava lá, e pelo histórico nenhum bandido leva uma mulher com duas crianças enchendo o saco por causa de sono e fome. Mas quem disse que a agonia deixa que o provável venha nos trazer tranquilidade? Quando vemos, já fomos levados por uma corrente de pavor, até por que a criminalidade, infelizmente, também tem gosto pela inovação. Como não quero que esse texto fique do tamanho do desespero que experimentei naqueles minutos, já dou fecho à história. Ela estava na casa de outra vizinha, cuja entrada é pela portaria ao lado (Para quem não conhece, em Brasília os prédios têm quatro portarias, lado-a-lado). A vizinha havia chamado minha mulher para ver uma reforma no apartamento, e ela foi, sem se dar conta de que minha irmã, que ia à frente, não percebera nada disso. Depois que o vendaval do susto passou e a respiração voltou ao normal, concluímos que se vivêssemos cem anos atrás, teríamos como certeza o que realmente aconteceu: um pulinho fora do programado na casa da vizinha e um papo gostoso que se estendeu um pouco mais do que deveria. Mais nada. Hoje em dia, não. Qualquer movimento fora do programado, tudo que seja inesperado, que não tenha aviso, já leva logo na conta a convicção de uma tragédia. A violência das grandes cidades, e a exacerbação dessa mesma violência pela mídia, nos leva ao ouvir um piano se espatifando no chão quando o que caiu foi uma simples moedinha.

3 comentários em “Violência e histeria.”

  1. Fala meu parceiro, que susto hein?!
    Mas é isso mesmo que acontece. Atualmente, com essa onda de violência a gente fica preocupado com qualquer demora, qualquer coisa que saía um pouco fora do que estava programado. Sou do RJ, vc sabe como fui assaltado no último dia 4 de dezembro com arma na cabeça e tudo mais…só pedi na hora para que a minha mulher não descesse do apartamento da minha sogra e não ficasse em perigo. Os tempos mudaram muito e agora mais do que nunca a gente precisa ficar muito atento, pois, infelizmente, o sistema acaba fazendo com que fiquemos em alerta o tempo todo. Às vezes me pergundo que mundo doido deixaremos para os nosso filhos. Abs meu querido irmão. Fiquem com Deus. Que bom saber que vcs estão bem, apesar do susto. Bjs nas meninas.

  2. Fabrício Fernandes

    Sem sombra de dúvidas, caro André! Infelizmente devemos nos adaptar, de uma maneira desagradável, às cidades. Não tenho muita idade, mas posso afirmar, sou um recém formado de 22 anos, mas já tivemos tempos de tranqüilidade em Brasília. Sou desta geração. Brinquei nos blocos da Asa Norte sem que meus pais temessem um sequestro, ou algo que o valha.

    Diga-se de passagem, parabéns pelo livro. Foi uma ótima aventura a leitura.

    Abraços,

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