É difícil cobrar do prefeito se não damos a descarga

Difícil arriscar o que vai na cabeça de alguém que usa o banheiro de uma academia de ginástica e não dá a descarga. E faz o mesmo no curso preparatório, na universidade, no bar da moda.

O que motiva uma pessoa a não repetir num ambiente público o gesto mínimo de civilidade que, certamente, não se omite em praticar em casa?

Por outro lado, a partir do exemplo, é fácil imaginá-la atirando papel pela janela do carro, estacionando ‘só por um minutinho’ na vaga do idoso, do deficiente físico.

É a mesma pessoa que escolheu três semanas atrás, e que, em alguns casos, vai escolher neste domingo quem vai ser o prefeito da cidade em que mora.

Logo o prefeito, essa espécie de síndico em larga escala, responsável pela limpeza, pela ordem do espaço urbano.

Em qual prédio se pode morar bem sem que o morador colabore com todos, inclusive com o síndico?

A colaboração é a mãe da cobrança.

É difícil cobrar do prefeito se não damos sequer a descarga.

Emmanuelle e a Sala Especial

Quem passa dos 40 começa a ver tragados pelo ostracismo ou pela morte os ícones de uma geração. A minha, por exemplo, acaba de enterrar Sylvia Kristel.

Kristel vai para a eternidade como Emanuelle, personagem vista e revista durante anos a fio em todo o mundo por mais de 350 milhões de pessoas.

Mas eu não fui uma delas.

Não tinha idade sequer para passar na calçada de um cinema que estivesse com o filme em cartaz. Na época, a censura por idade era rigorosa. Na entrada, pedia-se a caderneta do colégio se houvesse desconfiança de que um moleque tentava assistir a um filme considerado impróprio para sua idade.

Também não havia, é claro, por óbvios motivos tecno-históricos, como piratear ou baixar um filme na internet.

Sylvia Kristel morre e eu chego aos 44 sem nunca ter visto Emanuelle. Mas via Sala Especial, que a finada TVS, mãe do SBT, exibia no início da madrugada para o deleite de pirralhos de onze ou doze anos. É claro que a maioria dos pais não deixava a molecada ver. A tática nesses casos era simples: esperar a família toda ir dormir, ir pra sala devagarinho e ligar a TV sem som.

Nos filmes ditos “eróticos” da Sala Especial, um par de seios, muitas vezes com sutiã, era o máximo de delícia permitido aos espectadores.

Desconfio que Emanuelle talvez não tenha ido tão além assim em sua ousadia erótica, sendo mesmo algo pueril perto das novelas atuais que, em algumas vezes, enrubescem até vividos homens de 40 e tantos anos.

Algo mais sobre os Beatles e os Stones

É bem interessante quando alguém consegue escrever um bom livro sobre um assunto que, aparentemente, estava esgotado em todas as suas hipóteses de abordagens.

É o caso dos Beatles e dos Rolling Stones. É o caso da rivalidade entre as duas bandas mais famosas da história do Rock’n Roll.

Jim Derrogatis e Greg Kot, dois críticos de música americanos, colocam essa rivalidade lado a lado, comparando ponto a ponto os quatro rapazes de Liverpool com Jagger, Richards e Cia em ‘The Beatles VS The Rolling Stones – A grande rivalidade do Rock’n Roll’, lançado ano passado pela Editora Globo.

É assim que, escrevendo sobre a rivalidade, deixam claro para o leitor uma constatação: as duas bandas se equivaliam. Se uma perdia para a outra em presença de palco, compensava no uso dos recursos de estúdio. E por aí vai.

Jim e Greg conseguem encerrar uma velha discussão em torno da rixa: por que os Beatles eram os bons rapazes e os Stones os caras com quem nenhuma boa moça deveria se meter.

Como surgiram primeiro, John, Paul, George e Ringo foram moldados pela indústria do disco no formato assumido de ‘Boy Band’. Para não repetir a fórmula, a mesma indústria decidiu que os Stones teriam aquelas caras de flor que não se cheira. Tudo isso com uma ótima ressalva dos autores: os Beatles eram filhos de proletários; os Stones, da boa classe média londrina.

Nunca neguei minha preferência pelos Beatles. Eles são os pais da minha formação musical. Mas os Stones são indispensáveis. Seriam, então, os tios da minha formação musical.

Tios maravilhosamente doidos.

Andar de fusca, ouvir disco de vinil

Espero nunca precisar conversar por mais de cinco minutos com quem tenha chegado na fila de madrugada para comprar o último modelo do famoso smartphone. Uma pessoa assim deve dar um soninho…

Mas mesmo que eu não chegue a esses tolos exageros, confesso que a tecnologia ganha espaço maior a cada dia em minha vida, e isso a tem tornado não apenas mais prática, mas também mais limpa e menos pesada, com menos volume para carregar.

É o caso dos jornais.

Abri mão da assinatura física em favor da digital, e jamais pensei que diria isso: ler jornal pela internet é bem melhor.

Foi-se a figura melancólica do sujeito com o jornal debaixo do braço a caminho do ponto do ônibus, um tipo quase rodriguiano. Entra em cena o cara hitech com óculos de leitura, raspando o indicador na tela de um tablete. Este último tem as mãos mais livres e limpas, a exemplo das próprias roupas.

É o mesmo que 20 anos atrás começou a dar ou vender os discos de vinil, ou mesmo transformar o fundo de algum armário em museu para os mais representativos. E hoje, os CD’s, que os substituíram, já deram lugar aos downloads nas lojas virtuais de música.

Há quem diga que a qualidade sonora se perdeu ou foi comprometida na era digital. Como meus ouvidos são moucos, prefiro a praticidade de um aparelhinho que fica no meu bolso e que guarda tudo aquilo que até os anos 90 eu guardava em uma estante que ocupava quase a metade do quarto.

Jornal, vinil e afins são como o fusca, que, aliás, de uns anos pra cá vem sendo procurado por um pessoal dito descolado, que nem era nascido quando o carrinho ainda saía do forno no ABC. É ótimo para dizer que tivemos, que lembramos de um que nossos pais tiveram, ou no máximo para uma voltinha no fim de semana, inclusive no meu caso, apaixonado por carros antigos.

Para o dia a dia, o bom é a perna esquerda livre da embreagem.

E as mãos limpas, sem tinta de impressão.

E a casa com menos estantes e mais espaço pra se andar.

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