Quatro notas sobre a Copa

1.

A mordida de Luis Suarez no italiano é surrealismo tropical numa Copa em que a surpresa calçou chuteira a foi pra campo eliminar três campeãs do mundo e classificar em primeiro lugar uma seleção – Costa Rica – que todos apostavam que seria a última colocada no tal grupo da morte, e no qual ela acabou sendo a própria morte.

A atitude do uruguaio chega a ser patética, mas não sei se é merecedora desse rigor todo com o qual a Fifa ameaça o atacante. Ao longo da história das Copas, e também nesta, jogadores deram entradas assassinas em seus companheiros de profissão, que não apenas poderiam tirá-los do jogo, mas também colocá-los pra sempre em cadeiras de rodas. E não se vê qualquer atitude de condenação, sequer uma reprimenda pública por parte do condado de Blatter. Às vezes, nem amarelo o predador leva.

A dentada de Suarez não passa de uma esquizofrenia que jamais vai aleijar algum adversário.

Suarez 2

2.

Por incrível que pareça, tá dando (quase) tudo certo na Copa. Embora eu não tenha torcido para isso, temi seriamente que o bolo desandasse, que o país desse um pau do tipo computador obsoleto. No geral, tudo vai bem no aeroporto, no metrô, no trânsito e os black blocs estão em seu devido lugar. E quem está dizendo isso – pois a imprensa nativa jamais vai admitir – são jornalões do top do NYT.

O problema disso tudo é o Brasil se convencer de vez de que o improviso e o “deixar tudo para última hora” são mesmo as maneiras mais acertadas de se fazer as coisas.

3.

Acompanho Copas do Mundo desde 1978 e não me lembro de outra com nível técnico tão elevado. Acho que, até aqui, o número de gols corrobora com essa minha análise preliminar. Mesmo nos jogos em que não se balançaram as redes, houve bastante emoção. Japão X Grécia (classificada, outra surpresa) foi um dos exemplos. Pensei que ia dormir durante o jogo, mas não preguei  os olhos.

4.

A Copa de 1990, vencida pela Alemanha, foi a mais chata que vi.

Não adianta fazer yoga e não dar bom dia ao porteiro

Miséria

Os frequentadores do restaurante natural
vestem camisetas de Marley Gandhi Luther King e Mandela.
Usam cabelo rasta
ferrinhos no nariz no beiço acima do olho
acendem incensos
e outras coisas
que fazem fumaça também
pra libertar a essência cósmica
interior transcendente de não sei onde
(eles não explicam muito bem).
Praticam taishi
meditação
terapias do além
seguem o guru malabarashibalabadoooom
e gritam que matar boi é crueldade
animalidade bestialidade
inferioridade espiritual.
Os frequentadores do restaurante natural
vão às passeatas
pedir pelo aborto
o amor entre iguais
o fim da corrupção
e ao fórum social
pela igualdade entre os povos.
Mas se a mulher pobre nordestina negra
aparece com criança no colo
catarro descendo
eczema à vista
cabelo ensebado
vendendo pano de prato
(um é três dois é cinco
ou intera a minha passagem, moço?)
olham pra ela de soslaio,
discretamente nauseados
procuram em volta o gerente:
nesse mundo liberal escroto
nem se pode mais comer
sossegado um quiche
de alho poró e tomate seco.

Por meia dúzia ou por menos

números

 

Nunca fui filiado ao PT, embora tenha sempre votado nos candidatos do partido, com uma ou outra variação para outros partidos de esquerda. Ou pretensa esquerda.

No entanto, a postura dos governos Lula e Dilma diante de pontos como educação básica e sistema financeiro, por exemplo, me fazem chegar a mais uma eleição disposto a votar na candidata do partido muito mais por falta de opção do que por convicção, embora a figura humana da Presidenta me desperte respeito e admiração.

É que é difícil confiar o país a alguém que até semana passada era governo – e que agora cospe no prato fazendo discurso indignado – ou a alguém cuja vida pessoal, e mesmo política, é envolta em sombras (muito) mal explicadas.

Certo também é que nos quadros do PT, outrora paladino da ética, havia vários agentes ativos da corrupção. E em relação à própria legenda, houve complacência ou coligação com quem sempre fez da roubalheira e da politicalha rastaquera objetivo de poder e maneira de nele permanecer.

Mas me enfastia o discurso que amplifica a participação do PT em tudo isso, como se o partido fosse o desbravador da selva da patifaria, como se quem o antecedeu – e que deseja voltar com roupa de vestal grávida – jamais houvesse sujado as mãos de lama.

A alternância do poder, como reivindicam muitos, é saudável e necessária, desde que essa alternância não seja trocar seis por meia dúzia.

Ou, dependendo de quem seja a alternativa, até por menos.

Grandes crianças mimadas

Eu não vi a partida de estreia da Seleção com as minhas filhas, mas soube que a do meio, ao ouvir a Dilma ser xingada pro mundo inteiro ouvir, perguntou à mãe: do que essas pessoas estão reclamando? Elas não têm casa, comida, roupa, escola boa, carro novo?

Ontem, arrumei um jeito de explicar pra ela como se comporta nossa elite, há mais de 500 anos. “É que gente mimada, filha, se você dá batata frita, quer sorvete; se você dá sorvete, quer chocolate; se dá chocolate, quer biscoito; e nunca olha pro lado pra ver que tem gente que nunca provou o gosto da batata frita, do sorvete, do chocolate e do biscoito”.

mimada

Sobre palavrões e bermuda furada na bunda

1.Nelson Rodrigues dizia que, no estádio, brasileiro vaia até minuto de silêncio.

Muito bem. Mas pense se, quando há visitas em casa, você se comporta do mesmo jeito que quando está sozinho ou apenas com seu irmão, sua mulher, seu marido. Você usa na frente das visitas aquela bermuda furada na bunda? Arrota na frente delas igual a quando está apenas na frente de pai e mãe?

As vaias quando a seleção da Croácia entrou em campo para o aquecimento foram apenas o aperitivo da falta de educação da torcida de um país que, como sede do evento esportivo do ano, é simplesmente o anfitrião, e que deve ser, no mínimo, educado com seus convidados. Vaiar a Croácia foi como a pessoa que recebe em casa de cara amarrada, não convida pra sentar, não oferece um café nem um copo d’água.

Deixemos as vaias para os embates domésticos e que ela tempere, com todo o gosto que tem, apenas nossas diferenças clubísticas, pois o universo de uma Copa do Mundo é um pouquinho maior do que o do campeonato paulista, carioca, mineiro, gaúcho. Ou vamos mesmo receber as visitas de bermuda furada na bunda?

2. A abertura insossa e apática da Copa não mostrou o que é o país, e aquela estética industrializada de Cláudia Leite não passou nem perto da variedade sonora e rítmica de nossa música.

Acho que quem abriu verdadeiramente a Copa foi a torcida cantando o Hino Nacional. Foi de arrepiar.

Assim como foi de envergonhar o xingamento à Presidenta da República. É como se, além de usarmos a bermuda furada na bunda quando há visitas em casa, xingássemos também pai, mãe e irmão na frente delas.

Quer mandar a Dilma tomar lá onde a pata toma? Ou o Aécio? Ou o Eduardo Campos e a Marina? Faça isso no voto, em outubro, e depois cobre ética e respeito das autoridades.

3. Gostaria de entender como alguém compra um ingresso caro, vai ao jogo de abertura e manda a Fifa tomar no mesmo lugar que mandou a Dilma. Ora, por causa de quem as pessoas que xingaram estavam lá? Acho que não foi por causa da Cruz Vermelha.

maleducado

o amor de unhas e dentes

enterra tuas unhas em meu peito nu

do modo que os toureiros cravam lanças nos touros vencidos.

quero, um a um, contar os lanhos em minha carne

no dia seguinte, em frente ao espelho,

ao me vestir para trabalhar.

trinca teus dentes em meu rosto

feito draga no lodo,

faz como se quisesse levar um pedaço cheio da minha barba.

quero a delícia de me arderem na cara os sulcos avermelhados

quando eu me enfiar no chuveiro de manhã,

depois que você for embora.

me encharca com teus beijos: que tua saliva fique em minha pele feito perfume que pega na roupa.

puxa-me pelos cabelos e me leva a boca pro teu meio que em fogo brasa pimenta mordida arde na noite secreta do quarto.

quero que minhas narinas guardem pelas horas monótonas do expediente o cheiro do teu sexo e que ele resista imaginário ao banho da noite.

Unhas

 

A lição de Eduardo e Maurício

Dudu

 

Maur~icio

Em dois dias, duas mortes prematuras, duas pessoas que tiveram interrompido o pleno exercício da vida, quando esta chegava ao auge.

Na sexta-feira, Eduardo de Carvalho Vianna perdeu a breve luta contra o câncer. No dia seguinte, um problema cardíaco levou Maurício Torres. Os dois, jornalistas. O primeiro, uma espécie de contraparente meu. O segundo, companheiro de trabalho na minha pré-história profissional. A morte dos dois nos tirou o tapete, como sempre faz quando chega por volta dos 20, 30, 40 anos de uma pessoa querida.

No primeiro caso, escuto o lamento de alguém próximo a ele. Triste, abalado, se arrepende das vezes que teve vontade, mas não entrou em contato com o Eduardo, chora pelas mensagens dele que não respondeu, ou o fez de forma rápida, sem a merecida atenção. A partida do Maurício também deve ter suscitado a mesma reação em um ou outro amigo.

Eduardo e Maurício partiram, mas me deixaram uma lição que outros que se foram antes do que imaginamos ser a hora já haviam me deixado, mas que eu nem sempre aplico na relação com as pessoas queridas.

Deu vontade, liga. Recebeu mensagem, responde na hora. Ficaram de se encontrar, marquem mesmo, na casa de um ou do outro, no bar mais próximo, o quanto antes. Mesmo que você acredite na vida após a morte, é bom demonstrar (e receber) amor e carinho enquanto somos de carne e osso, antes de retornarmos ao nosso vagar pelo cosmos, em alguns casos, de maneira antecipada.

Claro, vamos acreditar que viveremos muito, vamos ser otimistas que morreremos velhos contando piadas uns aos outros, mas vamos nos falar mais, nos permitir mais.

É só para nos prevenirmos contra o remorso e o arrependimento nos casos de câncer e infarto, por exemplo.

Rolar para cima