Pela volta da consideração e da responsabilidade

Me contaram de uma estagiária que no primeiro dia de trabalho recebeu sua primeira tarefa e antes de começar a executá-la, pediu à chefe para descer e estacionar melhor o carro, que estava mal parado.

Desapareceu.

Há uma lenda de que está procurando vaga pro carro até hoje.

Recentemente, uma profissional – já formada, portanto – não apareceu para trabalhar. O chefe ligou duas, três vezes, mandou mensagem, email, sinais de fumaça, bateu tambor. Lá pelo meio da tarde veio uma resposta pelo uatzáp contendo algo sobre stress e licença médica.

Talvez seja percepção própria, mas esse tipo de procedimento me parece que vem aumentando de uns anos pra cá em ambientes profissionais. A exemplo do primeiro caso, tenho visto estudantes abandonarem os estágios sem darem explicações aos superiores. Simplesmente somem, como se nunca houvessem estado ali, assumido um compromisso que poderia, inclusive, abrir-lhes as portas do futuro profissional.

Não sei se esse procedimento é fruto das relações superficiais intermediadas hoje em dia em boa parte pelo aparato da tecnologia. Como não há vínculo material, o desfecho apenas encerra o caminho pueril trilhado pela própria convivência: simplesmente deixa-se de se seguir, não se manda mais mensagens.

Colega minha aventa a hipótese considerável de as pessoas terem medo de assumir perante os outros que erraram nas escolhas: o estágio não é aquilo que pensei, o emprego não me traz felicidade.

Normal. Na vida, acho que a maioria de nossas escolhas são equivocadas.

Mas respeito, consideração pelo outro e responsabilidade deveriam fazer parte de nossos procedimentos, independentemente do rumo que escolhemos tomar.

Bienal do B prossegue hopje

Bienal Do B Poesia prossegue hoje no T-Bone Açougue Cultural, na 312 norte. A partir das 19h mediarei debate sobre poesia marginal, com a presença de NicolasBehr. Ontem, mediei a conversa sobre cenário da poesia brasilense com José Menezes de Morais, Marina Mara e Vinícius Borba. Depois, li este poema que aí está. A foto é da tri bacana legal loura linda amigona Elise Giacomoni.

Bora lá hoje!
*
Menina do Rio
se você morasse em Brasília,
quando setembro chegasse
trazendo chuva,
e as flores exóticas do cerrado
nascessem pelos canteiros das quadras
como enfeites esquecidos,
e a grama lavada voltasse
piedosa a brindar com oxigênio
a cidade perfumada
de terra molhada,
eu ficaria na janela,
como quem espera passar o café da tarde,
te imaginando subir encharcada as escadas
do bloco,
trazendo a primavera desenhada nos seios marcando a camiseta branca

 No t-Bone

Viado, não. Macaco, outra vez

Quem tinha alguma esperança de que a torcida do Grêmio fosse aplaudir e apoiar o goleiro do Santos ontem teve que enfiar a viola no saco.

Foi perda de tempo esperar que a torcida do tricolor gaúcho se empenhasse em mostrar ao país que não, não é racista, embora eu queira acreditar que realmente uma grande maioria não seja. O problema é a frustração por esta grande maioria não ter se manifestado.

Na primeira partida depois de ter sido chamado de macaco pela torcida gaúcha, Aranha foi vaiado pela turba adversária. Além disso, escutou desta vez outro coro do preconceito: foi chamado de viado.

Na saída do jogo, à beira do gramado, foi abordado por dois repórteres locais (veja no link https://www.youtube.com/watch?v=nuQBdlZhJew#t=88 ). Uma delas riu da insistente (e justa) indignação do goleiro ainda quanto ao episódio do dia 28 de agosto. O outro repórter deixou claro que não concordava com a visão do goleiro de que as vaias de ontem não eram vaias normais, vaias de jogo.

É óbvio que não foram vaias de jogo.

Como óbvio também é que os gritos de viado não queriam dizer viado. Queriam dizer, novamente, macaco.

 

A vida é mais importante que a literatura

Participei recentemente de uma série de palestras em escolas públicas do Distrito Federal que compuseram a Mostra de Literatura promovida pelo agente literário Andrey Do Amaral e com patrocínio da Secretaria de Cultura. O objetivo era esse mesmo que se imagina de um evento que leva um escritor à escola: aproximá-lo dos alunos, mostrar aos estudantes que ele, escritor, é alguém de carne e osso que paga condomínio e fica na fila do supermercado.

Falei muito pouco sobre literatura, menos ainda sobre meus livros e nada sobre o meu tal processo de criação (que verdade seja dita não possui mistério algum).

É muita pretensão dos escritores achar que seus livros, suas influências literárias e sua forma de criar despertarão interesse total em um público juvenil. Senti que se fosse por este caminho ao redor do meu umbigo, afastaria os alunos dos livros tanto quanto os afasta a obrigação de ler Machado de Assis aos 14 anos de idade.

Como eram jovens e mesmo adolescentes, optei por falar de sonhos, de ideais, da necessidade urgente que nossa sociedade tem – e não se toca disso – de fazer o que gosta para ganhar a vida e de aprender a ser feliz com o que se tem, abandonando de vez o “fazer apenas aquilo que dá dinheiro” ou achar que motivação para viver é sempre estar se esforçando para conseguir coisas, para conquistar posições. Procurei mostrá-los que se continuarmos sob esses ditames, morreremos doentes, como, aliás, já estamos.

Quando falei em literatura, foi, principalmente, para explicar como ela não me permite enlouquecer, como que, com ela, eu toco sua principal matéria prima: a vida. E acho que os escritores precisam pensar isso quando falam para determinados públicos: o que importa é a vida. Os livros são para descansarmos dela.

Modestamente, acho que acertei a estratégia. Me pareceu que muitos saíram das palestras pensando: pô, se esse cara fala isso, deve escrever umas coisas interessantes também. E pude medir isso pelo interesse dos alunos em meus livros após os encontros. Para remediar a falta de exemplares para todos, a curadoria da mostra fez um sorteio. Quem não ganhou, foi embora me implorando um exemplar, o que, infelizmente, não tenho como atender em todos os casos.

Resultado: é provável que em cada um das quatro ou cinco palestras que ministrei, eu tenha conquistado três ou quatro leitores, pelo menos.

E qual é mesmo o objetivo de quem escreve e publica?

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Rádio Difusora de Resplendor

Precisando saber quais emissoras de rádio existem no trajeto da ferrovia que liga Vitória a Belo Horizonte, abro uma lista com quase 50 delas.

Boa parte tem nomes modernos, tais como Mania, Geração e Atitude, o que deixa claro a opção pelo público jovem.

Mas entre tantas rádios, encontro uma que se chama Difusora, e olhando a lista, nenhuma nostalgia me parece mais tupiniquim do que uma emissora de rádio do interior chamada Difusora.

Ela fica na cidade de Resplendor, cuja localização não procuro descobrir no extenso território das Minas Gerais.

Independentemente de onde fica no mapa, Resplendor, com este nome, está certamente num lugar chamado nostalgia, em que, imagino eu, se o tempo não chega a parar, é bem mais lento, de modo que seja mais longo do que no resto do país.

Em Resplendor, é possível que vizinhas à Rádio Difusora estejam a padaria Nova Aliança, a Sapataria Irmãos Fernandez e a Elétrica Boa Esperança, marcas de um Brasil melancólico de si mesmo em época de globalidades.

E eu, bicho inteiramente urbano, sem muita noção das lonjuras brasileiras, vislumbro Resplendor no alto de uma serra repleta de curvas sinuosas. Essa hipótese me traz alento, e repentinamente, sufocado na cidade grande de calor, trabalho e angústias, meu desejo mais sincero é pegar o carro e acelerar nessas curvas, para ver todo o meu passado sumir no retrovisor e chegar em paz a Resplendor.

Microfone    Mantiqueira

Nostalgias

Nada mais brasileiramente nostálgico do que uma rádio de uma cidade do interior que se chama Difusora.

Microfone

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