E porque é carnaval…

Informal e Ilegível
Informal e Ilegível

– Você é carioca, né?
– É, sou…
– Gosta de samba, óbvio…
– Não, não gosto…
– Ué, ruim da cabeça, doente do pé?
– É, talvez, a primeira opção, principalmente…
– Aha ha ha!
– …he he he…
– Mas de carnaval você gosta, claro!
– Também não, nem um pouco…
– Mas carioca que não gosta de carnaval??????
– Pra você ver, né?
– Mas alguma escola de coração você tem…pra qual você torce?
– Pra todas…
– Pra todas???????
– É, pra todas deixarem de existir…
– …
– …
– Então, tá. Tchau.
– Valeu.

A ganância explicada pelo cinema

Eu, Daniel Blake

É provável que quem não viu não consiga mais assistir a Eu, Daniel Blake, Palma de Ouro em Cannes, em 2016. Até semana passada ele andou em um ou outro cinema escondido aqui ou ali. Hoje procurei na programação aqui em Brasília, mas já não encontrei.

É pouco provável também que o NetFlix vá exibir. Em todo o caso, vamos torcer para que algum distraído funcionário da programação do canal não perceba que o filme é uma porrada no sistema no qual o NetFlix tá grudadinho.

A história se passa na Inglaterra e é sobre dois desempregados: um viúvo e uma mãe solteira, com dois filhos. Não pensem em filme de amor, porque de cor de rosa não há nada.

Eu, Daniel Blake mostra na tela a crueldade com que o mercado financeiro age na Europa. Em outras palavras, é a versão “quer que eu desenhe?” do que os banqueiros impuseram, nos últimos anos, aos trabalhadores do velho mundo via governos liberais e servos do mercado.

Te é familiar essa situação? Pois é, nada de diferente do que sempre fizeram no terceiro mundo.

Em nome das tais contas públicas, a burocracia estúpida do estado mata os mais necessitados a mando do mercado financeiro.

No caso do filme, mata ou manda para a prostituição.

Porque o importante é o lucro dos bancos, batizado pelos noticiários de equilíbrio fiscal.

Pequena conversa com Deus

– O Cara ali falou que não acredita em você, tá ligado?

Deus olhou.

– Qual é a dele? – perguntou.

– Sei lá, vive de boa…

– Como assim de boa?

– Sei lá, não faz fofoca, não é traíra, não diz uma coisa e faz outra pelas costas…

– Sei…

– Outro dia pagou um lanche pro engraxate que não tinha escovado um sapato. Comprou também remédio pra tia sem perna que fica na esquina pedindo…

– Sei…

– Ele não contou não. Eu que vi e tô te dizendo. Ele é de boa, só diz que você não existe, que não fez nada disso aí que dizem…

Deus pensa. Aí fala.

– Olha, tenho que resolver o caso de um padre que abusava das crianças atrás da igreja. Tem também o pastor que tomou a aposentadoria da velhinha cega, e o presidente de centro espírita que fala em caridade, mas não lava nem a louça pra mulher…

– Sei. E aí?

– Deixa o cara pra lá, tô preocupado se ele acredita em mim não. Tenho mais o que fazer, tá ligado?

– Podicrê. Valeu, Deus!

– Valeu. E se liga você também, fica esperto.

– …

Brasília adoece mentalmente

O Camundongo
O Camundongo

Você que não mora em Brasília, ou sequer a conhece, talvez não saiba que ela não é exatamente uma repartição a céu aberto.

Antes de ser capital do país, é uma cidade.

Com gente morando.

E onde há gente, há problemas.

E um deles, em Brasília, parece ser a vontade inabalável de parte da sociedade, incluindo o estado, de torná-la a capital nacional, quiçá mundial, da chatura e da caretice.

O portal Metrópoles noticia hoje que uma chilena foi presa no metrô de Brasília porque estava cantando (http://www.metropoles.com/distrito-federal/chilena-e-presa-apos-cantar-em-estacao-do-metro-df ). Seguranças deram-lhe uma espécie de chave de braço não porque ela estava fazendo arruaça, depredando o patrimônio, roubando outros passageiros, mas porque estava cantando.

Música no metrô, que mundo afora e mesmo no Brasil torna estações locais menos inóspitos, é proibido por decreto em Brasília.

Duas semanas atrás, o mesmo portal noticiou que em um prédio de uma quadra nobre as crianças eram proibidas de brincar na portaria.

Moradores que se recusam a viver numa cidade morta foram para baixo desse prédio (aqui chamam de bloco) e fizeram manifestação com palhaços, brincadeiras de roda e coisas afins. Parece que deram jeito na insensatez do estatuto do condomínio.

Mais conhecida talvez seja a Lei do Silêncio, que proíbe música ao vivo nos bares.

Admito em alguma parte a razão das pessoas que moram junto a esses lugares, mas quem pode viver num lugar em que não se ouve um som de violão, uma voz afinada atravessando a noite?

Neste caso, até o momento pelo menos, nada de consenso, nada de um meio termo, apenas a construção da chatice e da caretice.

Brasília, a capital do país, acusada injustamente de ser a culpada pela cultural e enraizada roubalheira nacional, é uma cidade que adoece mentalmente a passos largos.

Brasília que não se olha

CONTI outra
CONTI outra

Às vezes eu me sinto um espírito desencarnado, em Brasília, a versão real do homem invisível do seriado de TV da década de 70.

Na rua, no corredor do prédio, na academia, nas barras de ginástica do parque onde você malha quase todos os dias com as mesmas pessoas: ninguém te olha.

Você passando e o vento são a mesma coisa: incapazes de abalar quem cruza teu caminho.

Já não é nem mais questão de bar bom dia, boa tarde, boa noite. Trata-se de olhar na cara, nos olhos do semelhante que vai no sentido contrário, e que é vizinho ou companheiro de atividade física.

Antes que algum brasiliense cego me mande voltar pro Rio, aviso que gosto daqui, local de rara arborização urbana, por exemplo, entre outras qualidades.

Mas já são quase 20 anos nesta cidade e uma dificuldade confessada com as relações humanas.

Já já vem alguém pra bater: ah, mas aquela coisa de carioca contar a vida toda em cinco minutos de fila também enche o saco.

Concordo.

Mas uma encheção de saco não compensa a outra.

Então, cada canto com sua dificuldade.

E seguimos vivendo, aqui ou lá.

Mas eu tinha que falar.

Homem comum, preso especial

Fábio Motta/Estadão Conteúdo
Fábio Motta/Estadão Conteúdo

Como ainda tem gente aqui pelo feici búqui dizendo que o Eike Batista tinha que ficar numa cela comum, com um bando de presos comuns, eu resolvi escrever sobre isso.

Em cela comum, tudo bem, mas como presos comuns, jamais.

Eike Batista é um homem como outro qualquer, seu dinheiro não lhe faz melhor que nada nem ninguém, principalmente em quesitos morais.

Mas preso comum definitivamente ele não é.

Não pode ser considerado preso comum um homem que teve nas mãos um governador de estado e provavelmente muitos outros do mesmo quilate, ou até maiores.

Se ele morre numa rebelião nesse barril de pólvora que é o sistema carcerário, o país será privado de revelações que podem ajudar a passar a limpo a vida nacional.

Cela comum para Eike, mas de preferência sozinho, e vigiado de perto, porque ninguém sabe do que é capaz um homem que de sétimo mais rico do mundo, se vê de repente comendo farofa na quentinha e fazendo cocô num buraco no chão.
*
Ps 1: A melhor coisa dessa eleição para a Presidência da Câmara é que o Bolsonaro só teve quatro votos.

PS 2: Se você está lendo isso na minha linha do tempo, é porque não comemorou a morte de Dona Marisa Letícia.

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