Burocracia parasita

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Entre as condições exigidas para que um escritor participe do Prêmio Cidade de Belo Horizonte de Literatura estão a obrigação de que ele não tenha qualquer dívida com o Estado e que a obra inscrita seja totalmente inédita, que não tenha sido publicada nem mesmo uma parte ou um pequeno trecho.

Se quiser ser premiado, o escritor não pode estar devendo sequer uma parcela do IPTU, caso contrário a secretaria de Fazenda da cidade e do estado onde ele mora não vai liberar a tal certidão negativa de débitos, exigida pelo edital.

Além de escrever muito bem, precisa ser um excelente pagador de impostos (impostos nem sempre revertidos para sua finalidade), não interessando se esteja, por exemplo, desempregado, ou com alguma dificuldade para fechar as contas no fim do mês, algo recorrente na vida do brasileiro comum.

E também nem pode ter publicado um poeminha besta pra namorada, que faça parte do livro, na sua conta no feici búqui, cinco anos atrás, em um domingo chuvoso, que nem ele mesmo se lembra que publicou, quanto mais alguém que, por acaso, tenha lido.

Tratam a internet como se fosse uma exceção na nossa rotina, algo a que quase ninguém tem acesso.

Também na literatura, a burocracia, essa parasita da vida nacional, se puder complicar, jamais vai facilitar.

Dica

Doze Dias

Alguns dias atrás um amigo postou perguntando o que estávamos lendo.

Enumerei alguns livros, entre eles, Doze Dias, do Thiago Feijó.

Se àquela altura eu não estivesse gostando, não teria citado a obra, e se, terminado o livro, não houvesse gostado, não estaria aqui de volta para falar dele (não vejo sentido em falarmos de livros de que não gostamos).

No caso do livro do Thiago, foi o melhor romance que li este ano, ao menos até agora.

Na história conflituosa entre pai e filho, despontam sentimentos nobres, como perdão e aceitação, mesmo com toda mágoa, do que o outro foi ou não capaz de nos dar ao longo da vida.

Não é um livro alegre, pelo contrário, mas, diferentemente de outros (bons) romances contemporâneos que tenho lido, ele nos deixa bem, até certo ponto leves e esperançosos, tangendo uma sensação de que o entendimento entre as pessoas é possível, por mais que elas errem conosco, e nós, com elas.

Poesia como prece 5

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Quando comecei a ler os poemas do José Danilo Rangel, a impressão que tive foi a de que estava escutando alguém falar sozinho.

Sozinho e sem parar, tal o volume das palavras, das frases.

Confesso que me passou pela cabeça a imagem daqueles loucos nas praças de cidades do interior, que sobem nos bancos em frente às igrejas e fazem discursos sobre qualquer assunto, conexos ou não.

Só que na poesia do José Danilo Rangel as coisas possuem sim muita conexão; conexão com a realidade, com as dores de estarmos vivos, com a certeza da morte, com a mão de obra explorada por cada centímetro cúbico ocupado pelos donos do tal PIB.

Então, a cada poema que eu lia, eu pensava: Nossa! Como faz sentido o que esse louco aí tá dizendo.

E, além de tudo, dizendo com uma belíssima estética poética.

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Consertar enquanto há tempo

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O celular de uma de minhas filhas caiu e quebrou a tela.

É daqueles modelos baratos; custou, dois anos atrás, 700 pratas.

Há não muito tempo eu teria pego o aparelho e levado para jogar em alguns desses lugares que recolhem entulho eletrônico, reflexo condicionado de uma sociedade mercantilista que ignora, por interesse, o verbo consertar.

Dessa vez, agi diferente. Fiz um orçamento para ver se tinha jeito.

Custou pouco mais de duzentas pilas.

Teve o lado financeiro, porque, mesmo que o aparelho ainda custe 700 mangos (o que não deve custar), seria uma economia de quinhentinhos.

Para mim, que vivo do meu salário e não de lucro de ação da Petrobrás, é uma graninha que faz diferença.

Mas não é esse o ponto principal.

O principal é repensar – e muito, muito mesmo – o tal de “Ah, vale mais a pena comprar um novo do que consertar”.

Um celular consertado é menos lixo em um Planeta que, salvo engano, se a gente não consertar enquanto ainda é tempo, não haverá um novo no mercado.

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