Aborto: lei ou consciência?

Vários grupos religiosos estão neste momento fazendo uma passeata na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, contra a legalização do aborto.

Interromper uma gravidez talvez seja assunto muito mais passível de ser regido pela consciência do que pela lei.

Quem é contra o aborto continuará sendo, seja ele descriminalizado ou não, e não o fará – ao menos em tese – mesmo que não haja punição.

Da mesma forma, quem é a favor manterá a postura, mesmo que a lei continue proibindo a prática fora dos casos que ela mesmo permite.

Em que pese o direito de manifestação, penso que os religiosos gastam muita energia com algo que transcende o mundo jurídico, que passa bem mais pelo foro íntimo, por uma decisão que deve ser cruel de ser tomada.

Que tal se os religiosos ocupassem ruas e avenidas do país gritando contra práticas que realmente precisam da mão dura da lei, tais como a corrupção, o racismo, a discriminação ou a pedofilia e a prostituição infantil?

Em tempo: sou contra o aborto.

Direito à greve e ao respeito

A greve dos servidores públicos federais de alguns ministérios confirma o talento do sindicalismo brasileiro para angariar a antipatia da sociedade.

A greve não conta com adesão de todo e qualquer servidor público, muito menos dos chamados funcionários terceirizados dos ministérios, que não possuem a benemerência da estabilidade. Como não conseguem convencer com argumentos quem não quer ou não pode cruzar os braços, os sindicalistas apelam para táticas que ultrapassaram a fronteira do antidemocrático: chegaram ao campo do desrespeito.

Perfilados na porta dos ministérios, buzinam nos ouvidos de quem entra as irritantes vuvuzelas que sobraram da última copa. Como intimidação, em nome da mobilização da categoria, valem os xingamentos de qualquer nível, não importando se quem vai na direção das portarias é, por exemplo, uma mulher grávida prestes a dar a luz, e quer exercer o direito de ir e vir, tão constitucional como o direito de fazer greve.

Seria mais digno e admirável se optassem pelo enfrentamento e partissem para os piquetes, que foram impedidos pela Polícia logo no segundo dia de greve. Mas parece que falta aos sindicalistas de hoje não apenas a dignidade, mas a coragem, por exemplo, de professoras estaduais que, em 1988, enfrentaram os cassetetes e bombas de gás da tropa de choque da PM num protesto em frente ao Palácio Guanabara, ocupado, na ocasião, por Moreira Franco, um dos piores síndicos a passar pelo Governo do Rio de Janeiro.

Com buzinas e xingamentos, a única adesão que conseguem é a uma corrente que começa a desejar que nenhuma das reivindicações – que até devem ser justas – seja atendida.

Transgredir é verbo jovem

Existem vários papéis que os jovens podem e devem desempenhar. Um dos mais interessantes é o de transgredir, porque está exatamente de acordo com a juventude mandar às favas regras e conceitos, padrões e condutas estabelecidas que ninguém sabe exatamente porque, quando e, muito menos, para quê.

Há jovens bem afetos à transgressão.

Outros, no entanto, perdem essa oportunidade que a pouca idade permite e preferem a cacetice da padronização, do óbvio, do aborrecido mundo dos já estabelecidos, dos bem sucedidos.

Veja o exemplo dos convites para dois casamentos.

Um convite é feito em papel de luxo, com a letra dourada, desenhada por um calígrafo. Dentro, pais e mães convidam para o enlace de seus filhos, que será seguido pela recepção numa bela casa de festas, onde os convidados farão imensa fila com pratos na mão e estômago nas costas. Um bandejão de luxo, do qual muitos, inclusive, sairão falando mal. Traje passeio completo, claro.

O outro convite imita um ingresso para um show de Rock. Os noivos dirão o sim num pub, ao som da banda dos amigos. Os convidados terão direito a uma dose de bebida. Além dela, de graça serão a diversão, a dança, a música e a amizade dos noivos. O traje? Quem for que vá com a roupa que achar melhor.

No estilo do primeiro casamento, vi noivo sendo impedido de beijar a noiva na boca. Motivo? A mulher do cerimonial mandou beijar na testa. E não pega bem contrariar o cerimonial, mesmo que se pegue bem caro por ele.

O ineditismo do segundo casamento parece vir justamente de seu caráter transgressor, e é bem provável que os noivos se beijem a qualquer hora da cerimônia – se é que o formalismo do termo cabe aqui -, dependendo apenas da vontade de cada um, e que os convidados saiam bêbados e felizes, porque, afinal, a banda dos amigos dos noivos toca tão bem que todos foram ficando, ficando e bebendo.

É claro que a felicidade no casamento não depende desse ou daquele tipo de celebração ou comemoração. O que constrói a felicidade (e também o que a pode destruir) é o dia a dia ao longo dos anos.

A diferença é que o segundo casal talvez, daqui a algum tempo, tenha uma espécie de consciência tranquila em relação a essa inquietação que a juventude deveria carregar sempre, que é a indisposição quanto ao normal, ao que todo mundo faz.

Já os outros noivos, caso despertem e se arrependam mais tarde de terem copiado exatamente seus pais e avós, sem nunca, em momento algum os terem escandalizado ao menos um pouco, vão descobrir que, depois de um tempo e uma idade, dá muito mais trabalho e exige muito mais força nadar contra a correnteza.

Ensinem seus filhos pequenos a não bater em mulher

O combate à violência contra a mulher é responsabilidade de todos.

Não é só do Estado, com a Polícia e os tribunais.

Pode começar em casa, na educação dos filhos.

Quem tem filha mulher, pode e deve ensiná-la que, pra começo de conversa, nenhum homem, em qualquer tipo de relação, tem o direito de levantar a voz e gritar com ela.

Quem não permite o primeiro grito, o primeiro xingamento, certamente impede o primeiro tapa.

Quando nos relacionamentos amorosos, é preciso que nossas filhas tenham claro na cabeça que nesses casos a violência contra a mulher ganha uma dimensão a mais. Como há a entrega, o carinho e a confiança, a violência certamente é mais cruel. Se é mais cruel, é também mais dolorida. E mais covarde também.

Sejamos francos, diretos, objetivos: filha, se esse cara gritar com você, xingar você, saia fora. Quem corta o mal pela raiz ainda no namoro, pode estar de livrando de uma tragédia no casamento.

Mas essa responsabilidade cabe também a quem tem filho homem.

Pais e mães de meninos podem fazer sua parte ensinando aos pequenos que fisicamente a mulher é mais frágil.

É claro que um menino de quatro ou cinco anos quando empurra uma menina não tem a dimensão da sua força nem da inferioridade da força da coleguinha. Nem certamente faz por mal. Mas se os pais dos futuros varões mostrarem que empurrão, chute, tapa e soco doem ainda mais nas meninas, é bem provável que estejam formando um homem consciente de seu papel na promoção da paz, começando pela integridade física das futuras namoradas e esposas.

A estratégia torta das manifestações

A Esplanada dos Ministérios, em Brasília, é separada por um imenso gramado, tanto na largura quanto na extensão. Quem não conhece, basta imaginar vários campos de futebol um ao lado do outro. E vazios, sem nada, por que pelo costume da cidade esses enormes espaços desertos são feitos para que as pessoas os contemplem, e nunca usufruam deles.

Seriam perfeitos, pois, para abrigar as centenas de passeatas recebidas todos os anos pela capital do país. Justas, essas manifestações, sejam da natureza que forem, devem mesmo ter na cidade seu principal palco. Afinal, é aqui que mora o poder, é aqui que estão os homens que decidem.

Mas parece que a cada causa reivindicada, a cada greve ou campanha salarial, sindicatos, associações ou entidades que se equivalem aprimoram o talento que possuem para deixarem contra si a população.

Nesta quarta-feira, funcionários da educação e da saúde tomaram as pistas da Esplanada na hora do almoço, parando o trânsito em uma das principais vias de Brasília. Mais uma vez, pessoas perderam compromissos, crianças ficaram esperando pelos pais nas escolas. Hoje foi na hora do almoço. Não raro essas manifestações ocorrem de manhã, no horário em que todo mundo está indo para trabalho.

Embora soem todas iguais nas mesmas palavras de ordem que os sindicalistas utilizam desde os anos 70, as reivindicações parecem justas. Mas se ganham no mérito, perdem na simpatia. Quem poderá apoiar uma causa que o prejudica, que o deixa parado no trânsito debaixo do sol inclemente de meio-dia, que o faz chegar atrasado ou perder um compromisso?

Não há razão aparente, acho que nem mesmo oculta, para que os manifestantes não caminhem, no caso específico de Brasília, no gramado da Esplanada. Teriam a mesma visibilidade, e certamente muito mais apoio da população.

A não ser que, além de protestar e reivindicar, haja o incabível objetivo de prejudicar a cidade.

E aí não é democracia. É desrespeito ao próximo.

Eu apóio as vadias

O nome é o que menos importa em toda essa história da Marcha das Vadias.

Homens, e também mulheres, poderiam dar mais atenção às plataformas do movimento e perderem menos tempo discutindo e, quase que invariavelmente, condenando o nome da marcha e as atitudes que algumas de suas integrantes tomam durante as manifestações.

No caso masculino, o que incomoda é a velha relutância dos homens em aceitarem a realidade: a mulher tem (muita) vontade sexual. E é direito que tenha liberdade para exercê-la com quem achar melhor.

Ninguém nunca nos condenou por deitarmos com tantas quantas tivéssemos vontade ou oportunidade (nem sempre as duas andaram juntas em nossa vida sexual). Pelo contrário. Ao longo da história, somos glorificados, invejados e cobiçados por isso. O que é, no mínimo, uma distorção dos significados, sentimentos e energias saudáveis que devem envolver uma relação sexual.

O que nos apavora é que não há mais como escapar. Precisamos aceitar que as mulheres têm o direito de se deitarem sem estarem apaixonadas como o senso comum achou por bem estabelecer. Na quase totalidade de nossas relações, nós, homens, não estávamos apaixonados. É no mínimo injusto querer cobrar isso da outra parte.

O que uma relação sexual mais necessita é de responsabilidade. Responsabilidade quanto à saúde, quanto à gravidez indesejada, quanto à expectativa do parceiro ou parceira para os dias que virão após o gozo. Responsabilidade para com a não banalização do ato. E essa responsabilidade é de quem tem vida sexual, seja homem, mulher, homo, hetero. Apaixonado ou não. Amando ou não.

Quem tem filhas prestes a descobrir a sexualidade precisa digerir logo esse novo modelo, pois o antigo, o da entrega apenas em casos de amor puro e envolvimento sentimental, já foi a pique há muito tempo, embora o conservadorismo (inclusive de mulheres) esperneie se recusando a aceitar.

O nome da marcha causa impacto porque a palavra vadia incita tremores no imaginário erótico masculino. No caso das mulheres, posso apenas arriscar (já que não sou mulher) que o termo sacode pilares ocos da vida de fachada de algumas senhoras e senhoritas. E que bom que haja causado impacto nessa sociedade narcotizada por celebridades e mensagens superficiais de otimismo nas redes sociais.

Se causa escândalo em alguns o que até pode ser considerado excesso de algumas manifestantes (inevitável em qualquer aglomeração), muito mais deveria provocar a leniência da sociedade com certas realidades combatidas pela Marcha das Vadias, como a violência contra a mulher, por exemplo, que é uma violência contra a família, núcleo base da sociedade.

E se esse – violência doméstica – fosse o único assunto na pauta do movimento, já seria muito mais importante do que o nome da marcha ou meia dúzia de belos peitos de fora pintados com palavras de protesto.

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