Sobre Ferraris, Shelbys, ônibus e metrô

Possuo uma característica típica do brasileiro mediano, aguçada, quem sabe, pela ascendência italiana: sou apaixonado por automóvel, não nego.

Acelerar numa estrada, domar suas curvas é, certamente, um dos maiores prazeres que tenho. Dirigir numa rodovia me economiza o dinheiro de umas três sessões de terapia.

De uns tempos para cá, no entanto, passei a conceber o automóvel como um objeto de arte, um vinho francês de pequena produção ou um chocolate artesanal, que precisam ser poupados da pressa diária das refeições, pois devem estar reservados para inesquecíveis noites de sábado e vagarosas tardes de almoço de domingo.

Portanto, do mesmo modo que me dá tédio essa massa uniforme de vinhos sul americanos e bombons de caixa de papelão – embora sejam o que está à altura do meu salário -, me enfadam também essas casquinhas de ovo de 1000cc ou a ausência de graça e charme desses modelos asiáticos, todos basicamente com os mesmos desenhos e aparência.

O que me comove são os carros esportivos; se forem antigos, então, mais comovido ficarei. Ser dono de uma Ferrari GTO 1962 ou de um Ford Shelby Cobra (fotos) da mesma época certamente povoam o terreno de meus sonhos mais ardentes. E também mais improváveis de serem realizados.

Mas meu sonho de locomoção vai um pouco – nem tanto – mais além, embora esta última parte, apesar de pequena, pareça ser ainda mais difícil de ser concretizada: viver num país e numa cidade em que eu possa, de segunda a sexta, deixar o carro – ou obra de arte – na garagem e ir trabalhar e voltar para casa de ônibus ou metrô decentes.
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Resenha

Jéssica Macêdo me tocou muito com sua resenha sobre meu livro Histórias de Pai, Memórias de Filho.

Está no blog que ela mantém com amor de mãe, o Me sinto grávida.

Reproduzo aqui a resenha, que está disponível no link abaixo.

Confira. http://www.mesintogravida.com.br/2013/10/resenha-livro-historias-de-pais-memorias-de-filho/

“Histórias de pai, memórias de filho é um daqueles livros para ler e reler por toda a vida. Do jornalista André Giusti, o livro infanto-juvenil traz relatos de alguém que é pai, mas antes de tudo é filho, nos levando a interessantes reflexões sobre os nossos laços familiares. A publicação é curta, e em menos de uma hora você viaja por estórias que você também poderia ter vivido de alguma forma.

Se você for dessas pessoas que, assim como eu, tem um quê de saudosismo sempre à flor da pele, pode até chorar. A narrativa te faz viajar no tempo, entender como as escolhas feitas lá atrás podem influenciar na sua conduta como pai ou mãe. Histórias de pai, memórias de filho ainda desvenda a ligação entre pais e filhos, deixando à vista pequenas sutilezas nas relaçōes parentais que tornam os elos mais fortes ou mais fracos.

– Pai, Deus é doido mesmo, viu?

Pego de surpresa, o pai parou de mastigar e ficou olhando a pequena, decidida em seu conceito. Ainda calado, metade da folha de alface para da boca, ele pedia: explique-se, minha filha!

Não se fez de rogada, e para defender o que pensava, exibiu os dentes alinhados em um sorriso pronto. No lugar dos dois de cima, apenas o vão da gengiva vazia, por onde começava a se despedir sua primeira infância.

Desfez o riso, trocou-o por uma cara solene. Era o que estava de acordo com opinião tão polêmica.

– Ora, pra que tirar nossos dentes e colocar outros no lugar? Por que não faz a gente logo com os dentes que vão ficar pra sempre?
O pai, que de dentes só entendia de trincá-los com as aflições da vida, baixou os olhos até o prato. Sumiu na boca e no silêncio a outra metade da alface. Vencera-o a lógica daquela fervilhante cabeça de de seis anos. (Giusti, 2013 p.19)

 

O livro é exatamente aquilo que ele colocou na dedicatória, na noite de autógrafos: “Para Jéssica, minhas histórias de pai e filho. Para seu coração de mãe e filha!”. Exatamente isso, me sinto tocada tanto na figura de mãe, mas principalmente como na de filha. Obrigada, André, por partilhar conosco as nuances da vida.”

Sobre envelhecimento e água com gás

Uma das frases antológicas da literatura mundial está em O amor nos tempos do cólera. Florentino ou Juvenal – agora não sei exatamente qual dos dois – olha no espelho o quanto está envelhecendo. Gabriel Garcia Marquez, então, em um de seus vários momentos de genialidade, diz que “um homem percebe que está envelhecendo quando começa a ficar parecido com seu pai”.

Na infância, eu achava que água com gás era coisa de velho. Tudo porque era a bebida preferida de meu pai. Ele não tomava refrigerante. Bebida alcólica, só uma taça de vinho no natal. Mas sentando em um restaurante, mandava descer logo uma Lindóia ou uma São Lourenço, as marcas mais famosas nos anos 70 no Rio de Janeiro.
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Meu pai tinha seus 50 anos nessa época, e eu, da pequenez dos meus 6 ou 7 anos, o achava velho. É bom lembrar também que, há 40 anos, meio século de vida pesava mais no corpo e na alma do que atualmente, quando uma série de fatores e condutas tornam alguém nessa idade o equivalente a alguém de 35 ou 40 de décadas atrás.

Hoje, me barbeando, vi que a fisionomia de meu pai está surgindo, pouco a pouco, em meu rosto, talvez num vinco da pele abaixo das maçãs da face, quem sabe num modo furtivo de olhar para o lado.

E não é só isso: há alguns anos que adoro água com gás.

Boi do Seu Teodoro

Boi do Seu Teodoro

O Boi do Seu Teodoro é um grupo folclórico fundado em 1961 por um nordestino que, como milhares, veio para o Planalto Central construir Brasília.

É errado dizer “veio ajudar a construir Brasília”, porque na verdade o nordestino não ajudou, e sim fez quase tudo debaixo de sol, comendo poeira, dormindo em alojamento quente, se alimentando mal, e, ao final, sendo posto de lado nas chamadas cidades satélites ou voltando para a terra natal quase do mesmo jeito que veio pra cá.

Tudo bem, essa é uma outra discussão.

O Boi do Seu Teodoro é sediado em Sobradinho, cidade que fica a uns 20 minutos da capital do país. O grupo mantém vivo no Planalto Central o folclore do Maranhão, onde nasceu Teodoro.

Recomendo assistir a uma apresentação, principalmente quem tem filhos em idade escolar, por vários motivos, dos quais cito dois em especial: a batida da percussão, que arrepia e deixa com vontade de pular, e porque é uma resistência da verdadeira cultura popular ao lixo que cada vez mais a mídia despeja em nossos olhos e ouvidos .

Coisas que passam pela cabeça da gente

O que eu fizer de bom ou correto não me torna melhor do que ninguém, a não ser do que eu mesmo.

fazer o bem

PS: Depois que escrevi essa frase, fiquei pensando se já não a havia lido ou escutado em algum lugar. Se não é minha mesmo, perdoem-me. A intenção foi a melhor possível, o que, claro, não me faz melhor do que ninguém.

Poesia feito música

Já comparei poesia com gêneros musicais algumas vezes, e vou fazê-lo novamente.

Desta vez por causa dos livros de José Carlos Vieira e Carla Andrade.

Os textos de José Carlos reunidos em Poemas de Paixões e Coisas Parecidas, lançado esta semana pela Geração, parecem blues de Chicago. Quem manja John Lee Hooker dos primórdios entende o meu recado.

livro do Zé

Já em Artesanato de Perguntas, que aliás saiu do forno no mesmo dia que o livro do Zé, Carla Andrade parece que faz, com palavras, uma espécie de música instrumental escrita, tipo Marco Antônio Araújo, mineiro que nem ela. Não entendeu? Então, leia.

Aliás, leia os dois.

Ou melhor, ouça-os.

Valem a pena.

livro carla

Entrevistar olhando nos olhos

Aluno do segundo período de comunicação me entrevista para trabalho da faculdade. A disciplina é técnica de reportagem, ou algo similar.

As perguntas são boas, pertinentes, ele fez um bom trabalho de pesquisa, sabe quem eu sou e o que já fiz na vida.

Pela amostra, poderá ser um bom jornalista.

Entretanto, enquanto eu falo, seus olhos não param de observar o ambiente em volta, a praça de alimentação de uma universidade na hora do intervalo. Acho que não consegue me fixar por mais de cinco ou dez segundos. Logo dispersa, sai de mim, vai pescar o que está em volta.

É uma característica que venho observando nos nascidos nos anos 90, a chamada geração y ou sei lá que outra letra. Essa capacidade que possuem de ler, ouvir música, assistir à TV, navegar e mais duas ou três coisas deve ser o que os faz assim.

Não quero dizer que isso é ruim, mas também não sei se é bom. Se a absorção de cada conteúdo é satisfatória, é outra discussão, e a ela não me atrevo.

Também não me atrevo a afirmar que o rapaz não tenha prestado atenção às minhas respostas, mas não emendou a elas nenhuma pergunta que não tenha trazido pronta (boas perguntas,repito). E uma bela entrevista também é feita com base no que inventamos perguntar na hora, em cima do que o entrevistado responde; nasce também da observação ininterrupta dos gestos, expressões, olhares e até movimento labial de quem estamos entrevistando.

Portanto, fica a dica.

Amor e amizade precisam de olhos nos olhos.

Jornalismo, dependendo da ocasião, também.

Urbanidades 2

caixa

A caixa de acrílico que aparece nesta foto fica em frente ao bloco G da quadra 405 norte, em Brasília. Foi colocada há alguns meses. Ainda não vi outra igual em outro ponto da cidade.

O que é uma pena, pois uma cidade, para ser melhor, precisa, entre outras, de iniciativas do gênero.

Para quem ainda não entendeu do que se trata, explico. É uma caixa com saquinhos plásticos para quem tem cachorro recolher o cocô que o bichinho faz na rua.

Nunca vi estatística a respeito, mas, por observação própria, arrisco com certa segurança: de cada dez pessoas que descem com cachorro, vejo no máximo duas recolhendo o “presentinho” que o totó deixa na calçada ou na grama.

Sabe aquela mosca que entrou na sua casa e pousou no pedaço de bolo que você está comendo? Pois é, a possibilidade dela ter pousado antes num “presentinho” desses, deixado na porta do seu prédio, existe e não é desprezível.

Além do mais, há o azar de se pisar em cheio num desses quando se está atrasado para um compromisso importante. De trabalho ou amoroso. Quem nunca?

Gosto de cachorro, mas não tenho porque acho que cachorro em apartamento faz mal pra saúde. Do animal, diga-se de passagem, pois em minha modesta e desentendida opinião, ele precisa de espaço para se locomover e deixar seus “presentinhos” sem depender de outro ser, inteligente e racional por natureza, para levá-lo a um canto qualquer.

Admiro quem cultiva o amor por cães, gatos e cia. Mas se esse amor vier com respeito à vizinhança e zelo pela limpeza da cidade, melhor ainda.

 

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