Livros da Minha Vida 8 – Apontamentos de História Sobrenatural
Ganhei Apontamentos de História Sobrenatural de meu velho pai quando eu tinha 15 anos.
É uma idade perigosa para se ler poesia. Você pode ser capturado por ela e nunca mais ser devolvido ao mundo dos certos, sensatos, coerentes e ponderados.
Foi o que aconteceu comigo.
Além de ter 15 anos, eu provavelmente estava apaixonado, pois jamais me esqueci deste poema, chamado O vento.
“Havia uma escada que parava de repente no ar
Havia uma porta que dava para não se sabia o quê
Havia um relógio onde a morte tricotava o tempo
Mas havia um arroio correndo entre os dedos buliçosos dos pés
E pássaros pousados na pauta dos fios do telégrafo
E o vento!
O vento que vinha desde o princípio do mundo
Estava brincando com teus cabelos…”
Mário Quintana tinha um quê bem latente de misticismo, mas que no geral passava longe da religiosidade e distava muito, mas muito mesmo, do esoterismo. Também por este aspecto – o místico – ele me conquistou de cara.
Mas o determinante para que se torna-se meu poeta favorito (ele ganha apenas por meio corpo de Drummond e Leminsky, mas ganha) foi seu jeito. Quintana não era poeta apenas porque escrevia. Era poeta porque vivia como poeta, e poesia é algo muito além de escrever. Poesia é a forma como se olha a vida, e pra isso nem é necessário escrever uma linha.
Além desse lado docemente fantasmagórico, Quintana era divertido em seus poemas, irônico, debochava da sociedade de uma modo quase infantil, tamanha a pureza com que fazia isso.
E era romântico, um romantismo totalmente oposto à pieguice e ao romantismo enjoativo feito glacê de bolo.
Quintana faz parte não apenas do meu mundo de leitor, ele habita até hoje meu mundo de homem, de pessoa.
Desde que li o poema acima, o vento do princípio do mundo esteve sempre brincando com os cabelos de todas as mulheres que amei.