Playing in the rain.

Jazz e chuva são quase a mesma coisa.

Então ouça se os pingos no parabrisa

Não parecem sax ou piano

Na noite iluminada e semideserta

Engolindo a cidade.

PS: Na cobertura de alguns sites sobre o aguaceiro no Rio, havia link para o relato dos “famosos” sobre o toró. Realmente, a imprensa se supera a cada dia no seu esforço de ser ridícula.

Anúncio.

Na horrenda faixa verde-limão espetada no canteiro da rua, lia-se:

Vende-se mansão cinematográfica!!!

 Deu de ombros com desprezo.

Pra que, se não era artista?  

Disputa acirrada na Academia Brasileira de Letras.

O poreta Alexandre Pilati conversa comigo no bate-papo literário da BandNews FM Brasília 90,5  toda segunda-feira às 16h51, com reprise terça-feira 11h31.

 

Por Alexandre Pilati.

Com a morte, em 28 de fevereiro, de José Mindlin, o bibliófilo que ocupava a cadeira número 29 da ABL, abriu-se uma das mais acirradas disputas de sucessão em toda a história da Academia. A campanha, que, na surdina, começou antes mesmo da morte de Mindlin, esquentou de vez nas últimas semanas. Segundo as regras da Academia, após a chamada “Sessão da saudade”, que ocorre na quinta-feira seguinte à morte do acadêmico, abre-se o prazo, de 30 dias, para inscrição de candidaturas. Depois disso há sessenta dias de campanha. Na atual disputa, entretanto, deu-se a largada no mesmo dia do falecimento de José Mindlin. Em declaração ao jornal Folha de São Paulo, o próprio presidente da ABL, Marcos Vinícius Vilaça, admitiu que antes do sol se pôr no dia 28/02, as máquinas de campanha à cadeira 29, cujo patrono é Martins Pena, já estavam a todo vapor, fazendo circular e-mails e telefonemas para acadêmicos.

Os passos de uma eleição para a ABL

Ao todo a ABL tem 40 membros e uma vaga se abre quando um dos acadêmicos morre. O estatuto é claro quanto às candidaturas. Podem ser candidatos: “os brasileiros que tenham, em qualquer dos gêneros de literatura, publicado obras de reconhecido mérito, ou, fora desses gêneros, livro de valor literário”. No prazo regulamentar, abre-se o período de inscrições de candidaturas e de campanha. É preciso, então, muito cuidado por parte dos candidatos a imortal. Segundo a acadêmica Nélida Piñon, que está há 21 anos na ABL, não é de bom tom que o candidato se exponha muito na mídia durante esse período. É preciso fazer um sólido trabalho de bastidores, no ritmo natural da casa, que é de solenidade quase absoluta. Passada a fase de campanha, faz-se a votação, que, no caso, será no dia 02 de junho. Votam, de forma secreta e por escrito, os 39 acadêmicos e vence o candidato que obtiver maioria absoluta. Caso nenhum deles alcance a maioria no primeiro turno, podem ocorrer até mais três novas votações.

Quem são os candidatos dessa eleição

Numa disputa da ABL sempre há os aclamáveis, aqueles que, se entrassem na disputa, fariam com que ela ocorresse apenas para “cumprir tabela”. No caso da disputa pela cadeira 29, esses nomes seriam o do crítico literário Antonio Candido, o do poeta Ferreira Gullar e o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Como nenhum deles parece muito interessado em se tornar imortal, a disputa se acirrou entre os candidatos inscritos. O primeiro nome é o do poeta e diplomata Geraldo Holanda Cavalcanti. Segundo se diz, ele é quem tem mais chances de ganhar a disputa, pois já se inscreveu uma vez e tem uma consistente obra literária, além de grande proximidade com diversos acadêmicos. Outro nome bem cotado é o do professor Muniz Sodré, presidente da Biblioteca Nacional. Correndo por fora, mas fazendo uma campanha persistente está o Ministro do Supremo Tribunal Eros Grau, que também é professor universitário aposentado e publicou, principalmente, obras na área jurídica. O azarão do páreo é o sambista e escritor Martinho da Vila, que tem poucas chances porque, apesar de inscrito, diz que só vai para a Academia se não precisar fazer campanha. Martinho, que tem 10 livros publicados, sente-se desconfortável em fazer a corte aos acadêmicos, mas nessa disputa, isso é fundamental.

Em um feriado assim como esse.

Quando o Marco ligou, já eram umas cinco da tarde, e ele assistia a vídeo clips no canal 9. É que na última hora apareceu uma viagem. Pra Rio das Ostras, na época em que a cidade era só praia e sossego e andava-se ao sabor do vento.

É naquele esquema, e foi logo avisando, miojo, pão com ovo e colchonete para dormir onde der.

Tô na fita? Quis saber.

Se eu tô te ligando, animal!

Quem vai? E já procurava o pai pela casa. Precisaria negociar aquilo. Abril mal comecara e suas notas já estavam daquele jeito, para ficarem ruins tinham que melhorar muito.

Marco estalou a ponta da língua entre os dentes.

Ué, quem vai? Eu, Wagão, Mário, Maurão, Serjão…os mesmos otários de sempre.

Putz, só homem!

E ainda quer que a gente leve mulherzinha pra você?

Conseguiu umas pratas com o pai. Dava para ir, voltar e fazer algumas gracinhas por lá.

Lembra dos olhos do velho quando jogou a sacola de nylon nas costas antes de bater a porta. Por trás das lentes grossas, chegara definitivamente a certeza de que o filho começava a bater asas. Dali a um mês faria 17 anos.  Impossível segurar em casa, num feriado, uma fera daquela cheia de hormônios e sede de aventura. Só restava pedir juízo e rezar para que funcionasse tudo que ensinara até ali.

Na Rodoviária, entre partidas e chegadas, procurava pelo grupo. Acima do tumulto, pairava a ânsia pela farra, e amarrada a ela, feito rabiola na pipa, uma sensação de que haveria para sempre música no ar e que a vida toda seria daquele jeito, uma vontade permanente de dançar e dar risada. É claro que depois o tempo passou mostrando a verdade, a velha chata da idade adulta desligou a música imaginária. Mas a lembrança daquela sensação, dele nunca ninguém roubou.

Você tá parecendo uma hippie grávida. Um deles observou quando se encontraram. Escarnecendo, apontava a camiseta verde e branca, estilo mesmo bicho-grilo, comprada na feira da Praça Sães Peña, tão na moda naqueles anos 80. Hoje, ao olhar fotos da época, lhe parece mesmo ridículo.

Gargalhada geral. When the moon is in the Seventh House, e um deles cantarolou a música do filme Hair.

Mandou-os para aquele lugar, eles e as mães de cada um, no linguajar próprio dos machos de 17 anos. Era a forma de dizer que se gostavam, que era muito bom estarem juntos: sacaneando e xingando uns aos outros.

Só conseguiram ônibus para depois de meia-noite, e assim mesmo para viajarem em pé. Ele sacou que dava para viajar no banheiro, sentado na privada, com janelinha e tudo.

E assim foi bem uns 70, 80 quilômetros. Quando vinha alguém apertado usar o banheiro, ele saía, depois voltava. Até que uma hora entrou um coroa. Demorou mais de 40 minutos para sair. Aí não deu mais para ficar lá dentro, teve que ir se equilibrando no corredor.

Mesmo assim, de onde estava, conseguia um pedaço de janela para ver a estrada rompendo a madrugada. A lua cheia acompanhava o ônibus e clareava vilas pobres do estado do Rio, tornava possíveis seus sonhos de garoto, deixava em aberto hipóteses improváveis, como a de encontrar naquele feriado a menina que conhecera na última festa e de quem o telefone acabou não pegando.

Lá na frente, nas primeiras poltronas, um bêbado toda hora gritava: isso é lindo Carlos Alberto! Alguém próximo, talvez tão ou mais embriagado, arrastava um trecho de bolero ou samba-canção, e o sujeito vaticinava: isso é lindo, Carlos Alberto! E quando o silêncio conseguia tempo maior que chegasse a permitir um cochilo, lá vinha: Carlos Alberto, isso é lindo!

Jamais se soube se havia mesmo um Carlos Alberto dentro do ônibus, mas durante o tempo em que a vida permitiu o convívio de todos, a beleza para eles, fosse da música, das mulheres, do dia ou da noite, possuía uma expressão que a sintetizava: isso é lindo, Carlos Alberto!

Quando chegaram, a melhor das novidades: Mário, o mais velho da tropa, espécie de gerentão sempre preocupado em dar civilidade à bagunça, esquecera a chave.

Sim, havia uma cópia na casa de um conhecido, mas quem iria bater na porta do sujeito às quatro da manhã?

Seu merda! Gritaram quase em coro, no que foram seguidos por dois ou três bêbados que se arrastavam à saída dos bares fechando. Gargalhadas tomaram o céu pleno de astros e estrelas ofuscadas pela lua iluminando também a vida.

E agora, onde a gente vai dormir? Um deles ainda perguntou quando a resposta era óbvia. Mário apontou com o nariz a areia da praia.

Olha que cama enorme!

Fizeram de travesseiros as sacolas, e de dentro delas puxaram os lençóis que no Rio as mães haviam providenciado. Ficaram assim empilhados, sete ou oito um ao lado do outro, mal protegidos do sereno. Passasse por ali o serviço social, recolheria todos para o abrigo da prefeitura.

É claro que não dormiram, no máximo dez ou quinze minutos de cochilo revezado. Quando o dia clareou, contavam piadas indecentes e disputavam quem dava o peido ou arrôto mais alto.

Saindo do mar, o sol saudava o grupo na porta de uma padaria. Caras amassadas da noite vigilante não escondiam a felicidade dos olhos quando o rapaz do balcão entregou a cada um a respectiva média com pão e manteiga. Chegou na hora em que ele e mais uns dois cantarolavam Dire Straits, ecos do Rock in Rio três meses antes. O fato é que em tudo, na música, no pão, no café, era como se houvessem mesmo entendido o recado do sol: vivam a vida, rapazes, em seus menores e mais deliciosos momentos.

Aqueles dias confirmaram seu lugar na posteridade. Dois ou três pileques de caipirinha foram curados com todos de cueca na piscina, para escândalo da classe-média do condmínio. Feito folha seca de outono, o vendaval do tempo varreu o nome da menina que conheceu no sábado numa roda de violão, mas sabe que ela – Marina ou Fabiana –  substituiu a outra, da outra festa, pois aos 17 anos as paixões duram tanto quanto um feriado.

Voltaram no domingo carregando mochilas pela rua de terra que levava à parada do ônibus, magros e abatidos com a dieta de miojo e batida de limão. A roupa de um, o cabelo de outro, nada escapava às incansáveis piadas de todos. Dá-lhe, porco! E gritavam toda hora, porque sempre havia um arrotando no fim da fila.

Pouco antes de embarcarem, um deles reparou que a lua, já minguante, nascia rosada, pois no extremo oposto o sol se despedia daqueles felizes estropiados. Dessa vez ninguém falou nada, mas é lógico que cada um pensou “Isso é lindo, Carlos Alberto!”

Totens do absurdo.

A Justiça do Distrito Federal quer instalar nos presídios dispositivos eletrônicos que permitam aos presos terem acesso às informações sobre as penas que cumprem.

A idéia, já aplicada no presídio feminino, é que o preso aperte as teclas dos equipamentos, que já estão sendo chamados de totens, e fique sabendo logo quanto tempo de xilindró ele ainda tem pela frente. Vai servir também para que ele descubra se terá direito à liberdade assistida, redução da pena e outras benesses do nosso sistema penal.

O mesmo sistema penal que deixa, em milhares de casos, o preso vendo o sol nascer quadrado mais tempo do que deveria. Parece que não há controle da Justiça, nas chamadas varas de execuções penais, de quem já cumpriu a pena e pode sair da cadeia, tentar refazer a vida lutando contra preconceito da sociedade. São milhares que continuam atrás das grades, empilhados como se fossem sacos de cimento em celas com 200 e capacidade para 20. Mas agora terão à disposição os tais totens, essa palavra da moda, entre tantas outras.

Não sei, mas às vezes as coisas no Brasil me lembram o sujeito cuja sala de casa tem infiltração nas paredes descascadas, não há sofá para sentar e a única poltrona está com o forro todo rasgado.

Mas o cara pega e compra uma TV de plasma.

Golpe baixo.

O dia inteiro pensando e nenhum assunto lhe veio à cabeça. Ouviu dizer que é golpe baixo essa coisa de tornar assunto a falta de assunto. Não chega a esse extremo. O problema é que elevar a falta de tema à categoria de tema não é novo. Paulo Mendes Campos, Rubem Braga já usaram disso, e certamente sairam-se bem melhor do que ele se sairia.

Lembra que foi um dos dois, se não se engana Paulo Mendes Campos, que narrava a angústia da hora passando, o fim de tarde batendo à porta junto com o boy do jornal que passava sempre para pegar a crônica do dia seguinte (o e-mail não acabou com os boys dos jornais, mas essa função certamente eles não têm mais, a de pegar o texto na casa do cronista). E a cabeça vazia pendia no abismo criativo, os olhos morriam no papel em branco já pegando a curvatura do cilindro da máquina. Então, o cronista descia, acendia um cigarro na portaria do prédio, ganhava as ruas até o calçadão e ia saber se as ondas lhe davam conselhos, se descobria relevâncias na areia da praia.

Outro problema é que parou de fumar há alguns anos, e bem antes disso deixou o mar para trás, fez opção pela solidão do cerrado. Morre de saudades, mas não lhe parece conveniente falar disso agora, a cidade poderia ficar magoada, achando que a culpa era dela, não seria justo da parte dele.

Perpassa os olhos nos jornais, mas se sente desanimado para escândalos. Estes amadurecem tão rápido que acabam contaminando a inspiração com sua velhice precoce. Poderia contar sobre as duas horas de vida que perdeu esperando em determinada repartição para ser atendido em seu direito de contribuinte que não atrasa um dia sequer os impostos. Mas, estranhamente, hoje a mesmice das mazelas desse país não sustenta duas frases.

Está assim, ouvindo o zumbindo do vácuo das idéias, quando a noite ergue a lua cheia acima do trânsito parado. Acaba virando lenitivo para a cabeça que comanda sem perceber o vai e volta do pé esquerdo na embreagem. Mas a lua é dos poetas, e são raros os dias em que a poesia perde tempo com ele.

A noite avança. Fosse na época em que os boys iam em casa, teria realmente problemas hoje. Faz força para se lembrar, quem disse mesmo que é golpe baixo transformar em assunto a falta de assunto?

Certamente não era cronista.

Crônica sobre a leve esperança de que as coisas estejam mudando.

Esta semana serão ouvidos os acusados de participarem da bandalheira na política do Distrito Federal. Vão depor mais de quarenta pessoas acusadas de pagar ou receber dinheiro e escondê-lo em meias, bolsas, envelopes ou mandar comprar os panetones da desfaçatez.

Pensando na relação histórica e amorosa que no Brasil os corruptos poderosos mantêm com a impunidade, é de se espantar que os envolvidos no esquema estejam atrás das grades há mais de 45 dias. Entre eles, um ex-governador e um ex-secretário de governo. Sobre este, Wellington Moraes, pesa a seguinte particularidade. Como responsável pela área de Comunicação do Governo do Distrito Federal há mais de uma década, exercia pesada influência sobre diversos órgãos de comunicação na capital do país, fazendo prevalecer, em muitos casos, o interesse de quem estivesse sentado no principal trono da política regional. Preso no complexo da Papuda, bem longe da cela individual em que Arruda – dizem – caiu em depressão, Wellington está confinado em um presídio comum junto com outros acusados pela sangria dos cofres públicos. Há informações de que ocupam a mesma cela, que ficam olhando um para a cara do outro o dia inteiro, sem a privacidade que possuíam em seus gabinetes para as conversas cujo conteúdo a sociedade descobriu pouco tempo atrás. Privacidade nem na hora de ir ao banheiro, fazem o que têm que fazer na frente uns dos outros. Imagine isso na cabeça de quem tinha o mundo a beijar seus pés.

A situação, bem melhor do que a dos presos de outros estados do Brasil, pode ter duas interpretações. Ou ainda não sabemos da missa metade do que essa gente aprontou com o dinheiro o público – e do que talvez tenha tentado para cima de alguém graúdo da Justiça-, ou o país está mesmo revendo sua postura indecente frente à impunidade.

         E antes que eu me esqueça: A Câmara Distrital vai escolher o sujeito que governará o DF até 1º de janeiro. Entre as regras para a eleição, estava a obrigatoriedade de o candidato ter ficha limpa, mas desistiram da exigência na última hora. Vai ver que se deram conta de que assim corria o risco de nenhum deles poder se candidatar.

Regras para escrever ficção.

O texto abaixo foi ao ar no bate-papo literário, quadro que faço com o poeta Alexandre Pilati todas as 2ªs feiras às 16h51, com reprise às 3ªs às 11h31, na BandNews 90,5 FM – Brasília.

 

Por Alexandre Pilati.

 

A escrita tem regras? Escrever é um ofício? Redigir um romance depende de inspiração e talento ou de dedicação, força de vontade e trabalho duro? Essas são questões que, de uma forma ou de outra, sempre estão presentes nos meios literários e não interessam apenas aos escritores, mas também a leitores sempre sedentos por descobrir como trabalham os seus autores favoritos.

Em 2007, por exemplo, o veterano escritor americano Elmore Leonard, de 84 anos, lançou um livro que teve grande repercussão entre seus inúmeros leitores e também entre escritores de todas as partes do mundo. O livro, intitulado As Dez regras para escrever ficção de Elmore Leonard, apresenta, em um texto enxuto, o que o famoso autor de livros policiais e de faroeste imagina ser o receituário básico daquele que se propôs o ofício de escritor. O livro ainda não está disponível em português, mas já é possível verificar a grande repercussão das recomendações de Leonard na Internet.

A tônica dos comentários que circulam na web é de apoio à visão “profissionalizante” do autor do famoso romance policial Jackie Brown, que virou filme nas lentes de Quentin Tarantino. Para Leonard, conhecido e venerado tanto pela extensa obra vigorosamente realista quanto pela grande qualidade dos textos, o escritor deve ser um sujeito direcionado ao trabalho duro com as palavras e à honestidade com seus personagens e suas histórias.

 

As dez regras: uma pesquisa do jornal The Guardian

Em fevereiro desse ano, o jornal The Guardian, do Reino Unido, pediu a 10 autores contemporâneos de língua inglesa que, inspirados nas regras de Elmore Leonard, indicassem as suas próprias regras, as quais deveriam ser seguidas fielmente por quem deseja escrever ficção. E o resultado, que pode ser conferido no site do periódico britânico, foi impressionante, pois há um consenso quase absoluto em torno da atitude profissional do escritor.

Quem não se leva a sério e não leva seu trabalho com seriedade e dedicação profissionais não tem futuro, segundo a totalidade dos autores entrevistados pelo The Guardian. Basicamente os autores se concentraram em regras que envolvem, de um lado, a rotina ideal do autor e, de outro, os cuidados básicos na hora de colocar as idéias no papel.  

No que se refere à rotina, todos os autores consultados parecem estar de acordo com uma regra mencionada pelo romancista Andrew Motion, que é simples e taxativa: “Trabalhe duro”, diz Motion, encerrando a sua lista de recomendações. Na mesma linha, e dando contornos empresariais ao ofício da escrita, segue Will Self, autor de Os grandes símios, publicado no Brasil pela Editora Alfaguara. Afirma Self: “Enxergue a si mesmo como uma pequena corporação de um só empregado.” Essa lógica corporativa é reforçada pela dica de Hilary Mantel, autora de A sombra da guilhotina, publicado pela Record: “Se você está certo disso [ser escritor], então arrume um contador.” Mas é Philip Pullman quem melhor resume o tino profissional que o aspirante a ficcionista deve ter. Sua regra é uma das mais originais entre todas as listadas pelos escritores consultados: “Minha principal regra é negar-me a responder pedidos como esse, os quais me afastam do meu próprio trabalho”.

 

O escritor: um ser paciente

No que se refere a métodos e técnicas da escrita de ficção, as regras elencadas são mais variadas, mas todas giram em torno da consciência que o escritor deve ter de que o seu ofício exige, sobretudo, paciência e cuidado. Annie Proulux, que é autora do best-seller Chegadas e partidas, publicado em português pela Bertrand Brasil, diz: “Escreva lentamente, à mão e apenas sobre assuntos que interessem a você.” Já Zadie Smith, autor de O caçador de autógrafos, reforça o cuidado com a concentração: “Trabalhe em um computador que esteja desconectado da internet”. Vários autores reforçaram também a importância do aprendizado e da leitura para quem deseja se tornar um bom escritor de ficção. A dica de Michael Moorcock, autor de Eis o homem, publicado no Brasil pela editora Saída de emergência, é bastante significativa: “Eleja um autor de quem você gosta e copie os seus personagens. Depois conte com eles a sua própria histórica. Assim como as pessoas aprendem a desenhar e a pintar copiando os mestres da pintura.

No fim das contas, a pesquisa feita pelo The Guardian serve para nos convencermos de que, neste século XXI, só sobreviverão os autores que não “romantizarem a sua vocação”, como disse Zadie Smith. Segundo ele, não existe um tipo de vida ideal de um escritor. O que existe é trabalho duro. É como bem sintetiza Jeanette Winterson, autora de Arte e mentiras, da editora Record: “Seja ambicioso com o trabalho e não com a recompensa por ele”. Parece ter ficado claro que autores consagrados só chegaram lá porque se concentraram em seu trabalho e não nos louros da vitória. Em literatura séria, estes louros podem demorar muito para aparecer. 

 

 

Denúncia ou apelação?

O escritor gaúcho radicado há décadas em Brasília, Lourenço Cazarré, está lançando o romance A misteriosa morte de Miguela de Alcazar. Trata-se de história policial em que o humor caminha passo-a-passo com o mistério, elemento essencial nas histórias do gênero.

O lançamento me fez lembrar de um e-mail que Cazarré mandou para sua lista cerca de um ano atrás. O escritor enumerou requisitos para que um escritor conseguisse não apenas a consagração da crítica, mas também espaço cativo nos cadernos literários dos grandes jornais. Lembro-me bem de pelo menos um desses requisitos: ser colunista de um grande jornal do eixo Rio – São Paulo e, claro, manter um blog.

A julgar pelo que se lê na literatura contemporânea, especialmente a de autores iniciantes, outro requisito parece indispensável: usar, muitas vezes sem comedimento, a violência como ingrediente principal do que escrevem. Lendo suplementos literários da grande imprensa, ou mesmo publicações apenas dedicadas aos livros, dá uma sensação de que quanto mais for a violência descrita com requintes, mais interessada será a recepção de alguns críticos especializados, mais ovacionado será o livro, saudado geralmente como impactante, mesmo que o efeito do impacto, neste caso, seja na verdade apenas o de um profundo mal estar do leitor.

Como agentes dessa violência, não basta aos personagens serem apenas violentos. Devem, preferencialmente, ser também doentios, compostos a pretexto de revelar os abismos da alma humana. Se acharam a frase bonita, informo que não é minha. Li alguma vez em qualquer resenha ou entrevista de algum autor.

Esses personagens, que posam de complexos psicologicamente, não agem apenas no campo da violência. A perversidade sexual, por exemplo, está também entre os temas ao quais recorrem bastantes autores. Muitos, inclusive, não disfarçam a pretensão de pensar que estão apresentando um verdadeiro tratado psicológico em seus contos e romances. São acolhidos por alguns críticos, que propagam como densas histórias que tranquilamente poderiam receber o carimbo de apelativas. E como ontem tratamos de sensacionalismo, é de se pensar se não fazem na literatura o que é feito nos jornais taxados como populares.

A literatura precisa falar de violência. Necessita abordar desvarios do ser humano, os desvios de conduta na seara da sexualidade ou em qualquer outra precisam mesmo ser tratados pelos escritores. Mas talvez seja nosso papel na sociedade propor nesses casos discussão e reflexão, e não almejar despertar o leitor pela náusea, pela repulsa.

E por falar em reflexão, O filho eterno, de Cristóvão Tezza, fica para nós, escritores, como tal. É dos livros mais contundentes de que se tem notícia nos últimos tempos, e arrebatou todos os prêmios sem, em nenhuma linha, agredir o leitor.

PS: Outra palavra da moda na imprensa: avaliar. Ninguém acha, considera, analisa mais nada. Todo mundo, segundo a imprensa, só avalia. Pois eu avalio que há se ter muita paciência.

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