O exemplo de Gandhi aos cristãos que não alcançam Jesus

Rolling Stone - UOL
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Perguntaram a Mahatma Gandhi se ele perdoava certo ofensor seu.

Ele respondeu que não.

Diante do espanto – como podia Gandhi, aquele santo, não perdoar? -, ele explicou: não há o que perdoar, não me senti ofendido.

Estou milhões de anos luz atrás da elevação moral de Gandhi, mas como cristão não me sinto nem um pouco ofendido em minha fé e crença com o episódio de fim de ano do programa Porta dos Fundos.

Não me importa se no episódio Jesus é gay e Maria é prostituta.

Fosse passível de comprovação histórica, não reduziria o quilate de seu comprometimento com a melhoria do ser humano.

É bem mais importante para um cristão lembrar-se de que Jesus não estava preocupado com a orientação sexual de ninguém (nem com a cor da pele, nem com a própria crença).

Mais do que ofender a crença de outrem, nós, cristãos, passamos séculos matando em nome de Deus e do próprio Cristo; dizimamos povos para impor a fé que acreditávamos correta, e até hoje muitos de nós olham com preconceito, agridem ou, no mínimo, tratam debochadamente irmãos adeptos da umbanda e do candomblé.

Toda grita e celeuma em torno de A Porta dos Fundos vão bem além da questão religiosa.

É muito mais a treva que se abateu sobre esse país novamente querendo algemar e amordaçar quem não reza por sua cartilha falso-moralista.

Deixemos que cada um tenha a visão que queira ter sobre Jesus, sobre o cristianismo, sobre batata doce com ovo cozido ou sobre a zaga do Madureira.

Vamos, em vez de nos preocuparmos com o alheio, aproveitar que é natal e tentarmos pôr em prática o que ele nos ensinou.

Se por acaso seus ensinamentos estiverem mesmo ainda muito acima da nossa capacidade moral, Gandhi já é bom começo.

O grande voltou a ser grande (e tá incomodando muito por isso)

Desculpem-me falar novamente do Flamengo, mas se o seu time algum dia foi campeão da Libertadores (nos últimos minutos) no sábado e brasileiro no domingo, você sabe que é difícil deixar o assunto de lado.

Então, com licença.

1 – Essa Libertadores poderia ter sido a 3a., talvez a 4a. da história do clube.

O Brasileirão poderia ser o 9o., o 10o. quem sabe.

E poderíamos ter ainda mais duas Copas do Brasil.

Mas o Flamengo jogou no esgoto do interesse escuso dos cartolas e das péssimas administrações umas duas gerações de craques feitos em casa, como (ainda) reza o antigo lema.

Leonardo, Zinho, Djalminha, Marcelinho, Paulo Nunes e Sávio são apenas alguns exemplos que poderiam estar no patamar da era Zico e da recém-consagrada geração, que se em seus astros principais não é prata da casa, é ao menos conquista de uma administração eficiente.

E que devolveu o Flamengo à altura da sua própria história.

Correio 24 horas
Correio 24 horas

2 – Entre uma Copa do Brasil aqui, outra ali, um brasileiro ganho na marra (2009) e uns dez quilos de campeonato carioca, vivemos duas décadas de chacota, com ameaças constantes de rebaixamento e eliminações vexatórias em pleno Maracanã, nosso habitat natural.

Agora que voltamos ao nosso devido lugar, o colunista consagrado da Folha de São Paulo (jornal paulista) vem falar que a TV Globo investe no Flamengo para espanholizar o futebol brasileiro.

Quando “us curíntia”e “us parmeira” estavam mandando no futebol tupi com seus Tites, Felipões, dez cabeças de área (bagre), toque de bola pro lado e 1X0 amarrado, não tinha espanholização.

Era a decantada supremacia do futebol de “zan baulo”.

O colunista (de quem gosto, diga-se de passagem), torce pelo Fluminense e o link de sua coluna foi ovacionado por colegas meus jornalistas que respeito à bessa.

Torcedores do Vasco, do Botafogo…

Claro, claro, isenção do colunista, isenção dos leitores. Jamais pensei em dor de cotovelo.

3 – Outro colunista que admiro, até porque foi um dos maiores jogadores de todos os tempos, garante que o River tem mais time que o Flamengo, e sua coluna se preocupou com esse fato, colocando na sombra a superação rubro-negra.

O colunista, quando desfilava nos gramados, vestiu a camisa dos quatro grandes do Rio, mas é confessadamente botafoguense.

Craque que foi, deveria saber (e sabe) que no futebol nem sempre vence o melhor, ainda mais quando não é tão melhor assim.

4 – Pra encerrar, já tem gente dizendo que o Mundial Interclubes não é importante para os clubes europeus.

E realmente não é tanto quanto é para os sulamericanos.

Mas vi por aí alardearem que o Liverpool deve jogar o torneio com time reserva.

Ou seja, jornalisticamente já estão salivando (se o Flamengo chegar à final) para cuspir o escárnio – “Pô, perderam pros reservas!” – ou a inveja – “Ah, qual é! Ganharam de time reserva…”.

Ser grande (ou melhor, gigante) incomoda.

Poesia de historiador

Livro Bertran

Paulo Bertran foi talvez o historiador mais importante do centro oeste das últimas décadas.

Devorei o seu A História da Vida e do Homem no Planalto Central, difícil de encontrar até na Estante Virtual.

Há cerca de dois anos, descobri o poeta maravilhoso que ele foi, que nada ficou devendo ao historiador.

Ler e rir

Ao longo de três dias comecei e parei três livros (três romances).

Cheguei, no máximo, à página 50. E desisti.

Como para mim ler é quem nem remédio de pressão para hipertenso – não passo um dia sem -, deixei um pouco de lado a dedicação dos últimos tempos aos autores contemporâneos e me socorri dos consagrados.

Deu certo mais uma vez, agora com Bukowsky (Veríssimo, Rosa, Machado, Fernando Sabino, John Fante já me prestaram socorro em outras ocasiões).

Pulp

Pulp, o último livro do autor, que morreu em 1994, estava na fila da minha estante há quase dois anos, intocado.

Comecei a menos de 24 horas, não cheguei à página 50 e já asseguro que é uma das melhores e mais divertidas obras desse alemão criado nos Estados Unidos e um dos maiores críticos do american way of life, mesmo que pareça não ter tido em momento algum a real intenção de sê-lo.

Os personagens de Bukowsky acentuam o lado escatológico das pessoas, o que no lugar de causar repulsa, os aproxima do leitor (ao menos os que não se acham acima das necessidades humanas); tomam porres homéricos e vivem se envolvendo em encrencas por causa da dívidas de jogo.

Mas o que me ganha é que contam tudo isso – e outro tanto mais – de maneira extramente divertida, engraçada (Pulp já me arrancou três ou quatro risadas maravilhosas), algo do que tenho sentido falta em autores contemporâneos, a maioria nacionais.

Não obstante a qualidade (muitos do que li são muito bons, até já citei por aqui), me parece que falta a capacidade de fazer o leitor rir, rir de chamar a atenção de quem está do lado, seja pela escatologia e pelo sarcasmo (caso de Bukowsky, por exemplo), seja pelo inusitado das situações (como Fernando Sabino em O Grande Mentecapto, para citar um clássico).

Tenho lido muita coisa boa que bate forte no racismo, no machismo, na desigualdade social, por exemplo, que fala de relações familiares difíceis, quando não doentias.

Tudo fundamental nos dias de hoje.

Mas é também fundamental uma boa risada, até por causa de todas essas mazelas e misérias sobre as quais precisamos escrever e ler, para que sejam combatidas.

Vai vendo

Arma

Na Flórida, estado de muitos eleitores brasileiros, um rapaz quis fazer surpresa no aniversário do padrasto.

Se escondeu atrás da porta, esperando ele chegar.

Quando o padrasto chegou, o rapaz pulou de trás da porta para abraçá-lo.

O Padrasto sacou uma arma, atirou e matou o rapaz (enteado, não esqueçam).

Tá vendo como é importante andar armado?

E se fosse um assaltante? Ele estaria prevenido.

Dica de cinema

Hebe Camargo era programa para mãe e pai, vó e vô.

Portanto, quando ela estava no auge, para mim era apenas uma perua louraça que não falava nada que interessasse a um moleque de seus 16, 17 anos.

O filme que está em cartaz serve para resgatar a figura da apresentadora, inclusive para gente como eu, profissional da comunicação.

Se ela foi mesmo o que a telona mostra, Hebe Camargo é digna de nosso respeito e nossa admiração por sua coragem e sua luta contra a censura e pelo direito de as pessoas serem o que querem ser, a começar pela sexualidade.

Tudo bem, ela fazia campanha pro Maluf, mas é um filme sobre um ser humano, não sobre uma divindade às portas da perfeição.

TV Foco
TV Foco

No papel da apresentadora, Andréa Beltrão dá uma aula, uma baile, um show, um espetáculo de gala de interpretação. Marco Ricca faz o mesmo.

O filme já valeria por isso, mas a razão principal é mesmo a história, ainda mais nesses tempos em que a liberdade de expressão voltou a ser tão ameaçada.

Burocroparasita

al-akhbar.com
al-akhbar.com

Tenho três multas de trânsito para pagar.

Duas foram aplicadas pelo Detran do Distrito Federal, já que foram cometidas em vias urbanas.

A outra, pelo Departamento de Estradas de Rodagem, o DER, pois a infração foi em uma rodovia.

Poderia aqui, pra começo de conversa, questionar por que dois departamentos para cuidar exatamente da mesma coisa ( o trânsito), mas vou direto ao meu problema.

Uma das multas (a do DER) pode ser paga no Banco do Brasil e na Caixa; as outras duas (do Detran), apenas no Banco do Brasil. Como eu não tenho conta no BB, ‘bora ali na agência lotada, que eu não tenho mais nada pra fazer na vida?

Deixo igualmente de lado qualquer suspeita que eu possa ter de favorecimento (entenda-se corrupção) no fato de que um banco público arrecada para um órgão do governo e não arrecada para o outro, sendo que os dois fazem o mesmo trabalho e oneram, em meu caso, o contribuinte pelo mesmo motivo.

Atenho-me apenas à burocracia e pergunto: qual a chance de um país assim dar certo?

Para você entender

capitalismo-selvagem

Uma nota no jornal O Estado de São Paulo informa que bancos beneficiados por um programa chamado Proer devem ao país R$ 28 bilhões.

O Proer, para quem não sabe ou não se lembra, foi um programa feito com açúcar e com afeto pelo 1º governo de Fernando Henrique.

A desculpa é que eles haviam perdido muito dinheiro com o fim da inflação (comprovação histórica de que o sistema financeiro é mesmo predatório).

A grana é devida pelos Bancos Nacional e Econômico, os dois falidos, embora não conste que seus ex-proprietários estejam morando nas ruas.

Se os bancos que existem já são tratados com extrema leniência pelo Estado, imagina os que desapareceram.

E se perderam muito dinheiro na época, com o muitíssimo que eles devem agora daria para fazer uma bela festa na educação e na saúde, incluindo aí o saneamento básico.

Entenderam agora por que quem ganha dois salários mínimos de aposentadoria e por que o reajuste todo ano do salário mínimo desequilibram as contas públicas?

Qual a utilidade de Suzane?

Suzane

Leio em algum site de notícias que estão fazendo um filme sobre Suzane Von Richthofen, aquela que matou a família e foi ao cinema, só que na vida real.

Na verdade são dois filmes, sendo que um deles traz a versão do irmão sobre um dos maiores dramas familiares a que o Brasil assistiu.

Respeitados os devidos limites legais, cada um faz filme sobre o que quiser, e cada um assiste aos filmes que bem desejar.

Mas penso cá comigo que há outros brasileiros que se a vida fosse parar na telona seria de muito mais utilidade para a sociedade.

O interesse científico em se entender a mente ardilosa de alguém que engendra um plano para matar os pais certamente se satisfaz e se completa com o estudo acadêmico, dentro das universidades.

É pouco provável que o cinema traga à luz algum esclarecimento inédito da ciência, nos levando à conclusão de que o objetivo ao mostrar a vida de Suzane deve ser unicamente estourar as bilheterias, menosprezando a função social que o cinema, como arte, deve ter.

Para melhorar um país perdido no presente, de futuro incerto e ignorância aguda sobre seu passado não precisamos de um filme sobre uma psicopata.

Bacurau e o emocional nacional

Adoro Cinema
Adoro Cinema

Bacurau escarafuncha várias das mazelas brasileiras.

O filme fala de armamentismo, eugenia, preconceito, discriminação, desprezo do brasileiro pelo brasileiro e subserviência da elite branca ao imperialismo, do qual se julga parte mas por quem é vista da mesma forma como ela própria vê o Brasil de Minas para cima.

Faz ainda referências sutis ao despreparo da Polícia e outras bem diretas ao parasitismo da politicagem regional para com o povo miserável.

Mostra uma reação pra lá de compreensível de quem é subjugado, explorado e humilhado nesse país há mais de cinco séculos.

Uma reação que chega a dar vontade de comemorar da poltrona refrigerada do cinema.

Mas é um filme muito violento, que faz os de Tarantino parecerem filmes da Xuxa.

São duas horas de cenas bastante impactantes em um país já tão massacrado pela barbárie do tráfico, das milícias e da Polícia.

Saímos do cinema exauridos pelo baque de tanta brutalidade, pensando se não haveria outra maneira de tocar nessas mazelas sem tanta bala e tanto sangue, e acabamos por concluir – sem invalidar o filme – que Bacurau se afasta de sua pertinência (que é imensa) entrando na prática atual do ódio contra o ódio, algo que está esgarçando o emocional nacional.

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