*

Às vezes leio algumas coisas que me dão vontade de parar de escrever, pois fico com a impressão de que tudo já foi escrito, e que nada mais resta a dizer.

Preste atenção no texto abaixo, de Eduardo Galeano, e tente entender o que estou dizendo.

“Foi batizado à beira-mar. E no batizado, ensinaram-no o que é sagrado. Recebeu um caracol pra que aprendesse a amar a água. Abriram a gaiola de um pássaro preso: para aprender a amar o ar. Deram-no uma flor de gerânio: para aprender a amar a terra. E deram também uma garrafinha tampada: não abra nunca, nunca. Para aprender a amar o mistério.” (Eduardo Galeano)

A 1ª Biografia de José Saramago é lançada no Brasil.

Por Alexandre Pilati*

 

Já está à venda, ao menos pela internet, a 1ª biografia do escritor português José Saramago, de 87 anos. A expectativa pela edição brasileira é grande, uma vez que a obra já foi muito bem sucedida em Portugal, onde foi lançada em 21 de janeiro. A editora Leya, responsável pelo lançamento, apostou alto no sucesso do livro e preparou uma luxuosa 1ª edição com tiragem de 20 mil exemplares.

A redação de Saramago: uma biografia ficou a cargo do escritor português João Marques Lopes, que já escreveu outras biografias de grandes clássicos portugueses, como Fernando Pessoa e Eça de Queiróz.

O que se pode esperar dessa biografia de Saramago.

Nas 284 páginas do livro, o leitor vai encontrar não apenas fatos relativos à obra de José Saramago. Estão contempladas lá histórias pessoais e pouco conhecidas do grande público, como, por exemplo, o fato de que o primeiro emprego do autor português foi de serralheiro mecânico. A vida política de Saramago é também radiografada, destacando-se aí episódios como o do veto sofrido pelo livro O evangelho segundo Jesus Cristo, que concorria ao Prêmio Literário Europeu. Quando foi lançado em 1991, esse romance foi acusado pela Igreja Católica de desvirtuar os evangelhos canônicos, numa tentativa de promover censura à obra. Em resposta à ofensiva católica, Saramago promoveu, junto com o Governo Cavaco Silva, por intermédio da secretaria de cultura, contestações a todo tipo de censura a criações artísticas no mundo inteiro.

Outros relatos interessantes são aqueles em torno do primeiro romance que Saramago escreveu, aos 25 anos, em 1947, e que se chamava Terra do Pecado. Durante muito tempo, esse romance ficou esquecido e renegado pelo próprio autor, sendo reintegrado oficialmente à sua obra no final dos anos 90, com a reedição pela editora Caminho.

Um dos autores mais importantes da língua portuguesa

Saramago tem uma das mais exuberantes obras literárias em língua portuguesa do final do século XX. Respeitado entre os acadêmicos e verdadeiro best-seller internacional ele é um dos poucos autores que consegue manter uma marca de grande qualidade em quase tudo que produz.

Apesar de escrever cônicas, peças de teatro e poesia, foi com os seus 16 romances que ele ganhou notoriedade internacional e também a indicação para o Prêmio Nobel, que venceu em 1998. Seu romance mais recente publicado no Brasil é Caim, que relata a história do famoso personagem bíblico, irmão de Abel, mais uma vez, criando polêmica com a Igreja Católica ao enfocar os mais importantes acontecimentos do Velho Testamento.

Quem quiser saber mais sobre Saramago, suas polêmicas, sua obra e sua biografia pode acessar o site da Fundação Saramago, no endereço: www.josesaramago.org

Alexandre Pilati participa comigo na BandNews FM do bate-papo literário. Às 2ªs vai ao ar às 16h51. Nas terças, você confere às 11h31. BandNews FM 90,5 – Brasília.

A primeira vez para a Europa.

Nunca teve medo de avião. Dormia na decolagem. No pouso, invariavelmente estava agarrado a um livro do qual não desprendia os olhos nem mesmo quando as rodas golpeavam a pista. Quando o solavanco da freada ameaçava despejar os passageiros de uma só vez no saguão do aeroporto, ele ia e voltava com o tronco na poltrona virando as páginas como se estivesse na rede da varanda.

Então, por que isso agora? Essa tensão disfarçada lhe apertando o peito como se fosse uma braçadeira de aço; os músculos das costas, dos braços e ombros empedrados como se carregasse um piano invisível; esse gelado da boca ao estômago de aluno em véspera de prova final, de paciente grave ante o resultado da biópsia.

É que agora atravessaria o mar, o imenso mar que tantas vezes em séculos d’antanho engoliu negros, europeus e tantos degredados. E não apenas caravelas frágeis como cascas de nozes, ele pensava com a revista do ano passado nas mãos. Na capa, o avião da companhia francesa que sem explicação desapareceu no imenso nada desse outro mundo chamado oceano.

Ora, quantos aviões caíram no Atlântico ao longo dos anos? E a razão lhe cobrava sensatez. O emocional se aquietava. É claro, é claro, a morte pode nos esperar no chuveiro, com um escorregão no sabonete. Mas na hora de dormir, quando apagava a luz do quarto e a escuridão oprimia seus olhos, era o abraço do mar que sentia, o gelado e profundo abraço do oceano em um ponto há centenas de milhas da costa da África.

Voo.

Para F.F.

 

Quando foi teu último copo d’água?

O que você deixou pro final no café da manhã?

Que roupa você usava antes do último banho?

Você chegou a almoçar pela última vez?

A última vez que você pegou em dinheiro

Teu último bom dia

Quem, derradeiramente, te deu passagem no elevador?

Se eu houvesse te encontrado e reparado em teus olhos desesperadamente silenciosos,

notado que teu rosto era quase um outro

como se praticamente já não fosse mais o teu…

Quem sabe, talvez.

26.5.2010

Cardápio de lembranças.

Foi em Ouro Preto. Era um restaurante no porão de uma casa erguida por volta de 1750. Comeu observado pelos séculos, por um renitente espírito de conspiração que as pedras das paredes não amordaçaram direito. O tutu à mineira tornou ainda mais inclinadas as ladeiras onde o tempo é transeunte a descer e subir sem descanso. Esperando o prato, mandou descer uma cerveja. Ela bateu no estômago vazio e misturou um pouco os olhos, mas colocou em ordem e alegrou as idéias cansadas por oito horas de estrada.

Talvez quinze anos antes, ainda na adolescência, foi um eggcheesburger comido no trailler na praça central de Rio das Ostras enquanto não vinha o ônibus de volta ao Rio, encerrando o feriado. O sanduíche, que amortecia três dias de miojo e groselha, na verdade não carregava o gosto dos ingredientes preparados na chapa de higiene discutível. Recendia era a aventura de menino, a um certo odor encantado de vida que se quer sem medos e prudências.

Nas lembranças de estradas, há também aqueles dois ovos com pão e café preto, que nem estavam no cardápio daquela tenda na beira da rodovia, onde Minas já é Goiás e vice-versa. Foram feitos de boa vontade da dona, porque nem farelo de bolo sobrara na espelunca naquela tardinha de quase natal.

Moram ainda na memória, quentes, como se acabados de chegarà mesa, uma certa pizza calabresa devorada em par com o vinho italiano, cujo nome se embriagou de esquecimento já na calçada úmida de uma rua tranquila em Botafogo, abraçada pela névoa da frente fria que chegou no fim da noite; também o pão com bife depois de um filme de Russel Crowe no cinema, e o ensopadinho de caranguejo em frente ao mar-esmeralda de João Pessoa.

Uma das últimas peças desse cardápio de lembranças fora angariada num banco de jardim em frente ao Coliseo, sob os milênios azuis do céu de Roma. Um paninni com vinho barato comprado no quiosque e servido em copo de plástico, tão perfeito como se fosse reserva especial em taça cara de jantares em palácios.

De vez em quando, folheia esse cardápio, e parece que a vida, no geral, é apenas um prato que vai esfriando melancólico no fogão, esperando que o devore alguém que chegue em casa tarde da noite.

Então, sente uma saudade esfomeada do que realmente valeu a pena.

*

Ontem eu jantei à luz de velas.

É que teve apagão no bairro inteiro.

Estava tan solito, corazón,

feito um sapato velho

no sótão da casa onde as avós

moraran quando pequenas.

Fora eu, só o vento

e a sombra projetada dos objetos.

(As sombras que chegavam de uma noite antiga

desenhavam na parede

matrizes desassossegadas do teu corpo).

1994.

Navalha.

Não consegui terminar a tempo a crônica de hoje. Então, recorri ao baú de guardados e saquei este “poemito” escrito no remoto ano de 1985. Dêem um desconto, eu tinha apenas 17 anos. Em todo o caso, acho que é bem a cara de uma segunda-feira.

Boa semana a todos.

 

Cada dia que começa

é o corte de uma navalha.

Queira Deus que eu me valha

de todo esse sangue

empapado nos meus pés. 

 

 

Uma tabelinha entre livros e futebol no ano da Copa do mundo

Por Alexandre Pilati*.

 

Não há como fugir à regra: de quatro em quatro anos, o país inteiro se mobiliza em torno do mais importante entre todos os eventos esportivos, a Copa do Mundo, esperando que a seleção brasileira tenha sucesso e honre as tradições de bom futebol da camisa canarinho. Como sempre ocorre, muito antes do mundial começar, o assunto domina boa parte do noticiário brasileiro e diversos segmentos do mercado ficam de olho no filão que atrai milhões de espectadores para os jogos das melhores seleções do mundo. E por que teria de ser diferente com os livros?

Livros e futebol, nesse caso, não são tão incompatíveis assim. O interesse por conhecer mais do esporte e de sua história, mobiliza leitores/torcedores. Autores e editoras, por sua vez, aproveitam para apresentar projetos em que a bola e seus craques são os personagens principais.

Uma coleção de livros dedicada aos astros do futebol de todos os tempos

A editora Contexto, por exemplo, marcou um golaço editorial com a coleção Os maiores do futebol, tratando a maior paixão do brasileiro com muita seriedade em excelentes textos feitos por um time de primeira. São 9 os livros dessa coleção, que se divide em dois segmentos. O primeiro deles, que totaliza seis volumes, apresenta a história dos onze melhores jogadores brasileiros nas clássicas posições de goleiro, centroavante, lateral, volante, o sempre idolatrado camisa 10 e o sempre achincalhado treinador.

O outro segmento da coleção Os maiores do futebol reúne duas obras sobre melhores seleções: uma delas sobre as maiores seleções brasileiras de todos os tempos e outra sobre as grandes seleções estrangeiras da história do esporte. Por fim, a coleção apresenta um título que promete mostrar como o futebol no Brasil é bem mais do que um esporte, configurando-se como verdadeira síntese do país.

Dois destaques da coleção Os maiores do futebol:

Um dos títulos mais interessantes da coleção é As melhores seleções estrangeiras de todos os tempos e tem texto do jornalista Mauro Beting. O assunto, como diz o título, são grandes seleções do mundo inteiro que fizeram história nos mundiais. São mostradas equipes maravilhosas que, à sua maneira, revolucionaram a forma de jogar futebol em momentos diferentes. Com um texto envolvente feito um time bem entrosado, Beting guia o leitor num passeio pela história das Copas do Mundo. Estão apresentadas ali trajetórias de seleções brilhantes e eficientes, como a da Hungria de 1954, da Inglaterra de 1966, da Holanda e da Alemanha – ambas de 1974, a da Itália de 1982, da Argentina de 1986 e da França de 1998.

Outro livro de destaque da coleção é escrito por Sidney Garambone e tem como título Os 11 maiores volantes do futebol brasileiro. Nesse volume são apresentados os perfis de ótimos jogadores que fizeram sua carreira profissional em uma posição às vezes injustiçada. O volante é o jogador responsável pela primeira marcação aos atacantes adversários e também pela cobertura dos alas, que a cada dia estão mais atuantes no ataque. Por ter uma função mais defensiva, o volante costuma ser acusado de falta de talento e criatividade. Mas basta ver os nomes dos jogadores que aparecem no livro para desfazer esse engano. Estão entre os 11 maiores volantes, por exemplo, Paulo Roberto Falcão, Dino Sani e Clodoaldo.

Quem quiser saber mais sobre a coleção Os maiores do futebol pode acessar a página da coleção no site da editora Contexto: http://www.editoracontexto.com.br/futebol/. 

 

*Alexandre Pilati participa comigo do bate-papo litrerário na BandNews FM 90,5, em Brasília, todas as 2ªs feiras às 16h51, com reprise nas 3ªs, às 11h31.

 

Estão derrubando muitas árvores em Brasília.

O mecânico deve ser alguém em que confiamos tanto quanto no nosso médico particular. Do contrário, o que fazer quando ele nos apresenta a conta da revisão e, sem esperar que recuperemos o ar e a consciência de nós mesmos, já vai nos mostrando aquela peça que ele jura que trocou porque estava prestes a se soltar e a nos levar direto ao primeiro poste da rua? Ele pega a peça, mostra, chega a fazer cara de nojo e sacode bem junto ao nosso ouvido, dizendo “ouviu só?” E nós, desgraçados desentendidos do mundo oculto dentro do capô, balançamos a cabeça como se realmente houvéssemos escutado algum ruído na peça de metal, aliás, como se tivéssemos a certeza de que a tal da rebimboca retorcida ou carbonizada é mesmo do nosso carro.

Nos últimos dois anos, as autoridades ambientais do Distrito Federal estão jogando ao chão diversas árvores plantadas na época da capital do país. Não são frutíferas, mas oferecem generosa sombra. Isso, convenhamos, já está de bom tamanho.

Elas são de uma única espécie, a manguba. Dizem os técnicos responsáveis pelos belos jardins de Brasília, que as árvores dessa espécie estão condenadas porque foram tomadas por um tipo de cupim. O bichinho, faminto, corrói a árvore por dentro e ela pode cair de uma hora para outra. Por isso, então, a moto-serra segue cantando sem dó nem piedade.

É difícil imaginar que alguém incumbido pelo estado de zelar pelas árvores, possa querer sair por aí derrubando-as sem um motivo maior que não seja proteger a segurança do cidadão. Para o corte, eles repetem a mesma alegação há anos, e de forma convicta.

É que em Brasília os gramados e os jardins vêm sofrendo pressão nos últimos anos. A sensação que temos é que, se bobearmos, parque vira estrada e canteiro, estacionamento. Essa pressão parte até mesmo, em alguns casos, da própria sociedade. Tem muita gente que gostaria de ver sua camionete de luxo no lugar de uma mangueira frondosa.

E esta semana, quando cheguei em casa, não havia mais, em frente à minha janela, a manguba com a qual troquei confidências nos últimos dez anos. No lugar dela, o vazio no gramado, e maior ainda dentro de mim. Agora, com sua eterna ausência, o sol inclemente do cerrado açoitará a fachada do prédio.

“É o cupim, a árvore pode cair e se mata uma pessoa, os moradores entram na Justiça, vão ao jornal dizer que a gente deveria ter cortado e não cortou”, me explica o técnico do departamento de parques e jardins, fazendo cara de mecânico que mostra uma peça qualquer do carro.

50 anos em seis – Brasília, poesia e prosa.

Seis escritores que moram em Brasília lançam hoje uma coletânea de contos, crônicas e poemas. 50 anos em seis – Brasília, poesia e prosa reúne autores que, em comum, possuem o fato de não terem nascido na capital do país, mas aqui fazem literatura que muitas vezes passa pela cidade, suas belezas e defeitos, sua paisagem e sua gente.

A coletânea, que tem tratamento gráfico de Bruno Schürmann, reúne poemas e crônicas do matogrossense Nicolas Behr, do paulista Pedro Biondi, do mineiro José Rezende Jr., das gaúchas Fernanda Barreto e Liziane Guazina e deste carioquíssimo suburbano que vos escreve.

O livro desliza na onda dos cinquenta anos de fundação da cidade, ainda tão polêmica meio século depois da inauguração.  

Valeu a pena construir Brasília? Aqui só tem ladrão? É uma cidade estranha para quem a vê pela primeira vez? Pela ordem de respostas: sim, não e sim. Na coletânea abordamos esses aspectos da cidade – avião pousado no mapa – e também outros, mas sem deslumbramento e sem o tratamento ufanista da literatura que anuncia Brasília como capital da esperança, que martela até hoje no sonho de JK ou rótulos irmãos. Tratamos a cidade com os humores de quem vive aqui, lembrando o passado miserável de ilusões e decepções do candango pobre que ergueu esses palácios, a preocupação com o presente/futuro da preservação urbanística e ambiental e, claro, deliciados com a natureza exótica de árvores tortas e céu que não acaba nunca.

Muita gente – o país inteiro, é bom que se diga – se junta em Brasília para tramar picaretagens. Nós nos reunimos para mostrar o que escrevemos. Aproveite, então. É hoje no T-Bone, na 312 norte, a partir das 19h.

Nos vemos lá. 

Acesse também o blog http://brasilia50anosem6.wordpress.com/

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