Por que votei na Dilma

Na metade dos anos 90, eu trabalhava no Sistema Globo de Rádio quando a empresa passou pelo chamado “choque de gestão”, expressão em voga à época. Não os detalhes, mas a filososofia do que estava por vir, foi comunicada através de um vídeo exibido na festa de fim de ano dos funcionários. Nele, o novo diretor-geral comunicava a todos que “cabeças iriam rolar” no ano que começaria. É claro que usou a linguagem polida e moderna das contemporâneas técnicas de recursos humanos, a mesma que trasnformou vendedor em executivo de vendas e mensalidade em investimento, uma espécie de tática cínica que inventa valor irreal para coisas que já possuem há tempos um valor consagrado na vida diária.

Nos primeiro meses do ano que entrou, dezenas de pessoas foram demitidas na empresa, ou melhor, “foram procurar novos desafios”, de acordo com a mesma linguagem hipócrita. Onde trabalhavam cinco, passaram a trabalhar apenas dois, sendo que destes se passou a exigir a produção de sete, afinal o “acionista precisa ter retorno”. Esse é o pensamento vigente na maioria das empresas privadas que conheço, em especial as de comunicação, onde se amontoam pessoas vencidas pelo estesse, pela depressão, pela distância que são obrigadas a ter dos filhos, pois o mais importante é que o acionista tenha retorno.

Era, aquela época, o governo Fernando Henrique, o governo que com a desculpa do “estado enxuto” consagrou a terceirização do serviço público, porta escancarada para a roubalheira que se observou, entre outros lugares, no Senado Federal.

Desde lá, passei a identificar essa postura como um dos paradigmas da filosofia tucana: existem cinco trabalhando? Então vamos demitir três, e contratarmos um com a metade do salário daquele que ganhava menos. Sempre reconheci nela, na filosofia que prega a tal “liberdade de mercado”, total desprezo pelo elemento humano feliz e tendo seu trabalho reconhecido e valorizado. Isso, é claro, quando falamos da base, do funcionário médio que compõe a maioria de uma empresa, pois quando a tal filosofia chega aos andares da diretoria, ela se desfaz em altos salários e privilégios contraditários ao discurso que prega a satisfação do acionista.

Poderia enumerar, ao longo da história, diversos fatos que formaram minha convicção política – a mesma que tem noção de que Lula e Dilma estão bem longe da perfeição, e de que foi bem saudável para democracia que a tucanada tenha vencido em São Paulo e Minas, por exemplo – , mas ficaria um texto muito longo para a internet.

Portanto, essa visão, adquirida a patir do que vivi (e vivo) na carne, fica como minha declaração de voto.

PS: Apenas para não deixar passar em branco essa história da Dilma Guerrilheira. Do jeito que condenam essa parte do passado dela, é de se entender, então, que corretos estavam os que torturavam, inclusive, mulheres grávidas, não é mesmo? Por favor, vamos ter um pouco de noção, ao menos, de nossa história recente.

A vida começa agora

 

O último café 

O último copo d’água

Até mesmo a derradeira ida ao banheiro.

E finalmente – e bem devagar –

O último olhar sobre tudo o que

a partir dali se trancaria para sempre  

no quarto silencioso e escuro do passado.

A contralongevidade

A escola em que minhas filhas estudam permite que a comemoração dos aniversários seja feita no intervalo das aulas. Não há como negar o lado econômico e prático dessa história. Poupa-se o dinheiro com o aluguel do espaço e do investimento nas pequenas mega produções que se tornaram as festas infantis. Sem falar que a presença de convidados é garantida, pois da outra forma chama-se 20 para que cinco compareçam, entre outros motivos pela dificuldade que as pessoas têm de conviver e se “freqüentarem” nos dias de hoje.

O problema é que a gurizada sai da escola pelo menos uma vez por semana entupida de balas, chicletes e empanzinada de docinhos e salgadinhos, na maioria das vezes do tipo que faz cem metros rasos numa piscina de óleo fervente. Então, em casa, são duas óperas: a primeira é fazer com que as pequenas comam o que realmente interessa para o crescimento, e a segunda é dispensar no lixo ao menos a metade de toda aquela porcariada colorida, para que eu não gaste no dentista com elas o que a mãe do coleguinha economizou na festa.

Já que a indústria decidiu que não é suficiente sair da festinha apenas com um chapeuzinho e uma língua de sogra, como era na minha infância, que tal apenas um pouco de criatividade das mães que organizam as tais lembrancinhas da festa? Um brinquedo bem besta ou um livrinho bem simples podem substituir essa montanha de açúcar e esse mar de química que as crianças invariavelmente levam para a casa após cantar parabéns para os amiguinhos.

Nos últimos anos, os avanços da ciência e da medicina elevam cada vez mais nossa estimativa de vida. Já é cada vez mais possível – e até provável, dependendo do caso – morrer com 80 ou até 90 anos. O problema é que cultuando o açúcar e submissos ao ataque da indústria do colesterol – Mac’s e etc – talvez estejamos na contramão da longevidade, jogando pela janela o árduo trabalho de médicos e cientistas.

Pequenas mudanças repentinas 2

Nunca havia reparado em Luíza.

Até que ela se espreguiçou na fila do café,

Esticou os braços para cima,

E por longos três segundos deixou à mostra

Um palmo de abdômen.

Quanto voltou ao normal,

Já era a mulher da vida dele.

Ai de ti, Brasília!

Na coletânea Brasília – 50 anos em seis, prosa e poesia, lançada em maio e da qual faço parte ao lado de, entre outros, Nicolas Bher e de um dos Jabutis deste ano, José Rezende Jr, um de meus contos fala de um desembargador de um alto tribunal do país que humilha um simples faxineiro que se esmera como pode para lustrar o chão da corte. O conto é uma ficção que se apóia em uma situação para lá de possível, embora os personagens, e a própria história, não tenham sido criados a partir de ninguém específico nem de determinada situação.

Mas poderia ter sido. Caso eu ainda não houvesse escrito, bem poderia buscar matéria prima na notícia publicada no blog do jornalista Ricardo Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/ ). Ele conta sobre um estagiário demitido sem qualquer motivo, e por isso mesmo de maneira absurda, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ari Pergendler. O rapaz perdeu o estágio apenas porque estava na fila do caixa eletrônico atrás do ministro justamente no dia em que vossa excelência deve ter acordado mal do fígado, achando que a vida é mesmo uma porcaria, pois nem o mundo nem ninguém está a altura de um homem tão importante para a humanidade quanto ele.

Além da Brasília da corrupção e da bandalheira, existe uma outra cidade calada, que não aparece nos jornais, mas que é bem conhecida de quem mora aqui. É a Brasília da posição social, do status, a Brasília que te classifica de acordo com o endereço, marca e ano do carro, colégio dos filhos, que acha pequeno um salário de R$ 5 mil e barato um par de sapatos de R$ 300. É uma Brasília – que não é a cidade toda – que estranha e se incomoda com o bom dia no elevador, que não dá passagem no trânsito, onde o motorista de táxi não conversa com o passageiro e o vizinho se empenha em ignorar o da frente.

Uma das crônicas mais famosas de Rubem Braga é Ai de ti, Copacabana!, uma visão do apocalipse no bairro, com o lugar engolido por seus próprios vícios e vaidades. A partir do texto do velho Braga, é fácil viajar do litoral ao cerrado. Fechada em si mesmo, essa Brasília vai construindo mansões e comprando carrões e barcos, e sem se dar conta vai definhando milionária e entediada, procurando a cada dia ser mais arrogante do que ela própria.

Dobradinha

 O jornalista Rodrigo Leitão postou em seu blog (www.gourmetbrasilia.blogspot.com) várias informações sobre a tripa à moda do Porto, comida portuguesa naturalizada brasileira com o nome de dobradinha. No texto, temperado com “suculentas” fotos, você fica sabendo a história, o modo de preparo, os vinhos que caem bem com o prato e os restaurantes aqui em Brasília que servem a iguaria, para a qual, aliás, muita gente vira a cara e o estômago.

O post, na verdade, é o texto que foi ao ar no quadro Giro Gastronômico da BandNews FM – 90,5, e que o Rodrigo apresenta todas às quartas e sextas às 12h45. Nele, meu amigo e companheiro de redação diz que é uma homenagem a mim. Tudo porque outro dia, numa daquelas conversas que entremeiam a loucura dos noticiários, eu disse que gostava de dobradinha, ou melhor, que um dia gostei de dobradinha. Após anos de exageros gastronômicos, minha filosofia alimentar agora passa um tanto longe da carne vermelha, mais ainda das vísceras do boi.

Mas dela, da dobradinha ou da tripa, continuo guardando deliciosa memória afetiva. Era um dos pratos que minha mãe cozinhava aos domingos, e que em torno dele se juntava a família na casa em que morávamos, no bairro do Grajaú, nos distantes anos 70. Dentro de um panelão, hoje sexagenário, iam a dobradinha, o feijão branco e generosos pedaços de paio e cenoura. Hoje sabemos que entrava também um ingrediente que não aparecia na cor ou no gosto da comida, mas que atravessou o tempo: o amor da cozinheira pelos comensais.

Ao longo dos anos, nos empanturramos não apenas de dobradinha, mas de rabada com agrião, cozido, macarrão, risoto, bacalhoada e galinha, pratos que ganhavam vida dentro daquele caldeirão, devorados em meio à algazarra de família grande. Hoje, a velha panela está longe do fogão, esquecida no fundo do armário da casa de minha irmã. Tornou-se ainda maior do que era, pois agora somos menos e mais distantes, comemos fora ou então, práticos e modernos, pedimos delivery. Nada mais se cozinha no caldeirão, além, é claro, de uma imensa saudade em fogo brando.

Criança como se era

Cerca de um mês atrás, ganhei da própria Ana Cristina Melo seu livro infanto-juvenil Caixa de Desejos. Aberto o envelope, ele ficou na mesa do computador, engrossando a pilha dos livros a serem lidos, e que se forma pelo nosso desleixo. Aguardou humilde e pacientemente sua hora de ser lido, não usou seu pistolão – minha amizade virtual com a autora – para obter qualquer preferência na fila.

Até que, já de bagagem nas mãos rumo ao aeroporto – a porta do apartamento aberta, o táxi esperando – “convidei-o” para ir ao Rio no último feriado. Afinal, carregar um tijolaço como Os miseráveis – que estou relendo – não é lá muito cômodo quando se “pica a mula” com três crianças pequenas e mais sei lá quantas malas. Esbelto, o livro de minha amiga embarcou comigo.   

Caixa de Desejos é aquele tipo de livro que encurta uma viagem de avião, e não nos deixa lembrar da revista de bordo da Gol. De forma ágil, Ana Cristina Melo conta a história de Marília, uma pré-adolescente que cultua a memória da avó e é apaixonada pelos livros – lê e escreve compulsivamente, como fazemos nos verdes anos. De quebra, ganha logo no início da história uma meia-irmã que ela não conhecia.

O acerto do texto é não descambar para um vocabulário que compusesse não um personagem, mas sim um estereótipo. Marília – nome histórico em nossa literatura – não fala “caraca véi” em momento algum. O texto é simples e acessível à faixa etária a que o livro se destina, sem que com isso precise “desensinar” os leitores a falar e a escrever.

Mas o grande mérito de Caixa de Desejos está na própria personagem. Marília conquista muito mais pelo que não é, do que propriamente pelo que é. É bem saudável haver na literatura infanto-juvenil uma menina que vive a sua própria idade, sem a obrigação necessária de se tornar adulta e mulher fatal antes da hora. Marília não pinta a cara, não usa batom, não se equilibra em sapatos de saltos altos. Os cabelos de Marília são os cabelos de uma menina de seus onze, doze anos: neles, a sociedade doente não a obrigou a chapinha, alisamento ou escova definitiva. Marília não envelheceu antes da hora, sua sexualidade virá de acordo com a natureza, e não imposta pela mídia. Marília também não bate pernas em shopping, não é viciada no MaCdonald’s. Alegre, espera o bolo de laranja da mãe no final da tarde, coisa de um tempo em que ser criança, era apenas ser criança.

De volta a Brasília, Caixa de Desejos foi para a estante, em lugar honroso, esperar, com a altivez dos bons livros, que minha filha mais velha tenha a idade de lê-lo. Enquanto isso, vou me esforçando, nadando contra a corrente para que minha pequena tenha muito de Marília.

O teria e o suposto

A pressa com que o jornalismo é feito serve de desculpa para muitos erros que nem sempre – ou quase nunca – são corrigidos, ou corrigidos de forma que os prejuízos provocados pela gafe sejam recuperados.

Mas desconfio que não se possa pôr apenas na conta da pressa a opção pelo “jornalismo do teria e do suposto”. As duas palavras empesteiam os textos jornalísticos há alguns bons anos sem preferência por veículos. Invadem as páginas, as ondas do rádio e as telas, tanto de nossas TVs quanto de nossos computadores. E também não credito isso tão somente à pobreza vocabular de profissionais que não sabem escrever sem usar outras palavras sobre uma falcatrua não confirmada ou um fato ainda incerto.

Hoje em dia, se Antônio liga para uma redação dizendo que tem uma denúncia “cabeluda” contra Armando, se dá a ele ouvidos e crédito, mesmo que em momento algum Antônio apresente nada de concreto ou documentado provando o que diz saber sobre o outro. Quanto a este, consegue apresentar sua defesa muitas vezes – e às vezes não – na correria de um fechamento ou na histeria de um noticiário prestes a entrar no ar. Mas nada que receba acuidade no tratamento, rigor e cuidado na verificação dos fatos, levantamento de informações que comprovem ou desmintam aquilo que pode jogar na lama a reputação de uma pessoa.

Em tempos normais, isso ocorre pelo afã de dar a notícia em primeira mão, sair na frente do concorrente, correria típica da profissão, cujo combustível na atualidade é muitas vezes a falta de experiência dos jornalistas, inclusive nos cargos de chefia.

Isso em tempos normais.

Em época de eleição, parece que outros fatores andam a alimentar o “jornalismo do teria e do suposto”.

No Rio de Janeiro

Para Clarice.

 

Nos olhos espanto-extasiados

da menina de Brasília,

coube o mar inteiro

de Ipanema ao Leblon.

Rolar para cima