Panela para o que precisa de panela

Fonte: objetosdedesejo.com
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Fico sabendo pelo portal Metrópoles, um bom site de notícias locais do Distrito Federal, que em determinada loja do mercado Oba os funcionários estão adulterando o prazo de validade de mercadorias perecíveis.

Se por exemplo o suco de laranja vence hoje, o encarregado, com ordens superiores, vai lá e maquia a validade, para vencer amanhã.

O Oba é um mercado que além de verdurão e açougue tenta também ser adega e rotisserie. O que consegue, de fato, é cobrar mais caro do que os outros. É o típico lugar em que os clientes se acham pessoas importantes porque fazem compras ali.

Não sou disso, mas mandei uma mensagem pro site contando que poucos meses atrás, em outra loja do mesmo mercado, funcionários me confirmaram que um lote de vinho estava sem etiqueta de preço porque eles iriam remarcar ainda naquele dia. Ou seja, iriam colocar preço novo num vinho comprado junto ao distribuidor por preço antigo.

Uma leitora comentou minha informação dizendo que isso é normal em qualquer país do mundo, começando pelo mercadinho da esquina.

E eu digo que isso é desonestidade em qualquer país do mundo. Começando pelo mercadinho da esquina.

E é também um ótimo motivo (e real) para se bater panela.

Sim, mas qual é o problema com a zona de conforto?

patricinhaesperta.com.br
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Há alguns anos aprendi que nem tudo que é novo é bonito.

E que nem toda mudança é pra melhor.

Recentemente, eu vivia uma das mais felizes experiências de minha vida profissional.

Ia pro trabalho cantando, planejando coisas, pensando, alegre, em como trabalhar melhor e fazer melhor o trabalho da equipe.

Não queria, não precisava mudar.

Estava feliz e ponto.

Até que veio um convite. Do tipo desafiador.

Titubeante – totalmente – em aceitar, ouvi logo “Mas é um baita desafio, você vai fugir?”, e também a mais óbvia das frases do tal mundo corporativo: “Isso é pra você abandonar a sua zona de conforto”.

Abandonei a tal “zona de conforto”, que não existia, pois cada dia era um dia diferente, e fui atrás do novo desafio, sendo que onde eu estava era desafiado diariamente a ser melhor.

Fui e só colhi frustração, e, claro, ensinamentos, como em tudo que nos acontece.

Entre estes, o de que se você está feliz, não é zona de conforto. É o lugar certo, o seu lugar, não há nada de errado.

Me considero de esquerda, mas não refuto a inciativa privada.

Ela deve e precisa existir, é justo que haja, mas a cada ano mais que envelheço e adquiro experiência como homem e profissional, me convenço de que a tal zona de conforto – embora exista realmente em sua concepção original – é uma grande desculpa do capitalismo devorador de vísceras para sugar mais e mais o sangue e chupar os ossos do trabalhador, seja ele o funcionário da limpeza ou o grande executivo.

“Abandone sua zona de conforto! E venha produzir mais e mais e mais para engordar ainda mais meu bolso e os de mais três ou quatro que acumulam mais da metade das riquezas do planeta”.

Juro que consigo enxergar isto nos discursos dos livros sobre liderança, gerenciamento e outras chatices afins.

Te fazem se sentir um acomodado, uma vitória-régia boiando em água parada para que você se levante e vá lá dar um pouquinho mais do seu sangue e da sua carne para eles.

Você não é obrigado a aceitar desafios. Aceitá-los não te fará necessariamente feliz. Rejeitá-los, não é sinal de que você é acomodado. Ou covarde.

Na hora de aceitar um convite profissional, se você estiver feliz onde está, pense bem se você vai deixar a sua “zona de conforto” para sustentar a zona de conforto (e cobiça e exploração) de todo um sistema nefasto.

Se ser feliz é estar satisfeito onde se está e com o que se está fazendo é zona de conforto, que possamos ficar confortavelmente felizes no nosso canto, com os desafios que ele nos propõe todos os dias.

Cadê Francisco?

É impressionante como a imprensa brasileira dá pouco destaque ao Papa Francisco, especialmente quando seus discursos abordam aspectos sociais e econômicos.

Aos conservadores e reacionários João Paulo II e Bento XVI era dado sempre espaço, mesmo que eles não trouxessem em suas declarações e discursos nenhuma novidade sobre suas posições atávicas em relação à sociedade.

Nunca vi um Papa levar ao mundo, de maneira tão clara, crua e genuína as ideias que o Cristo pregou, e que foram deturpadas ao longo da história pelos interesses dos poderosos.

Esse discurso foi feito ontem, quarta-feira de cinzas, abertura da quaresma, e onde encontramos ele nos sites dos grandes jornais?

Tudo bem, Francisco, você não precisa da mídia para se fazer entender.

Sua mensagem será captada pelo coração dos justos.

Continue assim.

Abaixo, o link de uma das poucas matérias feitas sobre o discurso do Papa na abertura da quaresma.

http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/papa-pede-que-terra-e-dinheiro-voltem-a-ser-para-todos

A (bem) possível felicidade do menos

www.camilapaier.com.br
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A moça me conta que quando passou no concurso para o banco foi trabalhar em agência, no atendimento.

Logo descobriu que era o que gostava de fazer.

Gostava de atender pessoas, de resolver o problema delas, de ajudá-las.

Gostava de gente, de conviver com gente.

Quando foi transferida de cidade, surgiu a oportunidade de crescer na empresa, de chegar à diretoria.

Mas ela não queria.

Queria continuar na agência, resolvendo problemas de pessoas.

O marido reclamou, disse que ela não poderia perder essa chance de crescer, de ser mais, de ganhar mais e ser ainda mais feliz.

Mas ela já era bem feliz na agência porque ajudava pessoas, porque gostava de gente.

O marido disse que ela não poderia continuar com menos, continuar sendo menos dentro do banco.

E ela aceitou crescer no banco, chegar à diretoria.

Mas nunca mais foi tão feliz quanto era na agência.

Resolvendo os problemas das pessoas.

Coitada dela, das pessoas que não tiveram mais a sua ajuda.

Mas, acima de tudo, coitado do marido e da sociedade, que acham que a gente nunca pode ser feliz ganhando menos e sendo menos.

Notas

pordentrodamidia.com.br
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1 – Porque é carnaval, lembro-me de uma história sobre João Saldanha, contada por sua enteada Maria Flávia Penna. Ele achava que era muito fácil fazer rima em samba enredo, era só pegar o nome da avenida onde fica o Sambódromo do Rio, a Marquês de sapucaí, e meter lá pelo meio da letra um ti ti ti, um sapoti, um fi fi fi. “Queria ver se a avenida se chamasse Almirante Cochrane…”, dizia o velho João.

2 – Liberdade, teu nome (também) é bicicleta.

www.planetasustentavel.abril.com.br
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A ternura que pertuba

A exposição ComCiência está em cartaz no CCBB Brasília / inroutes.com
A exposição ComCiência está em cartaz no CCBB Brasília / inroutes.com

A exposição ComCiência, da artista plástica australiana Patrícia Piccinini, é impactante em vários aspectos.

Por motivos óbvios, o aspecto visual é o primeiro deles.

O segundo impacto, bem mais suave, é quando percebemos que aos poucos fomos envolvidos pelo amor e doçura expressos nos traços perfeitos dessas estranhas criaturas.

Onde deveríamos sentir repulsa, palpita a ternura – mesmo que ainda tomada de estranhamento -, porque, embora feitas de material sintético, as esculturas transmitem vida. Muita vida. Devido à exatidão dos traços, nem é preciso tanta imaginação assim para considerarmos que elas respiram e podem se virar para nós a qualquer momento, sorrindo e dizendo algo.

O outro impacto é quando sabemos que uma das intenções da artista foi denunciar práticas como racismo e xenofobia.

O choque ocorre porque, num primeiro momento, não cabe em nossa cabeça qualquer ligação entre aquelas formas perturbadoras e esses tipos de posturas abomináveis.
Mas isso é só num primeiro momento, pois logo logo a gente percebe a relação direta entre a expressão das figuras e o recado pretendido pela artista.

O último impacto, ao menos no meu caso, é sentido no final da exposição, e permanece por várias horas depois. E é ele o mais perturbador. É quando a gente fica sabendo que a exposição também se propõe a discutir pesquisas e mutações genéticas.

E depois que passa a vontade de rir porque lembramos da lenda da figura do cheester e da carne do hambúrguer do MaCdonald’s, sobrevêm receio, angústia.

É que a ficha cai e a gente para pra pensar se em algum dia, em alguma sala secreta de algum laboratório, tudo isso que inspirou Patrícia Piccinini já não aconteceu, acontece e vai acontecer muito mais.

As outras dores de uma imagem estúpida

LEONARDO ARRUDA/ www.metropoles.com
LEONARDO ARRUDA/ www.metropoles.com

O que mais dói nem é a imagem do corpo do pai assassinado em um assalto na porta do colégio dos filhos, enquanto esperava para pegá-los na cidade do Guará, a uns 20 minutos de Brasília (sim, pra espanto da TV Globo, há coisas que não acontecem apenas no Rio de Janeiro).

Pelo que os jornais deram, o homem havia pego o carro novo na concessionária pela manhã, e depois foi buscar os filhos, uma menina do ensino fundamental e um rapaz do ensino médio.

Com essa informação, não é difícil imaginar o pai anunciando aos filhos, no café da manhã: “Vou pegar vocês de carro novo!”, e a ansiedade feliz dos dois, principalmente do rapaz, que está em uma idade em que automóvel representa muita coisa, inclusive masculinidade. É claro, no dolorido flash que nos passa pela cabeça, a mãe também sorri, satisfeita com sua família em paz.

A dor maior deixa de ser a imagem em si, fruto da estupidez, o corpo estendido sob o lençol branco. O que machuca muito – principalmente quem é pai, e se põe no lugar de modo automático – é justamente a quebra dessa ansiedade feliz e sua troca abrupta pelo choque da notícia da tragédia e seu imediato sucessor, o desespero.

O que dói mais é saber o quão foi tortuoso para esse menino e essa menina, em segundos, precisarem entender que não iriam mais voltar para a casa no carro novo do pai. Que não irão mais a lugar algum com o pai, nem no carro novo, nem de avião, trem, foguete, espaçonave, tapete mágico. Apenas, certamente, em pensamento e nos sonhos mais sentidos.

Como sempre, uma imagem possui muito mais significados além daquele que uma fotografia se limita a mostrar.

Tomara que nunca volte

Giustipress
Giustipress

Caro dono do pássaro amarelo chamado calopsita, que eu nem sabia que era uma espécie de pássaro.

É com imensa alegria que digo que ele foi para o lugar aonde ele está sendo o que deveria ser desde que nasceu: livre.

Torço muito, mas muito mesmo, que nem você nem qualquer outro criador ponha as mãos nele novamente.

É claro que vão dizer que pássaro de gaiola morre quando foge ou é solto.

Eu nunca vi prova dessa teoria, propalada geralmente por quem coleciona gaiolas ocupadas.

Além do mais, em cativeiro ele também morreria mais dia menos dia, mas preso e triste, com a casa toda achando que o canto dele é de alegria e não de desespero.

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