O Pontão do Lago Sul é um dos mais belos locais de Brasília. À beira do Lago Paranoá, reúne bares e restaurantes sofisticados e, claro, bem caros em sua maioria.
Pena que a beleza do local é inversamente proporcional à qualidade das músicas que ali se escutam.
O Pontão, em minha opinião, é um exemplo de que poder aquisitivo nada tem a ver em absoluto com bom gosto, principalmente cultural.
E ontem uma das músicas, sempre tocadas em alto volume dentro dos iates e lanchas luxuosos que desfilam pela orla, me chamou particularmente a atenção.
Não pela pieguice imbecil das letras ou pela pobreza aguda das melodias e dos arranjos.
Não pelo grotesco a que a maioria dos brasileiros se acostumou, anestesiada, a ouvir.
Mas pela agressividade da banalização do ato sexual, descrito de uma forma tão grotesca e vulgar, que me senti agredido, ofendido.
Estou longe de ser santo e os prazeres físicos me chamam por demais a atenção, mas aquilo que ouvi na letra passa feito um rolo compressor por cima da dignidade das mulheres. E de uma certa forma da dos homens também, por dar a entender que todos nós agimos daquele jeito.
Se você fica insensível a uma letra que diz “transa com uma, duas, seis, dezesseis” – e o verbo usado não era transar, estou amenizando -, se você não sente ao menos um pingo de nojo, pare e pense, procure ajuda, meu/minha amigo/amiga, porque você não está com a cabeça sã.
A bordo da bela lancha de sei lá quantos mil pés, rapazes e moças brancas, filhos da boa cepa brasiliense, regalavam-se com a música (?) que a indústria fonográfica tenta nos fazer acreditar que é o canto das favelas. Favelas que por sinal ninguém ali naquela embarcação tem sequer uma migalha de noção do que sejam.
Por causa de uma criança que em companhia da mãe entrou numa exposição de arte em que havia um homem nu, o tal MBL fez um escarcéu dos infernos.
Por que, então, não tenta impedir a veiculação de uma música com esse teor?
Se existem mesmo os tais moral e bons costumes, o que ouvi neste domingo é que é, certamente, uma violação a esses ditames.
Não se trata de liberdade de expressão. É lixo embrulhado em ofensa e agressão à dignidade.
O MBL não fez nem fará nada, assim como não vejo os eleitores que votarão na boçalidade e na estupidez dizerem nada, porque o pensamento e a conduta média de todos se coadunam exatamente com o que prega a letra da música.
Quando é do interesse, vestem a capa da moralidade.
Quando não, se trancam no silêncio da cumplicidade de quem trata mulheres, negros, gays, índios apenas como material de rima para um funk barato.