O documentário sobre Jango é jornalismo puro

Para quem realmente deseja que o país mude, deve ser parada obrigatória um cinema em que esteja sendo exibido o documentário Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle.

Logo no início, há um depoimento que chama a atenção sobre o momento que o Brasil vivia quando os generais deram o golpe.

Éramos um país cuja inteligência e o talento floresciam em diversos campos da educação, saúde, artes, literatura e pensamento, movido por um forte crescimento econômico. Tudo que se busca e não se encontra atualmente.

Pelo documentário, o Brasil de 64 era aquele universitário brilhante, primeiro da sala, com emprego onde quisesse após a formatura, mas que sofreu um acidente brutal e teve a vida limitada por sequelas gravíssimas.

Então, logo nos primeiros minutos de projeção, cai por terra qualquer dúvida que ainda possa existir se os 21 anos de treva e terror fardados possuíram alguma utilidade para o país.

Mas há outros dois aspectos relevantes no documentário de Fontenelle.

Um joga luz sobre um plano pouco explorado quando se fala de Jango: seu apego com limites éticos ao poder, adjetivo que cairia bem aos políticos de hoje.

Vendo que se resistisse ao golpe nosso território seria dividido pelos EUA e haveria um banho de sangue no país, ele joga a toalha, e junto vão sua vaidade e sua biografia, a qual o documentário tenta devolver parte do reconhecimento merecido.

O outro é o aspecto jornalístico.

O expectador sai do cinema convencido de que as ditaduras sul-americanas mataram não apenas Jango, mas também JK e Lacerda.

Ele não prova isso, porque a prova definitiva não há, mas investiga, vai aos documentos da época, deixa claras as evidências e ouve pessoas pertinentes, inclusive tomando depoimentos inéditos no caso. Ou seja, lança mão de todos os instrumentos necessários para conseguir do público o que um documentário sobre a morte de um ex-Presidente da República precisa: credibilidade.

Coisa que falta ao jornalismo de hoje em dia.

Tédio com T de tecnologia – 2

Na última festa de fim de ano do colégio de minhas filhas, havia mais pais e mães na beira do palco se acotovelando para bater fotos ou filmar do que criança se apresentando.

Desde que a era digital nasceu para a fotografia, é cada vez mais difícil encontrar alguém que assista a alguma apresentação que não seja por trás do enquadramento de uma máquina amadora, celular ou smartphone.

Parece que não é mais possível que um espetáculo seja visto sem que os olhos tenham a intermediação da tecnologia.

Nada contra a fotografia e a tecnologia, menos ainda em relação à união das duas, que, inclusive, fez com que amadores feito eu descobrissem o prazer de, por exemplo, retratar as nuvens da cidade onde moro.

Mas é que alguns acontecimentos talvez precisem ser fotografados primeiramente – e às vezes apenas – pelos olhos, que são as lentes da alma.

É provável que enquanto estivermos procurando o ângulo mais adequado para capturarmos num clique aquele que julgamos o melhor momento, nosso envolvimento maior seja com a mecânica de fotografar, e não propriamente com seu objeto. E como no geral não somos profissionais, é bem possível que aquele verdadeiramente melhor momento – a rodada de saia da filha na quadrilha da festa junina, a cara engraçada do filho na pecinha de natal – não se eternize nem pela técnica da lente nem pelo misterioso mecanismo da memória.

Sem falar que uma foto pode ser esquecida na gaveta, perdida no caminhão de mudança, ou, nessa era hightech, desaparecer na falta de backup.

Já uma lembrança marcante estará conosco até nosso último suspiro de vida.

Tédio com T de tecnologia

Outro dia li em algum lugar uma paráfrase ao que John Lennon disse certa vez sobre os planos que fazemos: “A vida é o que te acontece enquanto você está vendo o celular”.

O avanço tecnológico já exige substituir celular por smarthphone.

Parece que quase ninguém emenda mais de cinco minutos de conversa sem que interrompa o papo para conferir as postagens dos últimos 30 segundos, ou se entrou mais alguma mensagem além daquelas que chegaram dez minutos atrás.

Na academia, malha-se conferindo a pequena tela, e todos com uma expressão absurdamente, grave, séria e concentrada, como se a Dilma estivesse pedindo conselhos sobre a economia ou a inflação. Sem falar na insanidade de se fazer o mesmo ao volante, com o carro em movimento.

Não me acho sujeito complicado de lidar, mas sofro do que chamo tédio das pessoas. Ou de um determinado tipo de pessoa.

Certa vez disse que esperava jamais precisar conversar com alguém que vá para a fila de madrugada para esperar a loja abrir e comprar o novo modelo do iphone. Felizmente, até agora não precisei.

Mas preciso – precisamos – conviver, mesmo que indiretamente, com os excessivamente conectados, os exacerbadamente tecnológicos com seus dedos ágeis e olhos vidrados numa tela touch screem.

E isso cansa um pouco.

Ou, no meu caso, dá tédio.

Sobre elevadores, tecnologia e inteligência

Trabalho em um prédio construído no início dos anos 70. O último dos elevadores originais foi desativado há algumas semanas.

Era daqueles revestidos de fórmica, com grandes e desgastados botões pretos de comandos analógicos e pequenas molas de pressão, perfilados num painel de aço riscado por nomes e datas perdidas nos calendários.

O uso diário por anos a fio e o costumeiro pouco caso do Estado com seu patrimônio (no prédio sempre funcionou uma repartição pública) levaram o equipamento ao limite do esgarçamento, a ponto de precisar ser colocado o aviso, contundente, mas sincero: “Lotação máxima 5 pessoas. Cuidado! Risco de despencar!”. Quando as velhas portas desajustadas abriam ou fechavam, a sensação era de que a pequena cabine iria realmente desmontar.

Dono de velhas histórias e desabonado de tecnologia, o barulhento cubículo possuía um mérito: não demorava, ou pelo menos não mais do que o aceitável.

Desativado, deu lugar ao seu moderníssimo substituto, de aço inox brilhante, luz de neon mais clara que o dia e espelhos onde as mulheres sobem ou descem ajeitando os penteados, e os homens, as gravatas. Uma gravação avisa que andar é aquele em que se parou. O andar, aliás, é escolhido antes do embarque: digita-se o número e a tecla confirma. Um espetáculo. De demora, de espera na fila, de desistência e opção de subir pela escada, dependendo de pra onde se queira ir.

Claro, o problema não é o novo equipamento, eu já sabia quando pedi a explicação. Encabulado, alguém responsável admitiu que houve erro na programação do sistema, e que agora precisam refazer tudo, mas que só dá pra fazer no fim de semana, quando não há expediente.

De tudo isso, fica a conclusão que sempre pareceu óbvia, mas que de vez em quando parece ofuscada pelo temor de que as máquinas tomem do homem o comando do mundo. A tecnologia só é fantástica se, por trás dela, houver o mínimo de inteligência que a ponha para funcionar.

Na moral, Bial, que porcaria

Estou de costas para a TV ligada e ouço a inconfundível voz do Pedro Bial anunciando as atrações do programa que ele apresenta, o tal Na moral, que me parece mais uma tentativa desesperada da TV aberta em reverter a queda de audiência dos últimos tempos.

A voz do Bial é ótima, radiofonicamente perfeita, mas é difícil descrever minha irritação quando a ouço, tal é sua identificação com o lixo que a telinha vem jogando em nossas casas nos últimos anos.

Eu não tinha, até agora, qualquer conceito formado sobre o tal Na Moral, mas a chamada do programa, que apenas ouvi, pois – repito – estava de costas, me comprova que, apesar da roupagem descolada do título e da ginga enjoativa do apresentador, é mais do mesmo da pobreza televisiva.

A quem possa interessar, o tema do programa de hoje (é hoje? Nem sei…)é o preço do corpo humano. Como não se disse com clareza o que será discutido, cheguei rapidamente a pensar que se tratava de algo relativo à prostituição, mas logo o modo “simpático e legalzinho” do Bial apresentar me esclareceu a dúvida: quanto vale o popozão da popozuda?, ele pergunta.

Já nem cabe mais discutir como um jornalista como o Bial, que para os moldes de TV era um grande profissional, derrapou na curva tempos atrás e está até agora caindo no abismo da babaquice.

O que me desanima é que a cada dia a televisão perde mais e mais oportunidades de ser um veículo pertinente, interessado em construir uma sociedade melhor.

E o que me entristece é que o objetivo é esse mesmo, não há ninguém por trás das câmeras cometendo algum engano.

Etapa queimada

Esse desejo todo de consertar o país e tentar mudá-lo a partir da execração pública dos políticos me faz pensar na cena que vi certo tempo atrás num hipermercado.

Na fila do caixa, o sujeito tomava tranquilamente uma cerveja.

Quando terminou, ainda faltava algum tempo para pagar o que havia comprado. Com a mesma naturalidade que um deputado ou senador pega um avião da FAB para viagens particulares, o homem recolheu a longneck a um canto escondido. Não manteve a pequena garrafa junto ao resto das compras que iria pagar em poucos minutos, portanto, não pagaria pelo que consumiu, daria, como deu, calote. Roubou.

Percebi em seu rosto o sorriso de malícia que um costume brasileiro, histórico e distorcido gosta de caracterizar como sendo de malandragem, mas que não é. É corrupção, que pode não ser igual em valor a que desviou dinheiro da merenda escolar e do remédio do posto de saúde, mas é a mesma no rasteiro valor moral.

Agora, que a mesmice do silêncio do conformismo volta a ocupar as ruas, é de se pensar que a melhor maneira de se mudar o país é fazê-lo em duas etapas.

Mudar a nós mesmos é uma delas.

Talvez, precipitadamente, tenhamos começado pela segunda.

A felicidade feito uma cesta de três pontos

Semanas atrás, com um velho companheiro de profissão, eu relembrava histórias dos lugares onde trabalhei, os momentos em que, para aliviar a tensão de um ofício em que o stress é ingrediente principal da rotina, homens feitos se permitiam ser moleques de escola. E daqueles que ficam depois da aula na sala da diretora.

Durante mais de três anos apresentando o programa CBN Brasília, uma de minhas diversões preferidas era arremessar bolinhas de papel no operador de áudio Bebiano Nunes, um dos melhores profissionais da área técnica do rádio com quem trabalhei.

E a diversão dele era a mesma: devolver em cima de mim as mesmas bolinhas de papel.

Certamente os ouvintes nunca notaram, mas quantas vezes eu, falando ao microfone, levei uma bolada na testa, no nariz, na orelha. O mesmo acontecia com ele, tendo que manter a rádio no ar sendo bombardeado pela minha, modéstia à parte, boa mira.

Havia até comemoração: acertar a testa e o nariz do outro era como marcar uma cesta de três pontos no basquete.

Rindo da lembrança, pensei na felicidade, se ela é mesmo uma coisa inteiriça, única, uma cidade a que se chega. Ou se é algo dividido, que vem e vai de forma espaçada, uma estrada que passa por várias cidades e nunca chega a uma em particular.

Acho que fico mesmo com as últimas hipóteses, que constroem  a minha certeza de que a felicidade pode muito bem ser acertar a testa do colega de trabalho com uma bolinha de papel.

E comemorar como se houvesse feito uma cesta de três pontos.

A carne só assa com a brasa acesa

1)Durante o calor das manifestações do mês passado, algumas mensagens criavam diálogos passados num futuro daqui a 50 anos se referindo a toda essa confusão como a revolução de 2013.

O exagero é patético, mas é inegável que os frutos vieram, embora alguns de forma atropelada, sem a devida análise que mereciam.

Quando se poderia imaginar o Congresso pensando em abrir mão do recesso ou o Senado derrubando o voto secreto em toda e qualquer situação, inclusive quando se trata da própria pele dos senadores?

O problema é que isso tudo é bem parecido com um churrasco. A gente vai lá, toca fogo no carvão, a labareda sobe, acende a brasa e a carne assa. A brasa tá acessa, a carne tá assando, mas se o churrasqueiro relaxar e deixar pra lá, a brasa apaga. E a carne – eles – só vai prestar mesmo com a brasa acesa.

2)É constrangedora a posição de alguns setores da esquerda que, em vez de aceitarem e entenderem o que aconteceu/está acontecendo, preferem desqualificar tudo, em especial com aquela história de “criados a pera e Ovomaltine”. Volto a dizer: quem foi às ruas derrubar o Collor tinha o mesmo perfil sócio econômico dos manifestantes de hoje, a diferença é que usavam camiseta e botton do PT e da CUT.

Quanto ao PT, não inventou a corrupção e precisa ter a história respeitada, mas não pode ficar agindo como aquele sujeito que, anos atrás, era o dono da festa e agora fica fazendo pirraça porque não é convidado.

3)Há assunto muito mais importante para a Presidente Dilma propor que a população responda no plebiscito. Voto facultativo e reeleição são ótimos exemplos. Mas ela perdeu uma ótima oportunidade de mostrar que está “antenada com os anseios do povo”, para usar uma expressão que os políticos adoram.

4)Quem acha que plebiscito é desnecessário tem medo da vontade popular.

Salve a Seleção!

Acho que ainda dá para escrever sobre a Seleção Brasileira. O oba oba por uma vitória como a de ontem dura até o fim da segunda feira.

1)Há um aspecto nessa seleção  que me chamou a atenção durante a Copa das Confederações e que me conquistou, me fez torcer verdadeiramente por ela ontem. É uma seleção de garotos simples, sem estrelismos, unidos em torno de um objetivo. Ali parece não haver aquela coisa de um querer ser mais do que o outro. O próprio Neymar, cuja postura me incomoda muitas vezes, estava humilde, sem posar de astro. No caso dele, a bola baixa fora de campo cresceu dentro das quatro linhas.

2)Não sei se é desmerecer a vitória ou cautela necessária, mas em excesso. Há gente falando que Copa das Confederações não é a Copa do Mundo – e não é mesmo – e que nem Alemanha nem Argentina estavam. Ok. Mas estavam a Itália, o México, que para nós é carne de pescoço, e a tão falada e poderosa Espanha. Sobre esta, pode-se até pensar se levou mesmo a sério o torneio. Pela cara de paella sem tempero que fizeram ontem depois do jogo, levaram.

3)Peço perdão pela expressão, mas o Brasil pôs o pau na mesa e gritou: são cinco títulos mundiais em cima dessa camisa amarela aqui. Se vocês tocam bem a bola, a gente já faz isso há muito mais tempo.

4)A vitória de ontem não deixa der ser, embora não vá mudar a situação, um tapa na cara de quem barra nossos idosos no aeroporto e trafica nossas mulheres pobres para serem prostitutas.

5)O país não vai ser melhor se a Seleção perder, uma coisa nada tem a ver com a outra. Nos últimos 20 anos, o Brasil avançou em diversas áreas, inclusive na democracia, e foi campeão do mundo duas vezes. Dá pra ter escolas, hospitais e ônibus bons e ensacar todo mundo dentro das quatro linhas.

6)Então, vamos continuar gritando por um país melhor?

Quero poder escolher não escolher

Caso ocorra realmente o plebiscito sobre a reforma política, a pergunta mais importante, a que mais quero responder é: você é contra ou a favor do voto facultativo?

Responderei, sem qualquer sombra de dúvida, um clamoroso “a favor”.

Escolher não querer escolher é um direito de qualquer pessoa, e por isso mesmo já é, pra começo de conversa, um princípio democrático.

Se não gosto de José nem de João nem de Chico, por que terei que aceitar que um deles deverá me representar? Pela pobreza do critério do “menos pior”? Há situações na vida em que simplesmente não há o “menos pior”, mas sim equivalência de ruindades.

O que você faria se precisasse escolher entre Jair Bolsonaro e Marcos Feliciano? O voto facultativo o livraria do sacrifício de precisar ir à urna anular seu voto.

É provável que o voto facultativo não seja posto em consulta. É algo que não interessa aos políticos, pois com a população desobrigada a votar, terá que melhorar, e muito, a qualidade dos candidatos, pois o voto terá força pelo convencimento e não pela imposição.

Quero poder, num dia de eleição, não perder meu tempo se nenhum candidato conquistou a certeza do meu voto.

Se quiser viajar, viajo, vou para a praia, me enfio no meio do mato.

Mas também o farei com outra certeza: a de que não poderei reclamar depois.

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