O diabo não é tão feio

Originalmente publicado em 2/6/2010

Na última segunda-feira foi comemorado o Dia Mundial sem Tabaco, ou seja, dia de combate ao fumo. Como geralmente só tomo conhecimento dessas datas lá pelo meia da manhã, não consigo escrever nada sobre elas no dia em que são comemoradas. Mas nesse caso vale tocar no assunto, mesmo que com o atraso de dois dias.

Fumei por 17 anos, larguei há pouco mais de seis. Tempos depois de pararmos, adquirimos a consciência que, dominado pelo vício, o fumante não consegue ter: a vida dele ficaria bem melhor sem o cigarro. E não é apenas no aspecto físico. Deixar de fumar tira um peso da consciência. Aliviado, você assiste às (poucas) propagandas de cigarro sabendo que não está mais se matando um pouco a cada tragada.

Provavelmente o que desmotiva o fumante a abandonar o cigarro é o esforço que terá que fazer. Sei que há casos e casos. No meu, é claro que foi difícil. No entanto, menos do que pensei que seria, menos do que talvez o senso comum ache que seja.

Eram 16h30 de uma sexta-feira. Tomei um café preto, acendi um Marlboro e dentro de mim falei ( em tom solene, até ) esse é o último. Estava, ali, chegando à parte mais importante de um processo iniciado cerca de um ano antes, quando passei a “desacostumar” meu organismo com a nicotina. Acordava, tomava café, e resistia até onde podia para acender o primeiro cigarro, o que, segundo os especialistas, é um dos elementos-chaves da cadeia do vício. Só fumava quando estava já babando e mordendo os dedos, tentando me pendurar no teto e de cabeça para baixo. À tarde, fazia o mesmo. Após o almoço, me “torturava” até o fim da tarde. Dessa forma, a cada dia me tornava mais forte contra o vício, conseguindo ficar mais tempo longe dele. Houve dia em que fumei apenas um cigarro, e naquela sexta-feira senti que estava forte o suficiente para dar adeus definitivamente ao vício.

No dia seguinte, não abri mão das coisas que gostava e que sempre me aproximaram do cigarro. Bebi um belo café preto encorpado de manhã e, como era um sábado, também tracei um rascante tinto chileno e uma temperada pizza calabresa. Meu raciocínio era simples. Se eu abdicasse dessas coisas durante seis, sete meses para que as tais crises de abstinência não fossem tão cruéis, quando eu voltasse a elas talvez o baque fosse mais forte e eu pudesse jogar por terra todo meu esforço. E eu estava determinado a não fazer isso.

Os dias que se seguiram foram de duelo interno entre a razão, me provando a cada segundo longe do cigarro que a minha vida ficava melhor sem ele, e a falta do alento que na verdade o fumo traz em momentos tão frequentes quanto diversos: no carro ao sairmos da garagem, depois que acabamos de escrever, a espera em algum local de compromisso profissional.

Na luta contra o dragão do vício, descobri artifícios que me ajudaram. Mastigava cravo e bebia litros d’água quando a vontade apertava muito. Fiz da corrida uma obrigação diária, para que meu espírito se convencesse de que o ar era bem melhor para os meus pulmões do que a fumaça. Mas acima de tudo, me determinei a não reduzir meu tempo de vida ao lado de minhas filhas.

Não procurei ajuda. Não recorri a chicletes, adesivos, grupos de pessoas que querem largar. Mas tudo isso é válido e a pessoa não deve se sentir menor se precisa de ajuda para largar o cigarro. Deixar o fumo é uma grande vitória, e ela tem o mesmo sabor se conquistada sozinha ou com auxílio.

Preciso ser sincero e dizer que mesmo anos depois, em algumas vezes, ainda lembro do cigarro. Não sinto propriamente vontade de fumar, mas lembro que em determinada ocasião igual eu certamente acenderia um belo mata-rato (todos são mata-ratos, não importa o preço). Mas automaticamente vem a certeza do quanto ganhei nesses anos longe do vício, o quanto me tornei mais inteiro para curtir a vida.

Tenha a consciência de que em um ex-fumante, o cigarro é um cachorro preso no fundo do quintal, um cachorro ao qual não damos comida há muito tempo, mas que apesar disso não morre. Fica lá, cada dia mais fraco e esquálido, e ainda assim às vezes ainda encontra forças para dar um latido, por mais raquítico que seja. Mas aí a gente vai lá no fundo do quintal e dá um berro “cala a boca, cachorro!”. E a vida continua a cada dia melhor.

Cultura e sabedoria

Para exercer determinadas profissões em certos patamares, talvez não seja necessário apenas a qualificação técnica, intelectual, universitária. Nem unicamente a experiência na carreira.

Há ofícios na sociedade que requerem experiência de vida. O jornalismo é um deles; a medicina, certamente, outro. Parece-me que a área jurídica – seja na defesa, acusação ou julgamento – possui igualmente essa exigência.

Certa mãe solteira reivindicou aumento de pensão alimentícia por causa dos gastos com educação e saúde e ouviu do juiz que o estado oferece escolas e hospitais de graça, portanto não deveria ser exigido do pai da criança maior sacrifício financeiro.

Como boa mãe, ela respondeu que passaria fome, mas o filho não baixaria na fila de um hospital público.

Penso que ainda cabia a ela perguntar ao meritíssimo se ele entregaria seu pimpolho à sorte do ensino público e suas intermináveis temporadas de greve, ou aos açougues caóticos gerenciados pelos governos, onde se morre feito moscas.

Em outro caso, um pai separado tentava, na Justiça, manter o acordo verbal feito com a ex-mulher permitindo que ele ficasse , além dos fins de semana legais, uma semana inteira no mês com a filha.

A ex voltou atrás no acordo e ganhou o apoio da promotora, que do alto do seus anos de especialização acadêmica e vivência de tribunais, alegou que o pai não precisa ter contato com a filha para dar os cuidados que lhe são obrigação e direito, que isso pode ser feito à distância.

Não fosse a visão míope sobre uma relação pai e filha, a postura da promotora já seria um passo na contramão da guarda compartilhada, que segundo especialistas amortece na cabeça das crianças o baque que sempre é a separação dos pais.

Quanto mais um profissional se qualifica, mais condições terá de prestar um bom serviço à sociedade. Tanto melhor será se aprender também com a vida, porque terá, além da cultura, sabedoria para aplicar ao trabalho.

Mirella, o lado mais fraco da corda

Recebo a informação de que a repórter lourinha que humilhou em Salvador um acusado de estupro foi afastada do programa Brasil Urgente e que provavelmente será demitida da Band.

A medida é fruto da grita nas redes sociais nos últimos três dias. Não fosse isso, Mirella Cunha estaria até agora entrevistando bandidos e fazendo aquilo que a imprensa muitas vezes não se dá conta de que não é seu papel fazer: julgar e, de preferência, condenar.

Mas quem tem o mínimo de experiência em uma empresa de comunicação sabe que a engrenagem não gira sozinha. Essa coisa fascinante que é produzir notícias depende de várias mãos que movem várias alavancas.

Não obstante sua postura preconceituosa como pessoa, Mirella Cunha agiu da forma como mandaram que ela agisse. Que seguisse a receita de todos os dias. O problema é que agora o bolo desandou, mas não única e exclusivamente por culpa de quem o estava assando.

Desde o final da sua primeira infância (anos 60) a televisão não se faz de improviso. É algo planejado, organizado e estruturado. Não apenas materialmente, mas também intelectualmente.

A repórter fez as perguntas que descambaram para a humilhação.

Mas alguém editou o material.

Alguém autorizou que fosse ao ar.

Outro alguém bancou(anunciou)o programa.

E, finalmente, alguém utilizou uma concessão pública para veicular preconceito e humilhação.

Portanto, em um programa de TV, quando ocorre um erro, a lista de puníveis não se limita a quem está com a cara no vídeo. Mirella era o lado mais fraco da corda, e como tal, foi o primeiro a arrebentar.

Precisa acontecer o mesmo com o lado mais forte, que aliás, a essa altura, já deve estar selecionando currículos de outras lourinhas e moreninhas.

Medidas na contramão

Um enorme engarrafamento se forma todas as noites no extenso corredor que liga o estacionamento dos fundos ao portão da frente de um curso preparatório para concursos públicos em Brasília. Há algo em comum nos carros que, no anda e para, pacientemente esperam a vez de chegar até a rua: cada um deles só transporta o motorista.

A cena expõe a falência do sistema de transportes de uma cidade que pretendeu-se planejada, pretensão essa que a cada ano esquece-se mais e mais perdida no tempo.

A situação não é particularidade de Brasília. O automóvel dominou as ruas das capitais brasileiras. A frota cresce ocupando o espaço do transporte coletivo. O limite do seu crescimento será, ao que parece, quando não conseguirmos chegar de manhã no trabalho ou à noite em casa.

E esse dia não está longe. Voltando a Brasília, estudo aponta que quase todas as vias do Distrito Federal estarão saturadas em oito anos. Falamos de uma unidade da Federação com cerca de 2,5 milhões de habitantes. As grandes metrópoles, então, já chegaram a esse lamentável estágio. Chegaram e nada continua sendo feito.

Ou melhor, é feito sim. Para piorar a situação.

Como se nada tivesse a ver com o assunto, o Governo Federal anuncia mais uma vez redução de impostos sobre vários itens, entre eles os automóveis de mil cilindradas, cujo acabamento, segurança e desempenho os fazem caros tenham o preço que tiverem, haja o desconto que houver.

É preciso estimular a economia aumentando o consumo, esse senhor que nos tornou modernos escravos de suas facilidades. Na ótica míope do mercado e das autoridades, país forte é aquele cujo povo compra – mesmo que não tenha necessidade – e se endivida – mesmo que não possa e deixe inadimplente o plano de saúde e a escola dos filhos.

Afinal, o que importa é o carro zero, mesmo que falte bem pouco para que qualquer trajeto a pé leve menos tempo do que em quatro rodas.

Para arrumar a casa

Para arrumar a casa, comece por aquelas certezas que você possuía. Coloque uma em cima da outra e desça com a pilha. Deixe-as na calçada para o lixeiro levar se ninguém quiser, pois pra você elas não servem mais. Não arrume outras para pôr no lugar. Nos dias de hoje é material que perde a validade rapidamente.

Despreze os métodos que te ensinaram de auto conhecimento. Há rios de dinheiro transbordando enquanto tua cabeça te deixa na dúvida se você é você mesmo.

Para arrumar a casa, toque fogo no livro das religiões. O maior talento delas é exigir que você seja o que você não é. Além dos mais, são feitas por homens, e homens agem ao contrário do que pregam.

Para deixar a casa em ordem, mantenha apenas os livros de Machado e Kerouac, e não se desfaça dos discos do Creedence nem dos velhos albuns de blues, pois só eles te levam ao teu verdadeiro lugar.

Credibilidade não tem mordomia

Recentemente os senadores optaram por acabar com os dois salários extras que recebiam. Claro, não foi por iniciativa própria. Tiveram que ser fustigados durante bom tempo pelo jornal Correio Braziliense, o principal da capital do país.

Antes, o veículo havia conseguido objetivo igual em outra instância do legislativo: a Câmara Legislativa do Distrito Federal, casa de horrores e ineficiência maiores que seus primos – Câmara e Senado – na esfera federal. É de se concluir, portanto, que os deputados distritais também não quiseram poupar dinheiro público por boa vontade. A decisão brotou a partir do chicote diário da imprensa.

Agora seis deputados federais resolveram abrir mão da regalia do 14º e do 15º, impensável deleite para o bolso do trabalhador comum, que se não ficar de olho perde o 13º e outros direitos. Como são 513 deputados, haja chicote jornalístico para se conseguir um pouco mais de decência também por lá.

O universo das benesses legislativas não passa somente pelo salário, e também não fica restrito à esfera dos parlamentos. Ministros e desembargadores, por exemplo, usam e abusam dos carros oficiais, sempre dos modelos mais caros, pois os mais simples, aqueles que o brasileiro médio compra em dezenas de prestações, não os servem nunca.

É impossível não comparar o mundo paralelo e desconectado da autoridade brasileira com os países onde prefeito vai trabalhar de metrô e deputados dividem um minúsculo apartamento por que não recebem auxílio-moradia. E têm a consciência de que não fazem nada demais.

No Brasil, quem exerce poder, seja político ou administrativo, precisa aprender que só terá credibilidade se abrir mão dos privilégios que a cultura do próprio poder achou, no curso da história, o direito de possuir.

O exercício do poder sem privilégios praticamente iguala quem o exerce a quem é representado.

E isso não apenas moraliza, mas deixa ainda mais legitimo o próprio poder.

A cumplicidade do twitter

Um acidente no final da noite deste domingo matou na hora uma mulher de 45 anos e a filha dela em uma das principais rodovias que cortam o Distrito Federal (http://migre.me/951ZJ).

Sobre o motorista causador da tragédia, recai a mesma suspeita de tantas outras tragédias no trânsito desse país: ele estaria dirigindo bêbado.

Por causa da insensatez de nossa lei maior, não quis fazer o teste do bafômetro e não fez, afinal a Constituição Federal não permite que alguém produza provas contra si mesmo.

Linda frase; terrível a realidade.

A responsabilidade de quem morre vítima de um motorista alcoolizado não é apenas dele próprio. Há o estado que não educa desde cedo para a segurança no trânsito e que não fiscaliza como deveria; há a propaganda maciça ligando a bebida à felicidade, principalmente a erótica, mas pouco se importando em alertar sobre as responsabilidades de quem bebe; e há também a total falta de regulamento nas mídias sociais.

Outro dia discuti, via twitter, com um usuário que avisava sobre pontos de blitz do Detran com bafômetro em locais de Brasília. Os avisos são postados em tom de utilidade pública, da mesma forma que as campanhas que abraçam causas em prol de desabrigados ou doentes. Como se fosse mesmo uma causa pela vida, como se a morte não espreitasse o caminho de quem bebe e dirige. E foge de uma blitz porque foi avisado.

E é justo que se pergunte se o motorista que ontem matou mãe e filha no dia das mães não recebeu pelo celular um ‘tweett’ informando que não deveria passar por tais e tais lugares.

Pode não ter acontecido ontem, pode, por milagre, não ter acontecido nunca, mas é inegável o potencial que o usuário de rede social, agindo dessa maneira, possui de se tornar cúmplice da destruição de uma família.

Nasci em maio de 68. Com orgulho.

 

Sou um cara de poucas vaidades, mas as que tenho me são caras.

Uma delas é ter nascido em maio de 68.

Os que viveram a época contam e a história confirma: o mundo nunca mais foi o mesmo depois dos anos 60 do século 20. E aqueles anos 60 ficaram diferentes também depois de maio de 68, a partir da quebradeira na França que buscava avançar na educação, na sexualidade e no prazer ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Maio_de_1968 ) . A França! sempre a França pra sacudir o mundo.

No Brasil, o pau começava a quebrar também, e a noite escurecia para o lado de quem insistia nessa história de democracia, liberdade de expressão e afins. O pau-de-arara salivava, aguardando a hora de entrar para as trevas da história.

Quando nasci, os Beatles estavam lançando o Albúm Branco, a mais completa obra da mais completa banda da história, responsável por boa parte da lenha da fogueira da época. Havia também os Stones gravando Jumping Jack Flash ( http://letras.terra.com.br/the-rolling-stones/68368/ ) , um dos poucos momentos em que uma banda de Rock atingiu a perfeição. Logo no primeiro verso, eles avisam: eu nasci em um furacão atravessando o fogo.

Desse lado do Atlântico, a Tropicália fazia com que o Brasil, bem ou mal, embarcasse também na doideira, para que a memória do país guardasse ao menos alguma coisa boa daqueles tempos.

Nascido em 68, tive medo do mundo se acabar em mísseis atômicos durante a guerra fria, esse pavor que EUA, Israel e ONU tentam fazer com que sintamos outra vez, demonizando o Irã.

Vi comunista desiludido perguntando o que fazer da vida quando o muro de Berlim caiu em 89.

Com brasileiro fazendo Rock de qualidade, votei na primeira eleição para presidente depois de quase 30 anos. Como repórter contei como puseram o eleito no olho da rua. Aliás, nesse posto, assisti, a menos de 50 metros, a um metalúrgico receber a faixa de Presidente da República. Mais tarde, como cidadão, também me decepcionei.

Hoje, metade da mesma França, e a Europa como um todo, quer banir do país os imigrantes cuja pele não tenha a brancura azeda da tez europeia, algo completamente incompatível com qualquer histórico de luta por liberdade, igualdade ou outra palavra que rime e esteja no mesmo campo semântico.

Já o Brasil, mais endinheirado e desmatado que o de 68, está em conflito existencial para aceitar que homens podem se casar com homens, mulheres com mulheres e que de uma vez por todas é preciso dar um jeito na situação dos negros.

Tudo isso, sem Tropicália, sem Rock’n Roll, mas esticando ao máximo o sucesso de Michel Teló, até que outro salte da lixeira cultural para os holofotes.

No futuro, alguém terá orgulho de ter nascido em maio de 2012?

E quem nos protege da incompetência?

 

Quem nos protege da incompetência?

Hoje faz três semanas que meu carro está na oficina. Pelo tempo, é de se pensar que se trata de um conserto complexo, tal como motor fundido ou acidente que o tenha amarrotado inteiro.

Não.

Trata-se apenas de uma simples, irrisória e besta troca de fechadura. De plástico, base do material utilizado cada vez mais pela indústria nacional, ela literalmente se esfarelou após quatro anos de uso.

A situação mostra que durabilidade e tempo longo ou curto são conceitos relativos no mundo de hoje, especialmente no mundo fabril.

Essa mesma indústria que encurta o tempo quando o assunto é durabilidade do que ela produz, estica-o quando se trata de fazer o consumidor esperar pela peça ser trocada.

Há três semanas as concessionárias da Fiat não conseguem que a fábrica envie uma mera fechadura para ser colocada em um automóvel que está em perfeito funcionamento, mas não pode trafegar porque não há como isso ser feito com a porta aberta.

Enquanto isso, o consumidor que apostou na marca que se vire andando de ônibus, táxi ou pegando emprestado o carro de algum parente de boa vontade (sim, existem alguns).

Meses atrás, essa novela já havia se passado comigo, apenas a atriz era outra: em vez da Fiat, Volks. Acho que ela não previu que a peça que move o retrovisor elétrico poderia se quebrar. E tome dias de espera e transtorno.

O engraçado – em tom de deboche, escárnio – é que se trata da mesma indústria que pede proteção ao Governo quando se vê ameaçada pela concorrência do exterior. Parece o valentão da escola: bate no mais fraco (consumidor) e quando vai apanhar do mais forte, corre pra mãe e pro pai.

E como os trabalhadores dessa mesma indústria formam os sindicatos que são o berço do partido do governo, é claro que a acolhida é imediata.

Sem instrumentos para tanto, o consumidor que dê seu jeito de se proteger da incompetência da indústria nacional.

Ditadura militar, ré confessa

Chega às livrarias no próximo fim-de-semana o livro “Memórias de uma guerra suja”.

Poderia passar como mais um livro sobre a ditadura militar que muito colaborou com o atraso do Brasil entre 1964 e 1985.

Mas há um detalhe que faz esse livro diferente e fundamental para que o país possa clarear as trevas desses 21 anos.

Escrito pelos jornalistas Marcello Neto e Rogério Medeiros, “Memórias de uma guerra suja” é o relato do ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social – o aterrorizante DOPS – Cláudio Antônio Guerra.

Ou seja, é a ditadura falando sobre ela mesma, e não outra série de depoimentos de quem viveu seus horrores.

Mas entre o relato do ex-delegado e os que já foram feitos por ex-militantes de esquerda, parece haver ao menos uma coincidência: a repressão era mesmo aquilo que se fala: cruel e desumana.

Pelo que pode ser lido nas agências hoje ( http://migre.me/8VZyz), Cláudio Antônio Guerra, com todas as palavras, diz que os corpos de militantes torturados e mortos foram incinerados no forno de uma usina de açúcar no Rio.

Guerra vai além. Conta que outro delegado, Sérgio Paranhos Fleury, uma das faces mais conhecidas (e temidas) do horror, foi assassinado pelo próprio esquema da repressão, pois começou a desviar dinheiro das empresas que bancavam as atrocidades (bom para os que acham que não havia corrupção na ditadura).

O livro também joga luz sobre um dos grandes mistérios daqueles tempos: a morte do jornalista Alexandre Von Baumgartem, em 1982.

O Brasil tem uma dificuldade muito grande em compreender que o futuro se conquista se o passado for conhecido, esclarecido. Punido, a depender do caso.

Uruguai, Argentina, Chile deram exemplos disso em relação a seus períodos de exceção. Titubeante, o Brasil admite apenas iniciativas tímidas como a comissão da verdade (aliás, a quantas ela anda?).

Se a própria ditadura começa a se mostrar ré confessa, o que ainda falta para o país perder o medo ou o interesse de não olhar esse passado e puni-la de verdade?

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