O templo de homens iguais (Ou o Maraca era nosso!)
Qualquer carioca que se preze possui ao menos uma história pessoal sobre o Maracanã. Nem que seja apenas sobre a chegada de Papai Noel no helicóptero.
O historiador e poeta Henrique Miranda, tricolor além de tudo, lembra o dia em que um chutão mandou a bola na geral e um torcedor a matou no peito, aparou-a no pé e aplicou o drible do elástico no PM que veio em cima dele tomar-lhe a pelota.
Eu coleciono dezenas de histórias, tais como uma decisão entre Flamengo e Vasco a que assisti em pé no último degrau da arquibancada. Por causa de tanta gente também em pé a minha frente, quando o Flamengo atacava eu esticava o pescoço pra direita para conseguir ver o lance. Quando defendia, eu fazia o movimento inverso.
Mas nenhuma de minhas histórias pessoais com o Maracanã traduz tanto o que era o espírito do velho estádio quanto a do Fla-Flu em que o lateral direito Leandro empatou aos 45 do segundo tempo.
Ele pegou de primeira um chute da intermediária, que bateu na trave, na nuca do goleiro do Fluminense (Paulo Victor) e caiu alguns centímetros para dentro, além da linha do gol. Naquela noite, pensou-se pela primeira vez que o gigante de 200 mil pessoas viria abaixo.
Eu não me lembro do estádio balançando, como disseram, tudo porque eu e um vendedor de mate nos abraçamos chorando, unidos naquela que é uma das mais sinceras alegrias masculinas: o gol do time pelo qual se torce. Ele gritava, perdendo a voz: porra, russinho, o Mengão vai me matar!
Era isso o Maracanã: um negro sem instrução e um branco prestes a entrar na universidade abraçados como os seres iguais que realmente são.
Era muito mais que um estádio de futebol, era um templo de homens iguais.
O Maracanã de hoje, mostrado semana passada, é bonito, é moderno, é funcional.
Mas, pelo que parece, roubaram-lhe a alma e a democracia.