Só acho

soninho

Cerveja artesanal é muito bom, você bebe e não pesa, acorda no dia seguinte sabendo quem é e o que fez na noite anterior.

Mas essa história de cerveja com gosto de maracujá, manga, laranja, pitanga, café… sei lá, me parece excesso de gourmetização, ou, em bom português, frescura mesmo.

E se não gostamos, nos olham nos sentenciando de antiquados, retrógrados, anacrônicos, obtusos, de mentes fechadas ao novo, fósseis de dinossauros perdidos em 1980.

O mundo de hoje às vezes me dá sono.

Dica

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Berro é o mais recente livro do multifacetado Leonardo Almeida Filho, que, além de escritor, é compositor, músico e artista plástico, e tem se tornado um grande companheiro na lida da literatura e nas discussões sobre a existência de um modo geral.

O livro ainda respira o ar da obra que o antecede, o romance Os Possessos, e embora sejam gêneros distintos, acho que o Leo foi ainda mais feliz em Berro, embora o romance tenha muito valor e valha a pena ser lido.

É que no caso desse livro mais recente, prossegue o esmiuçar das mazelas da sociedade brasileira e suas faces mais cruéis, trazidas à tona com mais intensidade de 2013 para cá e aguçadas a partir de 2018.

No entanto, em Berro, Leonardo Almeida Filho abre mão, acertadamente, de um tom panfletário que permeava seu romance, pertinente naquele caso, mas que seria excessivo em seu novo trabalho, o livro de contos.

Berro traz, em suas 145 páginas, algumas pérolas do conto contemporâneo, como O Capador, Inventário e a própria história que dá título à obra e encerra o livro. E isso para ficar em apenas três exemplos.

Não sou crítico, apenas um leitor que se intromete a dar dicas de leitura quando gosta do que lê; menos ainda entendo dos prêmios do mercado editorial, mas essa minha porção atrevida e palpiteira se arrisca a dizer que Berro tem todas as condições de disputar alguns canecos do mundo do livro.

Desperdício

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Essa foto é do restaurante Taioba, no Espaço do Servidor, no Senado Federal, em Brasília.

O que as pessoas que almoçam no local desperdiçam de comida talvez pudesse dar de comer a umas duas ou três famílias de gente que estica as mãos Brasil afora, pedindo, morta de fome, sem ter o que pôr no prato.

Se o que eu digo é achismo ou não, se meu cálculo não é exato, não sei se é o mais importante perante o flagrante de comida jogada fora em um país em que boa parte morre de fome (ou tem insegurança alimentar, para ser tecnicamente chique).

Qualquer realidade só começa a mudar a partir da nossa própria mudança (mas isso se quisermos realmente mudar alguma realidade)

(Em tempo: aquele prato ali na foto, vazio e sujo de feijão, era o meu).

Poesia como Prece 6

Livro Rogério Bernardes

O (belíssimo) livro Manual de Desinstruções, de Rogério Bernardes, é, na verdade, um grande manual de informações

Informações sobre a dor e angústia de nem sempre (ou em boa parte das vezes) ser aceito pelo que se é.

De não ser aceito em alguma medida por quem amamos e por quem também nos ama mas que, por alguma incapacidade que nem mesmo o amor consegue transpor, finge que não enxerga a verdade.

E seguem nos amando. E nós seguimos amando.

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É um livro sobre aceitação, sobre aceitar as pessoas que amamos do jeito que elas são, para que libertemos quem amamos da dor de não ser aceito, mas, antes de tudo, de libertarmos a nós mesmos de fingirmos não ver a verdade e, dentro da verdade, a necessidade urgente de lutarmos contra os nossos preconceitos.

É um livro de informação (ou de instruções, para que o paralelismo com o título seja mais exato) sobre como a bela poesia pode ser tão cortante e profunda feito chorar no escuro do quarto no meio da madrugada.

God save the Queen

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Tenho uma relação histórica com Joan Jett.

O épico álbum I Love Rock’n Roll, de 1981, foi o primeiro disco que comprei na minha vida.

Passei mais de um mês indo e voltando a pé da escola e sem merendar (alguém se lembra do verbo merendar?) no recreio para juntar dinheiro e comprar o belo vinilzão na seção de discos do Boulevard, um hipermercado que funcionava na antiga Fábrica de Tecidos Confiança (a mesma da música Três Apitos, de Noel Rosa), na Aldeia Campista, um elo perdido entre os bairros do Andaraí, Tijuca e Vila Izabel.

Juntar dinheiro um mês para comprar um disco: algo impensável para a geração dos jovens de hoje, que baixam um álbum deitados na cama, às três da manhã.

Mas essa ligação não ficou apenas na historicidade.

Acho Joan Jett uma baita vocalista/intérprete e guitarrista e adoro aquela sua eterna pinta de garota-problema, mesmo aos 65 anos.

Ela está de disco novo, Mindsets, que, pelo que acompanho, é o primeiro de inéditas em dez anos.

A mesma voz rouca e rasgada, a mesma guitarra lá em cima, com rifes que grudam, que fazem querer dançar e acelerar o carro na estrada, o mesmo tudo que sempre me conquistou como fã.
Joan Jett

Além desse álbum, no ano passado ela lançou Changeup, com versões acústicas de seus grandes hits e algumas faixas lado B.

Sim, é um disco de Rock acústico, para espanto de uma de minhas filhas: “Como pode, pai, Rock acústico?”.

Mesmo com as guitarras desligadas, a música de Joan Jett carrega a inquietude e a pulsação desse gênero que continua sacudindo demais minhas veias.

É como se as canções dissessem: “Ok, estamos apenas disfarçadas de baladas, mas somos mesmo Rock’n Roll”.

A música I Love Rock’n Roll, seu grande hit, não entrou no disco. Talvez sem a guitarra ela pareceria uma grande casa vazia, sem móveis e sem gente e Joan não quis chocar os fãs mais radicais.

Mas isso não compromete o disco. Ele é maravilhoso, como é e sempre foi maravilhosa (ao menso para mim) a rainha do Rock’n Roll.

A boa lembrança que tenho de Aracy

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Cerca de 30 anos atrás eu era repórter da TV Band, no Rio, e como meu horário se esticava até umas dez da noite, eu costumava cobrir passagens de som de shows e ensaios de peças de teatro.

Numa dessas, entrevistei Aracy Balabanian.

Ela ensaiava uma peça em que interpretava ninguém menos do que Clarice Lispector (a montagem contava a vida da escritora).

Acho que do meio artístico e entre os chamados globais foi a pessoa mais simples, simpática e luminosa que entrevistei em minha vida de repórter faz tudo.

Uns cinco anos depois, passei a compor a mesa do Sem Censura, na TVE, com Leda Nagle no comando, e ali o que não faltava era atriz/ator a dar entrevista.

Eu participava uma vez por semana e nunca calhou de Aracy estar no meu dia no programa.

Passei dois anos no Sem Censura e entrevistei dezenas de famosos da telinha.

Aracy não perdeu sua liderança no meu humilde ranking de simpatia, simplicidade e luminosidade.

Certamente isso está contando a favor dela agora, quando bate à porta do outro mundo.

Burocracia parasita

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Entre as condições exigidas para que um escritor participe do Prêmio Cidade de Belo Horizonte de Literatura estão a obrigação de que ele não tenha qualquer dívida com o Estado e que a obra inscrita seja totalmente inédita, que não tenha sido publicada nem mesmo uma parte ou um pequeno trecho.

Se quiser ser premiado, o escritor não pode estar devendo sequer uma parcela do IPTU, caso contrário a secretaria de Fazenda da cidade e do estado onde ele mora não vai liberar a tal certidão negativa de débitos, exigida pelo edital.

Além de escrever muito bem, precisa ser um excelente pagador de impostos (impostos nem sempre revertidos para sua finalidade), não interessando se esteja, por exemplo, desempregado, ou com alguma dificuldade para fechar as contas no fim do mês, algo recorrente na vida do brasileiro comum.

E também nem pode ter publicado um poeminha besta pra namorada, que faça parte do livro, na sua conta no feici búqui, cinco anos atrás, em um domingo chuvoso, que nem ele mesmo se lembra que publicou, quanto mais alguém que, por acaso, tenha lido.

Tratam a internet como se fosse uma exceção na nossa rotina, algo a que quase ninguém tem acesso.

Também na literatura, a burocracia, essa parasita da vida nacional, se puder complicar, jamais vai facilitar.

Dica

Doze Dias

Alguns dias atrás um amigo postou perguntando o que estávamos lendo.

Enumerei alguns livros, entre eles, Doze Dias, do Thiago Feijó.

Se àquela altura eu não estivesse gostando, não teria citado a obra, e se, terminado o livro, não houvesse gostado, não estaria aqui de volta para falar dele (não vejo sentido em falarmos de livros de que não gostamos).

No caso do livro do Thiago, foi o melhor romance que li este ano, ao menos até agora.

Na história conflituosa entre pai e filho, despontam sentimentos nobres, como perdão e aceitação, mesmo com toda mágoa, do que o outro foi ou não capaz de nos dar ao longo da vida.

Não é um livro alegre, pelo contrário, mas, diferentemente de outros (bons) romances contemporâneos que tenho lido, ele nos deixa bem, até certo ponto leves e esperançosos, tangendo uma sensação de que o entendimento entre as pessoas é possível, por mais que elas errem conosco, e nós, com elas.

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Quando comecei a ler os poemas do José Danilo Rangel, a impressão que tive foi a de que estava escutando alguém falar sozinho.

Sozinho e sem parar, tal o volume das palavras, das frases.

Confesso que me passou pela cabeça a imagem daqueles loucos nas praças de cidades do interior, que sobem nos bancos em frente às igrejas e fazem discursos sobre qualquer assunto, conexos ou não.

Só que na poesia do José Danilo Rangel as coisas possuem sim muita conexão; conexão com a realidade, com as dores de estarmos vivos, com a certeza da morte, com a mão de obra explorada por cada centímetro cúbico ocupado pelos donos do tal PIB.

Então, a cada poema que eu lia, eu pensava: Nossa! Como faz sentido o que esse louco aí tá dizendo.

E, além de tudo, dizendo com uma belíssima estética poética.

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Consertar enquanto há tempo

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O celular de uma de minhas filhas caiu e quebrou a tela.

É daqueles modelos baratos; custou, dois anos atrás, 700 pratas.

Há não muito tempo eu teria pego o aparelho e levado para jogar em alguns desses lugares que recolhem entulho eletrônico, reflexo condicionado de uma sociedade mercantilista que ignora, por interesse, o verbo consertar.

Dessa vez, agi diferente. Fiz um orçamento para ver se tinha jeito.

Custou pouco mais de duzentas pilas.

Teve o lado financeiro, porque, mesmo que o aparelho ainda custe 700 mangos (o que não deve custar), seria uma economia de quinhentinhos.

Para mim, que vivo do meu salário e não de lucro de ação da Petrobrás, é uma graninha que faz diferença.

Mas não é esse o ponto principal.

O principal é repensar – e muito, muito mesmo – o tal de “Ah, vale mais a pena comprar um novo do que consertar”.

Um celular consertado é menos lixo em um Planeta que, salvo engano, se a gente não consertar enquanto ainda é tempo, não haverá um novo no mercado.

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