Jornalista está cada vez mais doente

Abaixo, reproduzo o texto de Elaine Tavares sobre a triste realidade de uma categoria, a dos jornalistas. Deve ser lido não apenas por nós, profissionais de imprensa, mas também pela sociedade em geral, já que nos creditam o poder de formar a opinião dela. Com exceção dos dois últimos parágrafos, que enaltecem o papel dos sindicatos de jornalistas, que definitivamente não agem no Brasil do modo descrito, digo que o texto retrata com acuidade a situação profissional da imprensa brasileira. É um pouco longo, mas vale a pena para quem se interessa pelo assunto. 

Por Elaine Tavares.

O psicólogo, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Heloani, conseguiu levantar um perfil devastador sobre como vivem os jornalistas e por que adoecem. O trabalho ouviu dezenas de profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir do método de pesquisa quantitativo e qualitativo, envolvendo profissionais de rádio, TV, impresso e assessorias de imprensa. E, apesar de a amostragem envolver apenas dois estados brasileiros, o relato imediatamente foi assumido pelos delegados ao Congresso dos Jornalistas de Santa Catarina – que aconteceu de 23 a 25 de julho – evidenciando assim que esta é uma situação que se expressa em todo o país.

Segundo Heloani, a mídia é um setor que transforma o imaginário popular, cria mitos e consolida inverdades. Uma delas diz respeito à própria visão do que seja o jornalista. Quem vê a televisão, por exemplo, pode criar a imagem deformada de que a vida do jornalista é de puro glamour. A pesquisa de Roberto tira o véu que encobre essa realidade e revela um drama digno de Shakespeare. Nela, fica claro que assim como a mais absoluta maioria é completamente apaixonada pelo que faz, ao mesmo tempo está em sofrimento pelo que faz, o que na prática quer dizer que, amando o jornalismo eles não se sentem fazendo esse jornalismo que amam, sendo obrigados a realizarem outra coisa, a qual odeiam. Daí a doença!

Um dado interessante da pesquisa é que a maioria do pessoal que trabalha no jornalismo é formada por mulheres e, entre elas, a maioria é solteira, pelo simples fato de que é muito difícil encontrar um parceiro que consiga compreender o ritmo e os horários da profissão. Nesse caso, a solidão e a frustração acerca de uma relação amorosa bem- sucedida também viram foco de doença.

Heloani percebeu que as empresas de comunicação atualmente tendem a contratar pessoas mais jovens, provocando uma guerra entre gerações dentro das empresas. Como os mais velhos não tem mais saúde para acompanhar o ritmo frenético imposto pelo capital, os patrões apostam nos jovens, que ainda tem saúde e são completamente despolitizados. Porque estão começando e querem mostrar trabalho, eles aceitam tudo e, de quebra, não gostam de política ou sindicato, o que provoca o enfraquecimento da entidade de luta dos trabalhadores. “Os patrões adoram, porque eles não dão trabalho”.

Outro elemento importante desta “jovialização” da profissão é o desaparecimento gradual do jornalismo investigativo. Como os jornalistas são muito jovens, eles não têm toda uma bagagem de conhecimento e experiência para adentrar por estas veredas. Isso aparece também no fato de que a procura por universidades tradicionais caiu muito. USP, Metodista ou Cásper Líbero (no caso de São Paulo) perdem feio para as “uni”, que são as dezenas de faculdades privadas que assomam pelo país afora. “É uma formação muitas vezes sem qualidade, o que aumenta a falta de senso crítico do jornalista e o torna mais propenso a ser manipulado”. Assim, os jovens vão chegando, criando aversão pelos “velhos”, fazendo mil e uma funções e afundando a profissão.

Um exemplo disso é o aumento da multifunção entre os jornalistas mais novos. Eles acabam naturalizando a idéia de que podem fazer tudo, filmar, dirigir, iluminar, escrever, editar, blogar etc… A jornada de trabalho, que pela lei seria de 5 horas, nos dois estados pesquisados não é menos que 12 horas. Há um excesso vertiginoso. Para os mais velhos, além da cobrança diária por “atualização e flexibilidade”, há sempre o estresse gerado pelo medo de perder o emprego. Conforme a pesquisa, os jornalistas estão sempre envolvidos com uma espécie de “plano B”, o que pode causa muitos danos à saúde física e mental. Não é sem razão que a maioria dos entrevistados não ultrapasse a barreira dos 20 anos na profissão. “Eles fatalmente adoecem, não aguentam”.

O assédio moral que toda essa situação causa não é pouca coisa. Colocados diante da agilidade dos novos tempos, da necessidade da multifunção, de fazer milhares de cursos, de realizar tantas funções, as pessoas reprimem emoções demais, que acabam explodindo no corpo. “Se há uma profissão que abraçou mesmo essa idéia de multifunção foi o jornalismo. E aí, o colega vira adversário. A redação vive uma espécie de terrorismo às avessas”.

Conforme Heloani, esta estratégia patronal de exigir que todos saibam um pouco de tudo nada mais é do que a proposta bem clara de que todos são absolutamente substituíveis. A partir daí o profissional vive um medo constante, se qualquer um pode fazer o que ele faz, ele pode ser demitido a qualquer momento. “Por isso os problemas de ordem cardiovascular são muito frequentes. Hoje, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) e o fenômeno da morte súbita começam a aparecer de forma assustadora, além da sistemática dependência química”.

O trabalho realizado por Roberto Heloani verificou que nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro 93% dos jornalistas já não têm carteira assinada ou contrato. Isso é outra fonte de estresse. Não bastasse a insegurança laboral, o trabalhador ainda é deixado sozinho em situações de risco nas investigações e até na questão judicial. Premidos por toda essa gama de dificuldades os jornalistas não tem tempo para a família, não conseguem ler, não se dedicam ao lazer, não fazem atividades físicas, não ficam com os filhos. Com este cenário, a doença é conseqüência natural.

O jornalista ganha muito mal, vive submetido a um ambiente competitivo ao extremo, diante de uma cotidiana falta de estrutura e ainda precisa se equilibrar na corda bamba das relações de poder dos veículos. No mais das vezes estes trabalhadores não têm vida pessoal e toda a sua interação social só se realiza no trabalho. Segundo Heloani, 80% dos profissionais pesquisados têm estresse e 24,4% estão na fase da exaustão, o que significa que de cada quatro jornalistas, um está prestes a ter de ser internado num hospital por conta da carga emocional e física causada pelo trabalho. Doenças como síndrome do pânico, angústia, depressão são recorrentes e há os que até pensam em suicídio para fugir desta tortura, situação mais comum entre os homens.

O resultado deste quadro aterrador, ao ser apresentado aos jornalistas, levou a uma conclusão óbvia. As saídas que os jornalistas encontram para enfrentar seus terrores já não podem mais ser individuais. Elas não dão conta, são insuficientes. Para Heloani, mesmo entre os jovens, que se acham indestrutíveis, já se pode notar uma mudança de comportamento na medida em que também vão adoecendo por conta das pressões. “As saídas coletivas são as únicas que podem ter alguma eficácia”, diz Roberto.

Quanto a isso, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Rubens Lunge, não tem dúvidas. “É só amparado pelo sindicato, em ações coletivas, que os jornalistas encontrarão forças para mudar esse quadro”. Rubens conta da emoção vivida por uma jornalista na cidade de Sombrio, no interior do estado, quando, depois de várias denúncias sobre sobrecarga de trabalho, ele apareceu para verificar. “Ela chorava e dizia, `não acredito que o sindicato veio´. Pois o sindicato foi e sempre irá, porque só juntos podemos mudar tudo isso”. Rubens anda lembra dos famosos pescoções, praticados por jornais de Santa Catarina, que levam os trabalhadores a se internarem nas empresas por quase dois dias, sem poder ver os filhos, submetidos a pressão, sem dormir. “Isso sem contar as fraudes, como a do Diário do Oeste, em Concórdia, que não tem qualquer empregado. Todos foram transformados em sócios-cotistas. Assim, ou se matam de trabalhar, ou não recebem um tostão”.

A pesquisa de Roberto Heloani é um retrato vivo, chaga aberta, de uma realidade nacional. Os jornalistas espelhados aqui têm uma única opção: lutar de forma conjunta, unificados e dentro dos sindicatos. As derrotas vividas com a decisão do STF fragilizam e consomem ainda mais os profissionais, mas, a história humana está aí para mostrar que só a luta muda as coisas. Saídas individuais podem servir a um ou outro, mas quando uma categoria luta junto, ela vence! Assim é!

Em algum lugar o Lago é “democrático”

O projeto original do urbanista Lúcio Costa para Brasília previa que o Lago Paranoá fosse margeado por uma grande área comum, destinada a que as pessoas desfrutassem livremente da maior atração natural da capital do país. Creio eu que a idéia de Lúcio era que o Lago fosse para o morador de Brasília, e quem a viesse visitar, o que a praia é para o carioca, ou seja, referência de lazer e convivência.

A politicagem das relações na capital do país, regidas em boa parte dos casos pela promiscuidade, não permitiu a concretização de muitos dos conceitos de Lúcio Costa para a cidade. O usufruto democrático do Lago Paranoá é um exemplo. Endinheirados o suficiente para erguer mansões e “amansar” as autoridades, os milionários da cidade fecharam praticamente todos os acessos ao lago, justamente com seus casarões cinematográficos que ocupam as chamadas áreas públicas. Nos poucos pontos onde é possível se chegar à beira do Paranoá, o mato e o abandono campeiam, até porque ocupar com criatividade espaços públicos e abandonados não é um dos talentos de Brasília.

Exceção à regra é o Parque Península dos Ministros, situado no ponto mais nobre do Lago Sul, por sua vez bairro mais nobre da cidade. Lá, uma mistura de ciclovia e pista de cooper e caminhada, cercada de belíssimas árvores, permite que as pessoas curtam uma das mais belas paisagens da cidade em que nasceram ou escolheram para viver. Sua localização o torna uma espécie de crème de la crème, e por isso chega a ser irônico que justamente lá o Paranoá seja democrático do jeito que foi pensado originalmente. Aliás, não apenas o Lago, mas toda uma cidade que era para ser de todos, e que a usura transformou num privilégio de poucos.

Oito anos de FLIP

Por Alexandre Pilati*

Até este domingo o mundo literário nacional respira a oitava edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. Com a presença de autores mundialmente respeitados, como Julian Barnes, Don DeLillo e Eric Hobsbawm a primeira Festa Literária Internacional de Paraty, realizada em 2003, inseriu o Brasil no circuito dos festivais internacionais de literatura. Ao longo de suas edições seguintes, a Flip ficou conhecida como um dos principais festivais literários do mundo, caracterizada não só pela qualidade dos autores convidados, mas também pelo entusiasmo do público e pela hospitalidade da cidade.

Nos cinco dias de festa, a Flip realiza cerca de 200 eventos, que incluem debates, shows, exposições, oficinas, exibições de filmes e apresentações de escolas, entre outros, distribuídos em Flip. O que atrai mesmo a atenção do público na FLIP é ver, lado a lado, autores internacionais de renome e escritores brasileiros.

Dois destaques da Flip desse ano: Isabel Allende e Ferreira Gullar

Quem não está lá na Flip, pode aproveitar a oportunidade para conhecer ou lembrar obras de dois nomes de destaque na edição deste ano, a chilena Isabel Allende e o brasileiro Ferreira Gullar.

Com a desistência de Lou Reed, a grande atração internacional da Flip de 2010 é Isabel Allende. A peruana naturalizada chilena Isabel Allende (1942, Lima, Peru) lança na Flip seu mais novo livro, A ilha sob o mar. Depois de três anos sem publicar – seu último trabalho, A soma dos dias, foi lançado em 2007 –, Isabel volta à ficção com a história da escrava Zarifé. Jornalista desde os dezessete anos, Isabel estreou na literatura com A casa dos espíritos, em que utilizou os manuscritos das cartas que escreveu para seu avô, enquanto ele convalescia no leito de morte, para retratar os fantasmas da ditadura de Augusto Pinochet. A escritora se transformou em um verdadeiro best-seller mundial, com dezoito livros publicados em mais de trinta idiomas.

Grande nome entre os autores brasileiros, o poeta Ferreira Gullar participa na Flip de uma mesa em comemoração aos seus 80 anos de vida. Ferreira Gullar é poeta, crítico de arte, tradutor, cronista, dramaturgo e ensaísta e nasceu São Luis do Maranhão. Em 1951 mudou-se para o Rio, onde ficou conhecido pelo movimento neoconcreto, que criou ao lado de Lygia Clark e Hélio Oiticica. Sempre engajado politicamente, nos anos 60 Gullar foi presidente do CPC da UNE, filiou-se ao Partido Comunista e ajudou a fundar o grupo Opinião. Preso após o decreto do AI-5, em 1968, foi exilado, período em que escreveu sua obra mais famosa, Poema Sujo. Retornou ao Brasil em 1977 e, depois de uma nova passagem na prisão, voltou a publicar regularmente – já são mais de 40 títulos, muitos deles premiados. Em 2010, ao completar 80 anos, Gullar, que já foi indicado ao Nobel, recebe o Camões, o mais importante prêmio da língua portuguesa, e se prepara para lançar novo livro de poemas, Em Alguma Parte Alguma. 

 

Todas as segundas, 16h31, e ter’cas, 11h31, eu e Alexandre Piliati conversamos sobre literatura na BandNews FM, 90,5, Brasilia.

 

Revista Machado

Já está no ar o primeiro número da Revista Eletrônica Machado ( http://www.revistamachado.com.br/ ) .

Neste número de estreia, você confere um conto meu, O corredor.

Escrevi essa história no ano passado. Fala de um homem que disfarça a angústia do desemprego correndo pelas ruas da cidade. Estava inédito até ganhar o mundo nas páginas da Machado. Preservei-o assim até agora por causa dos concursos literários que exigem o absurdo do ineditismo do texto mesmo na grande rede.

Mas acho que tomei a atitude certa. Vale mais participar dessa linda edição da revista, do que ficar em casa, com o conto na gaveta, esperando sair o resultado de concursos que muitas vezes pecam pela importância e, quiçá, pela lisura.

O que chama a atenção é a beleza do trabalho gráfico, um show de cores fortes casadas com tipologia moderna e bem atraente, amparados por um tratamento fotográfico de muito bom gosto. Pena que, pelo custo que seria termos uma revista dessa no papel, não é possível manuseá-la. Mas é belíssima – e muito benvinda –  mesmo que somente no mundo virtual.

Confiram!

Saudades da Vila Sésamo

Morreu nesse fim-de-semana o cenógrafo Cyro Del Nero. Era o tipo de pessoa cujo trabalho tornou-se bem mais conhecido do que o próprio nome, ou seja, o que fazia era mais importante do que ele como pessoa, uma relação totalmente invertida quando se trata das celebridades de hoje em dia.

Cyro Del Nero tornou-se marco nos cenários da TV brasileira nos anos 70, e assim deverá manter-se mesmo após a morte. Eu não sabia, mas é dele a arte do clip em que Raul Seixas canta Gita, mostrado no Fantástico em algum domingo de 1974.

Eu me lembro muito bem do Raul cantando Gita. Por isso, da mesma forma, me lembro perfeitamente de um sucesso da TV em que Cyro Del Nero também assinou os cenários: Vila Sésamo. O programa foi a referência televisiva mais forte de quem nasceu no final dos anos 60, só sendo desbancado nesse aspecto em 1977, quando estreou o Sítio de Picapau Amarelo na versão com Zylka Salaberry, Dirce Migliaccio, Júlio César e Rosana Garcia.

No link com a notícia sobre a morte de Cyro Del Nero, é possível conferir alguns momentos da Vila Sésamo, tais como os impagáveis Ênio e Beto, e atuações singelas de artistas do naipe de Armando Bogus e Aracy Balabanian. Não farei o papel do saudosista que acha que tudo do passado era melhor. Hoje em dia, minhas filhas assistem a programas e desenhos igualmente interessantes (recomendo o desenho Madeleine, na TV Futura), mas a Vila Sésamo tratava criança como criança, sem desprezá-la com imbecilidades nem pretendê-la adulta para integrá-la ao mercado consumidor.

Assistindo aos vídeos do programa, é engraçado pensar que aqueles meninos e meninas que aparecem brincando junto com os atores são, hoje em dia, quarentões e quarentonas feito eu, preocupados com o que os filhos vêem na TV, e que a vida da gente não está no youtube de um modo que seja possível clicar no play para se voltar atrás quando dá saudades.

Prêmio São Paulo de Literatura: indicados e favoritos

Por Alexandre Pilati*

 

No último dia 29 de maio, foi divulgada a lista dos finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura 2010. Composto por duas categorias, a de melhor livro do ano e a de melhor autor estreante, o evento oferece R$ 200 mil a seus vencedores e após três edições já se tornou um dos mais importantes do país, sendo tomado como prévia do Prêmio Portugal Telecom. O prêmio é uma promoção da secretaria de estado da cultura de São Paulo.

Nesta terça, dia dois de agosto, numa cerimônia no Museu da Língua Portuguesa, na capital paulista, serão conhecidos os vencedores. Entre os nomes que concorrem ao prêmio principal,o de “Melhor livro do ano” estão os de Chico Buarque, João Ubaldo Ribeiro e o do angolano Ondjaki. Já na categoria “Melhor Autor Estreante” destacam-se os nomes de Carlos de Brito e Mello, Edney Silvestre, Ivana Arruda Leite, entre outros. A editora de maior destaque é a Compahia das Letras que conseguiu emplacar seis entre os vinte títulos indicados nas duas categorias.

Melhor livro do ano (2009):

Bernardo Carvalho, “O filho da mãe” (Companhia das Letras)

Chico Buarque, “Leite derramado” (Companhia das Letras)

João Ubaldo Ribeiro, “O albatroz azul” (Nova Fronteira)

Luiz Ruffato, “Estive em Lisboa e lembrei de você” (Companhia das Letras)

Ondjaki, “AvóDezanove e o Segredo dos soviéticos” (Companhia das Letras)

Paulo Rodrigues, “As vozes do sótão” (Cosac Naify)

Raimundo Carrero, “A minha alma é irmã de Deus” (Record)

Reinaldo Moraes, “Pornopopeia” (Objetiva)

Ricardo Lísias, “O livro dos mandarins” (Alfaguara)

Rodrigo Lacerda, “Outra vida” (Alfaguara)

Melhor Livro do Ano – Autor Estreante (de 2009):

Brisa Paim Duarte, “A morte de Paula D.” (Edufal – Alagoas)

Carlos de Brito e Mello, “A passagem tensa dos corpos” (Companhia das Letras)

Carol Bensimon, “Sinuca embaixo d’água” (Companhia das Letras)

Cíntia Lacroix, “Sanga menor” (Dublinense)

Claudia Lage, “Mundos de Eufrásia” (Record)

Edney Silvestre, “Se eu fechar os olhos agora” (Record)

Ivana Arruda Leite, “Hotel Novo Mundo” (Editora 34)

Ivone Castilho Benedetti, “Immaculada” (WMF Martins Fontes)

Lívia Sganzerla Jappe, “Cisão” (7 Letras)

Maria Carolina Maia, “Ciranda de nós” (Grua Livros).

Os favoritos:

Leite derramado de Chico Buarque

Texto que mostra o Chico Literário maduro. No enredo, um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador da Primeira República, até o tataraneto, garotão do Rio de Janeiro atual. A fala desarticulada do ancião cria dúvidas e suspenses que prendem o leitor. O discurso da personagem parece espontâneo, mas o escritor domina com mão firme as associações livres, as falsidades e os não ditos, de modo que o leitor pode ler nas entrelinhas, partilhando a ironia do autor, verdades que a personagem não consegue enfrentar.

A passagem tensa dos corpos Carlos de Brito e Melo

Construído de forma original, com 156 capítulos curtos, A passagem tensa dos corpos trata de um tema consagrado, a morte, com uma abordagem e ambientação surpreendentes.

O narrador-personagem, figura indefinível e incorpórea, não é visto nem percebido por ninguém. Sua principal ocupação é percorrer cidades e registrar as mortes que encontra pelo caminho. Numa dessas localidades, há um morto insepulto, cuja família não parece disposta a velar ou enterrar. Como se nada tivesse acontecido, o cadáver é mantido amarrado à cadeira na mesa da sala, a esposa e a filha se ocupam dos preparativos para o casamento da menina, e o filho do morto permanece trancado no quarto.

Hotel Novo Mundo – Ivana Arruda Leite

Hotel novo mundo é o primeiro romance da contista, blogueira e cronista Ivana Arruda Leite lança. O enredo contempla um hotel barato do centro de São Paulo, onde se cruzam as histórias de várias personagens, tendo como figura de ligação a personagem Renata, uma ex-prostituta que, traída pelo marido rico, abandona sua casa no Rio de Janeiro e transfere-se para a metrópole paulistana. Um livro em que, segundo Ignácio de Loyola Brandão, “a ironia, o sarcasmo e o humor cortante saltam desde a primeira página”.

*Alexandre Pilati participa comigo do bate-pao literário na BandNews FM 90,5 – Brasília, todas às 2ªs às 16h51, com reprise às 3ªs às 11h31.

Dentinho

Dentre as tantas lembranças que a toda hora saltavam o muro da memória da infância para as ruas da idade adulta, estava a do pai arrancando seus pequeninos e molengos dentes-de-leite. Para o velho, era tarefa simples, tal como cuspir caroços depois da bocada na melancia. Vinha com linha de costura mesmo, longe de qualquer neurose asséptica. Enlaçava o dente que cambaleava feito bêbado, e para o garoto que contraía os bracinhos por causa de alguma possibilidade de dor, fazia gracejos, dizia piadas bobas que até hoje se contam aos pequenos. Quando o menino dava por si, lá estava o dente rodando no ar, amarrado à linha ruborizada de sangue e molhada de saliva. O pai, então, punha sobre o buraquinho na gengiva um pequeno chumaço de algodão seco para estancar o sangramento. Mas o serviço só estava completo quando dava uns tapinhas no rosto do filho e dizia: parece uma velha banguela.

Agora, há quatro dias a filha o perseguia pela casa: papai, papai, meu dente tá mole, e quando ele parava para ver, ela fazia uma careta mostrando as gengivas, e com o dedinho cutucava o dente que se despedia. Meio por pressa, e um tanto por receio, se escusava: ainda não tá na hora, e desaparecia em algum compromisso do dia.

Mas naquela noite, não houve jeito. A filha o escorou no corredor entre os quartos, e cobrou dele, com a firmeza das criaturinhas de seis anos: pai, hoje você tem que arrancar meu dente. E mostrou as duas arcadas trincadas, o dentinho indo e voltando na ponta do pequeno dedo.

Ele reparou nos três outros espaços vagos. A mãe, a avó e até a babá já haviam feito o serviço do qual até aquele momento ele fugia.

E como os tempos mudaram a consciência das pessoas sobre pequenas coisas simples, foi ao banheiro e pegou fio dental, álcool e algodão. Limpou as mãos, partiu o fio, fez um laço e tentou passá-lo em volta do dente, que mesmo sem sair do lugar, escapou três ou quatro vezes. A menina se contraindo de medo dificultava o trabalho. Ela não acreditava quando ele dizia que não iria doer nada. Ele também não acreditava no pai.

Até que o laço pegou, estava pronto, era só puxar. E como alguém que pula o alto de uma escada sem pensar muito bem no que está fazendo, ele deu súbito golpe com o fio e, ato contínuo, ficou olhando o dentinho balançar no espaço, dependurado. A filha gritou, mais por susto que por dor. Ficou de boca aberta, um pouco de sangue escorrendo da gengiva, pedindo algodão para colocar no mais novo buraquinho da boca. Ele ergueu um pouco mais o dente e o fio dental avermelhado, como quem contempla um pequeno troféu. Olhou para ela: parece uma velha banguela, e sentiu-se um pouco mais pai depois daquilo.

O Bem amado

Fui assistir sem muita expectativa e até sem tanta vontade – queria ter ido ver o filme do Woody Allen – ao O Bem Amado. Esses filmes da Globo Filmes, feitos para serem exibidos na tela quente dois anos depois de estrearem na telona, sempre me desanimam um pouco.

Mas O Bem Amado merece ser visto.

A primeira razão para se assistir ao O Bem Amado são as interpretações. Marco Nanini não nos faz sentir saudades de Paulo Gracindo, ainda mais quando contracena com as cajazeiras, encarnadas nessa versão por Zezé Polessa, Andréa  Beltrão e a ótima Drica Moraes. José Wilker compôs um eca Diabo diferente do concebido por Lima Duarte na época da TV. O de Wilker é soturno e dá calafrios quando fala, como aliás cabe a um assassino. O de Lima Duarte espalhafatoso, divertido, mais adequado ao formado televisivo.

Confesso que achei o talento de Matheus Nachtergaele meio perdido em um tanto burocrático Dirceu Borboleta. Nesse caso, dá nostalgia da versão anterior, de Emiliano Queiroz, com seu impagável “óóóóóóó coroneeeeel!!!!” . O mesmo vale para o Nesinho do Jegue, repaginado com o nome de Seu Neném, mas que deixou no passado o inesquecível “Viva Odorico!” ou “Morra Odorico!”,  dependendo se estivesse ou não bêbado.

A segunda razão para se assistir ao O Bem Amado é a preservação do texto de Dias Gomes em boa parte do tempo. Isso, além de nos matar de rir, nos faz pensar com melancolia na pobreza dos textos da teledramaturgia atual. Enquanto no filme Odorico Paraguaçu brada seu bordão “ É com a alma lavada e enxaguada “, temos que ouvir nas novelas uma repetição inesgotável de expressões já encardidas na vida real, tais como “vamos combinar“ e “ninguém merece”. Pensando bem, ninguém merece mesmo.

Promoção

O site Sobrecapa começou hoje uma promoção com meu último livro de contos, A liberdade é amarela e conversível.

O Sobrecapa é voltado para a literatura nacional.

Quem toca a página valente e talentosamente é a escritora Ana Cristina Melo, incansável divulgadora do que os escritores brasileiros publicam. Recentemente, Ana estreou na literatura infanto-juvenil com Caixa de desejos.

Além do meu livro de contos, quem participar da promoção também concorre à coletânea 50 anos em seis – Brasília, poesia e prosa, lançada em maio e que, além de mim, reúne Liziane Guazina, Fernanda Barreto, Nicolas Behr, José Rezende Jr. e Pedro Biondi.

Tenho a “insuspeita” opinião de que você deveria participar da promoção.

Acesse http://migre.me/ZYZ1

Um pouco da literatura do país campeão do mundo

Por Alexandre Pilati*

 

Tendo ganhado a Copa do Mundo da África do Sul, é bem provável que a Espanha vire o país da moda nos próximos meses. Muita gente, levada pelo título esportivo, vai querer conhecer mais este país da Península Ibérica que é um dos mais ricos e fascinantes da Europa. A literatura não foge à regra e uma série de lançamentos programados para esse ano pode fazer o leitor do Brasil se familiarizar mais com a produção literária espanhola.

Entre esses lançamentos destacamos três títulos para o nosso ouvinte. O primeiro é um livro de crítica literária que é um verdadeiro mapa da literatura espanhola. Escrito pelo professor da USP Mario Miguel González, o livro intitula-se Leituras de Literatura Espanhola. Os outros dois destaques são lançamentos de autores contemporâneos espanhóis. O primeiro é Veneno y Sombra y Adiós do romancista Javier Marías. O outro é um livro escrito por Enrique Vila-Matas, intitulado História Abreviada da Literatura Portátil.

Leituras de Literatura Espanhola

Em Leituras de Literatura Espanhola, publicado pela editora Letraviva, o professor de literatura espanhola da Universidade de São Paulo Mario M. González, que é argentino de Córdoba e naturalizado brasileiro demonstra por que ele é uma das maiores autoridades em literatura medieval e espanhola do país. O objetivo do livro é “articular os momentos fundamentais da estruturação da literatura espanhola” dimensionando-os como fatos históricos. As características da literatura espanhola segundo ele, têm relação direta com o desenvolvimento peculiar da Espanha, país que deu ao mundo seu primeiro romance verdadeiramente transgressor, o Dom Quixote de Cervantes. Esse papel pioneiro se deve sobretudo à insubordinação ideológica de autores cuja independência provocou o advento de obras-primas, mas também a prisão e perseguição desses escritores. O recorte crítico do professor vai da Idade Média até o século 17, apontando as linhas mestras de uma literatura que exportou um modelo de modernidade para o mundo todo.

Veneno y Sombra y Adiós

O lançamento de Veneno y Sombra y Adiós, de Javier Marías é prometido para o mês de setembro pela editora Companhia das Letras. Este é o terceiro volume da ambiciosa trilogia Seu Rosto Amanhã, que o historiador inglês Peter Burke considera o melhor romance da década. Já foram publicados no Brasil Febre e Lança (volume 1, em 2003) e Dança e Sonho (volume 2, em 2008). Nesse terceiro volume o protagonista é um agente que trabalha para o serviço secreto britânico e foi amigo de Ian Fleming, o criador de James Bond. Mesmo assim, não se trata de um livro de ação, e sim de reflexão. Javier Marías cria um espaço filosófico onde convivem o real e o inventado, ambos com uma linguagem tão particular e que o leitor deve estar atento para descobrir onde começa a verdade e acaba a mentira nesses escritos.

História Abreviada da Literatura Portátil

Já em História Abreviada da Literatura Portátil, que a editora Cosac Naify promete lançar ainda em 2010, o escritor catalão Enrique Vila-Matas, de 62 anos, fala de uma sociedade secreta supostamente criada na África em 1924: a conjura “shandy”, da qual teriam feito parte García Lorca e Walter Benjamin. Esses escritores de “literatura portátil” tinham de manter o mesmo estilo de vida e, fundamentalmente, assumir a postura de pesos ligeiros da história literária. Inovadores, nômades e insolentes, eles seriam um pouco como o próprio autor Vila-Matas, herdeiros de um espírito transgressor que fez os espanhóis incendiarem a literatura dos séculos 16 e 17.

Alexadre Pilati e eu conversamos sobre literatura toda segunda-feira, às 16h51, na BandNrews FM, 90,5, com reprise às terças-feiras, às 11h31.

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