Sobre câncer de mama

Sem ter há anos notícias sobre uma velha companheira de trabalho, sou surpreendido por uma mensagem na rede social pedindo corrente de orações por ela.

Logo em seguida, fico sabendo que está na UTI de um hospital no Rio, perdendo a batalha para o câncer de mama.

A imagem da companheira risonha e dedicada à profissão vai sendo roubada, então, aos poucos, por uma doença que mata cerca de dez mil mulheres por ano no Brasil, geralmente acima dos 35 anos.

Não sei se o caso dela é de descuido, diagnóstico errado em algum momento ou qualquer fator genético que a tenha jogado nos braços de uma doença cuja prevenção começa com o autoexame.

Mas sempre que se toma conhecimento de um caso, vem o ímpeto de cuidar para evitar outros.

A ditadura da beleza a qualquer preço empurra as mulheres para academias e centros de estética, ditando como fundamento do bem estar o corpo malhado, a magreza, o seio empinado, as pernas firmes, o bum bum esférico e endurecido. Poderiam aproveitar a força que possuem e conscientizarem as mulheres sobre o câncer e seus periféricos, como o HPV, por exemplo. Prestariam  serviço à beleza, mas principalmente à vida.

De que adianta ginástica, dieta, escova no cabelo, roupa da moda, silicone aqui e ali e pele esticada se a mulher não cuidar do inimigo invisível que pode estar agindo dentro dela, sem que ela perceba?

Mães, esposas, namoradas, amantes, filhas, amigas! Não têm importância a ruguinha no rosto, a bundinha mais caída, o peitinho mais embaixo, a estria que escapole do biquíni.

Nós não queremos vocês perfeitas!

Nós queremos vocês vivas!

Ao nosso lado!

Os limites da TPM

Escrevi outro dia sobre isto: idosos que, por causa da prerrogativa justa que possuem de ter preferência, não se acham no dever de dizer ao menos obrigado quando lhes cedemos o lugar no transporte público ou a passagem no elevador.

Nenhum direito nos desobriga da educação.

O mesmo vale para manifestações físicas e seus “mau estares”.

Explico.

Dor de cabeça, de estômago, de dente ou seja lá do que for, também não são passaporte para o destrato em casa, no ambiente de trabalho, na rua.

A não ser que haja um cartaz em seu pescoço avisando, ninguém é obrigado a saber que você está passando mal.

Tente ser delicado e informe: desculpa, mas eu não tô legal.

Mas aonde eu quero chegar mesmo é na tensão pré-menstrual, cuja sigla – TPM – é tão famosa quanto INSS ou FBI.

Deve ser barra pesada o infortúnio que certas mulheres vivem todos os meses. Eu não tenho ideia, nasci homem nessa encarnação.

Mas às vezes me parece que há um consenso velado de que mulher na TPM tem direito a tudo em termos de comportamento, de relacionamento com o próximo.

É como se aceitássemos a ideia de que se fulana tá na TPM, pode xingar, escorraçar, ser grossa, estúpida, deixar a educação em casa. Afinal, são os hormônios. O mundo que tenha compreensão e abaixe a cabeça para as alterações dos hormônios femininos.

Desculpem, mas não acho que deva ser assim.

Se um dia eu tiver um problema qualquer e não conseguir mais ereção, não acho que deva sair por aí cuspindo farpas, pregos e tachinhas.

Perdão, querida, eu não tenho culpa se você nasceu mulher.

Sobre gente, cães e gatos

Nada contra quem se preocupa com cães, gatos e demais espécies.

Eles precisam de carinho, cuidado e respeito.

Francisco de Assis foi um dos maiores vultos da humanidade também pelo seu amor para com os animais.

São válidas as postagens sobre cães e gatos que precisam de adoção, embora ache inteiramente dispensáveis as fotos desses animais macerados ou mutilados pela bestialidade do bicho homem.

Mas em um momento em que recrudesce, chegando às raias do ódio, o debate sobre a redução da maioridade penal, talvez estejamos perdendo uma oportunidade de falarmos um pouco mais sobre adoção nas redes sociais. Adoção de seres humanos, diga-se de passagem. Adoção de crianças que, não obstante a família desestruturada, podem se tornar adultos de bem, voltados para o amor e a paz, distantes da criminalidade.

Existem diferentes formas de adoção, que não se limita a ir no juiz e pedir para ser pai e mãe daquela determinada criança, levá-la para casa, inseri-la na família e apresentar pra todo mundo: “Essa é minha filha ou esse é meu filho”. Em alguns casos, acompanhar uma criança em um orfanato, cuidando de sua vida escolar, ou simplesmente dando-lhe amor e carinho, não é pouca coisa, e não sendo pouca coisa, é muito mais do que nada, do que a omissão.

É claro, bichos dão trabalho, mas ser humano dá mais, pode não querer comer quando você manda, não estudar quando é hora, chegar em casa bem depois do combinado. Ser humano pode não obedecer; ser humano, depois de uma idade, diz que você não manda nele; ser humano pode te decepcionar, te magoar. Mas o mundo só vai melhorar se o ser humano for melhorado, e a infância é uma ótima idade para se melhorar as pessoas.

E pessoas melhores cuidam melhor de cães, gatos e bichinhos de uma forma geral.

“Startando” o processo, identificando um gap

Alguns anos atrás, era moda conjugar em português o verbo inglês start. “Precisamos startar o processo”, dizia o gerente de uma famosa emissora de rádio em que trabalhei, quando queria nada além do que dizer “parem de me enrolar e vamos começar logo isso, que já tá demorando demais”. Mas o chique era startar, impressionava os subordinados aquela intimidade com a terminologia dos manuais de administração.

Mais antigo ainda é o tal do up grade. Era preciso melhorar algo, dava-se logo um up grade que a coisa funcionava. Fulana cortou o cabelo, tá se vestindo melhor? Ah, foi porque deu um up grade no visual. Esse parece que foi extinto, nunca mais ouvi. Talvez, fora de moda, dar um up grade possa ter até significado contrário hoje em dia.

Publicitários não têm trabalhos para fazer. Eles executam jobs. “Ai, peguei um job que tá me matando!”, e aflitos repetem a palavra, mesmo que o interlocutor seja um simples mortal que entenda apenas de trabalhar.

O jornalista Leandro Fortes confessa sua falta de paciência com quem anda de bike, e eu me lembro que na minha adolescência a gente montava no “camelo” e saía pedalando por aí, porque andar de bicicleta era coisa de gente que tinha a idade que eu e Leandro temos hoje.

Atualmente, parece-me que a estrela importada do vocabulário dos outros é gap (se você não sabe inglês, fala-se guépi). A nova palavrinha da moda significa espaço, lacuna, e todo mundo agora acha que precisa aproveitar os gaps que existem nos vários setores da vida humana. A qualquer hora ouço que há um gap aqui, ali, acolá.

É chique, é moderno e quem fala passa a imagem de antenado, de contemporâneo.

Mas me dá um soninho…

O nu honesto das mulheres normais

Um dos vários momentos em que Rubem Braga alcançou a perfeição como cronista foi em “Era loura e chamava-se Ruskaia”. Não me lembro de qual livro é e confesso que não vou procurar agora, mas com as ferramentas que o fizeram meu mestre e de tantos outros no ofício da crônica, o velho Braga conta que, quando rapazola, ficou deslumbrado com uma bailarina russa que viu dançar, se não me engano no Municipal do Rio. Conta de seu fascínio pela figura espetacular de beleza realçada por um mundo mágico de palco iluminado, gestos suaves e longos e música dos anjos.

Escreveu o mestre que saiu envolto em nuvens de paixão, ou algo semelhante (permitam-me o pecado de inventar em cima do que é sagrado), mas termina a crônica dizendo que, àquela altura da juventude, ainda não imaginava que a mulher da vida de todo o homem é mesmo simples, comum, sem espetáculo, de nome normal como, por exemplo, Joana.

Foi da crônica do mestre que imediatamente lembrei ao ver a postagem de minha amiga poetisa Nanda Barreto. O post se chama Nu Honesto e fala do trabalho de um fotógrafo americano – Matt Blum – que decidiu fotografar nuas mulheres comuns, sem maquiagem, muito menos photo shop. Ele as clica em casa, em seus ambientes habituais, nas poses que gostam de fazer na cama, sofá, encostadas nas paredes.

O trabalho é genial não apenas porque se propõe a passar bem distante da plástica excessiva e das poses pornograficamente forçadas das piriguetes e big Brothers, clicadas por força de contrato pelas revistas masculinas. É genial porque mostra mulheres normais, que andam ao nosso lado na rua, trabalham conosco, param no mesmo sinal que nós. É delicioso justamente porque mostra essas mulheres com as delícias e os “defeitos” de seus corpos, quais sejam, a barriguinha sobrando um tanto, a cocha não tão lisa, o peito nem tão empinado (ou nada).

O que as mulheres não entendem é que é por elas, essas normais, tão estranhas ao mundo fantasioso dos estúdios, que nós, homens, nos acabamos física e emocionalmente ao longo da vida, desde a adolescência até a velhice. Talvez cheguem mesmo a imaginar que, na cama com elas, imaginemos os tais monumentos produzidos, de bunda e peitos de plástico. Mal sabem que é muito mais fácil o contrário: se um acaso cinematográfico do destino nos pusesse na horizontal com alguma dessas que saem nas revistas, acontecer de conseguirmos chegar ao final imaginando justamente nossas mulheres normais, passando nuas do quarto pra sala, saindo do banheiro e parando na cozinha para tomar água.

A histérica e escravagista classe média brasileira

Há não muito tempo presenciei a preocupação de uma alta funcionária pública, grávida de sete meses e mãe de um outro filho ainda pequeno. Ela empregava uma babá, mas reclamava da dificuldade em conseguir uma segunda, e todo seu tormento era dar conta de dois filhos com apenas… uma babá.

Há uma cena que não é incomum, ao menos nos ditos bons restaurantes de Brasília. O casal chega no início de uma tarde de domingo, trazendo na maioria das vezes somente um filho e, a tira colo, uma mulher, invariavelmente negra ou nordestina – às vezes, as duas – para cuidar do pupilo. Em alguns casos, a mulher ao menos se senta à mesa, mas não raro também é encontrar as que não recebem permissão para isso, e ficam ali, serviçais constrangidas por um ambiente extremamente destoante da realidade particular de cada uma.

Agora – meu Deus! Como será? – sinhazinha e sinhozinho terão que pagar uma série de direitos trabalhistas se quiserem continuar almoçando aos domingos sem que lhes roube o sossego o filho que puseram no mundo.

A ampliação dos direitos trabalhistas das domésticas é uma chamada à realidade de uma parcela da população brasileira que insiste em costumes escravagistas em plena segunda década do terceiro milênio. Mesmo que de forma aparentemente involuntária praticam esse mal achando que estão fazendo o bem, como certa madame do Lago Sul – bairro nobre da capital do país – que só dava folga para a empregada em apenas um domingo de 15 em 15 dias, mas mostrava a consciência tranquila explicando que “fulana come e dorme de graça aqui em casa”.

Analistas arriscam, com certo folga, que essas mudanças reduzirão bastante a oferta de trabalho para as domésticas. Esta semana, soube de escolas onde aumentou a procura dos pais pelo turno integral para os filhos, sinal provável de que estão dispensando ou desistindo de contratar babás, o que confirmaria o paplpite dos entendidos. E é bom lembrar que a escola certamente é bem melhor preparada para cuidar de uma criança do que pessoas que exercem esse ofício porque não tiveram outra oportunidade profissional na vida.

Previsões postas de lado, seria uma evolução social no país o desaprecimento dessa nódoa da escravidão.

Se colocamos filhos no mundo, nós que os assumamos e deles cuidemos, com todas as alegrias e desconfortos que isso representa, e que nos conveçamos – inclusive os homens – de que somos perfeitamente capazes de cozinhar, lavar e passar, mais ainda nesse mundo maravilhoso de lavadoras, secadoras, micro ondas e afins.

Jaiminho do caixão e Graça, a louraça

Após cinco meses, encontro Marcelo Bebiano, caso raro de amizade que se faz depois da curva fechada dos 40. Conhece gente do naipe de Chico Buarque e Romário, mas fala disso do mesmo jeito simples que fala como conheceu o lanterninha aposentado de um antigo cinema da Tijuca.

Me conta que está cansado da ponte aérea Brasília-Rio, e eu, por causa de sua condição atual, aconselho-o a assumir a capital do país como pouso permanente, conhecer os lugares óbvios que ele, diarista das portas em automático, nem desconfia onde ficam.

Mas nossa cidade natal longo vem à baila. E por causa de um assunto que se emenda no outro, que se emenda no outro, no outro e no outro, nos pegamos falando do Jaiminho do Caixão.

Tem esse apelido porque não perde um enterro de famoso. Se o sujeito tem nome em vida, ao bater a cassuleta, pode contar com Jaiminho no velório, segurando a alça dianteira do caixão, de preferência a mais visível para fotógrafos e cinegrafistas. Não sei que estratégia possui, mas arruma um jeito e sempre consegue destaque na parte dianteira do ataúde. Já o vi dar discretas cotoveladas e afastar da frente do caixão parente próximo de defunto famoso.

Outra sobre qual falamos foi a Graça, a louraça, mas esta eu não conheço. Era mulher de dinheiro e exuberância, mas curtia entrar de penetra nas festas da alta. Tinha badalação, Graça estava dentro, sem nem desconfiar quem estava bancando o rega-bofe.

De tanto penetrar nas rodas e por ser muito agradável, começou a ser convidada. “Ah,chama a Graça, ela é ótima!”, e foi aí que sua vida perdeu o sentido: ser convidada não era com ela. Parece que desapareceu, desgostosa.

Só o Rio para ter histórias assim.

Só Marcelo Bebiano para contá-las.

Mentes preocupantes

Fiquei espantado – e assustado – com o resultado da tese de mestrado que uma amiga faz sobre a percepção dos jovens de hoje em dia sobre a ditadura militar.

Estudantes de diversas áreas do conhecimento entendem como “ mal necessário” os 20 anos que os generais passaram sentados na cadeira mais importante do poder no país.

Como justificativa, alegam que a ditadura livrou o Brasil do comunismo, ou seja, fizeram atravessar quatro décadas a paranóia que moveu a UDN e levou às ruas a Marcha com Deus pela Liberdade.

Penso que as respostas não careçam apenas de falta de informação ou visão histórica (como poderia, à época, um Presidente levar o Brasil ao comunismo sendo dono de latifúndios e trabalhista por conveniência política e oportunismo eleitoral?). Quando pensamos que crianças foram torturadas na frente dos pais, passa a ser também falta de qualquer sentimento que se apiede do ser humano.

Mas é de se enxergar nessa postura – paradoxal quando se trata de jovens defendendo forças que combatiam a liberdade – a culpa dos que assumiram o poder na chamada redemocratização. É provável que o costume da corrupção e do uso da política como instrumento de atendimento a interesses particulares tenham impedido o nascimento, no ideal desses jovens, da crença de que a democracia não é perfeita, mas é bem melhor do que qualquer outra opção de governo.

A conduta lamentável de homens públicos nesses quase trinta anos coloca lenha no fogaréu da falta de informação dos que justificam – e indiretamente defendem – a estupidez e a crueldade como prerrogativas de mandatários. E agora, a partir dessa pesquisa, o que mais preocupa é que essa postura não está mais restrita aos conservadores que viveram, apoiaram e muitas vezes fomentaram a repressão. Ela começa a brotar nas mentes que deveriam, até por uma questão digamos hormonal por causa da juventude, defender a liberdade.

Ventar pros dois lados

Uma coisa que estamos esquecendo é que o Marco Feliciano tem legitimidade para estar lá. Entrou pelo voto popular na Câmara, e na comissão, pelo voto de quem foi votado pelo povo.

A coisa é tão óbvia que chega a ser matemática.  Se chegou lá pela força da pregação religiosa, é outra discussão. Pelas regras – certamente enviesadas – eleitorais e que regem o parlamento, o lugar pode realmente ser dele, como está sendo, apesar da chiadeira.

Aliás, há informações nas redes sociais que dão conta da existência de uma corrente, abaixo assinado ou coisa que os valha reunindo um milhão de assinaturas a favor do pastor que, ao que tudo indica, põe na conta da Bíblia o preconceito que ele próprio nutre contra negros e homossexuais.

E aí precisamos reconhecer também a legitimidade de quem o apoia. Conservadores e reacionários também têm o direito à manifestação, que não é propriedade das forças progressistas. O vento precisa soprar pros dois lados. Há legitimidade em pedir que o Feliciano saia e em pedir que ele fique.

Só não é legítimo preconceito. Contra negros, gays, religiosos, ateus.

Em tempo: sou heterosexual, pai de três meninas, carioca, flamenguista, rockeiro, blueseiro, precisando aparar a barba, vou tomar vinho logo mais e o Marco Feliciano não me representa.

O fim da 61 (e a longa noite da superficialidade)

O jornalista Adriano Oliveira postou na semana passada seu espanto frente à capacidade que as letras de músicas sertanejas possuem de se superar em matéria de imbecilidade. Para confirmar o que dizia, transcreveu duas frases, gesto que não repetirei para poupar quem me lê agora.

No mesmo dia, recebo e-mail de outro jornalista, Hélio Doyle, comunicando com pesar o encerramento da edição impressa da Revista 61.

Embora não pareça, as duas coisas estão correlacionadas.

A 61 foi uma tentativa refinada de discutir com inteligência, senso crítico e profundidade o dia a dia de Brasília. Matérias detalhadas e diferenciadas, fugindo do óbvio, eram arrumadas em uma edição preocupada em embalar com estética e bom gosto a informação de qualidade.

A revista foi além. Publicou contos e poemas (eu mesmo emplaquei dois contos em suas páginas). Que doideira, no dias de hoje, uma revista de assuntos gerais dar espaço à literatura!

E a 61 impressa está saindo de cena justamente por isso, porque ousou ser pertinente e conteudista em um país que há cerca de vinte anos, com a ascensão do que insistem em chamar de música sertaneja e de outros gêneros, optou pelo mau gosto, e que cada vez mais se aprimora na superficialidade.

A informação é de que a revista persistirá eletronicamente, quem sabe aguardando que termine a longa noite escura não apenas da música, mas da programação de TV, do humor e da imprensa sedada pela irrelevância.

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