Pássaros.
Quando ela entrou na cozinha, ele estava na janela que dava para os fundos do prédio. Não eram ainda 7h30. Mesmo aos domingos ele não acordava tarde.
Ela deu bom dia e também foi ver a paisagem. Um sol límpido e fresco reproduzia em sombra as linhas retas do prédio no chão da área que servia de estacionamento. Pouco mais além, a grama lavada da noite respirava. Junto, passava um ou outro caminhante mais disposto a exercícios àquela hora.
Somente depois de verificar todos esses detalhes reparou que ele estava chorando, só que mais silencioso que a própria manhã.
O que foi? Espantada, quis saber, embora não tenha ficado aflita. Ele não estava nervoso, chorava em paz e tranquilo um choro sentido com timbre de ausência. E se ela notasse bem, veria que as lágrimas escreviam saudade em seu rosto, mas aquela saudade cujo objeto se esconde além de nossos olhos.
Acordei lembrando deles, explicou o motivo e esfregou as mãos no rosto, dando sumiço em um filete transparente e cristalino que escorria engrossado da alma dolorida.
Ela deixou que a mão caísse pelos cabelos dele, ainda amassados do travesseiro. Consolo sem palavras dizendo tanto.
Já há algum tempo ele não chorava, mas é que a semana fora um exercício contra o desespero e a desistência das pequenas batalhas, e a que começava não anunciava bonanza. Ele, sempre tão a mercê da solidão da cidade, não encontrava amparo maduro que o ajudasse a pensar e resolver.
Ela ainda não conhecia a dor inexorável da única certeza da vida. Sentia a angústia inerente ao assunto a partir dos relatos dele.
Tem dias que chego e vem um impulso mecânico de ligar para eles, contar sobre o dia. Parece braço, perna que a gente amputa, mas que continua sentindo, como se estivesse lá, ele disse certa vez.
Secou as lágrimas com a camiseta do pijama mesmo.
De vez em quando dá isso, mesmo anos depois. Aí a gente chora um pouco, dá uma desabafada e olha pro céu como se procurasse pássaros.
E ergueu os olhos aguados.